Porta-voz reforça papel crítico e nega 'partidarização' na CNBB
Indiretamente, comentário foi resposta às críticas de aliados de Jair Bolsonaro que veem ligação da Igreja com o PT e a esquerda
APARECIDA - Durante o primeiro dia de sua 57a. Assembleia Geral, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reforçou o papel da Igreja de defender os mais pobres e negou que exista tendência de alinhamento com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Depois de reconhecer que há uma polarização entre "nós e eles" no Brasil, o presidente da Comissão para Ação Transformadora e bispo de Lages (SC), dom Guilherme Werlang, um dos porta-vozes do evento, disse que não há partidarização na CNBB. "Nunca houve, mas às vezes se cria a imagem de que a CNBB se identificou com um partido ou outro. Não é verdade", afirmou, durante a primeira entrevista coletiva.
Indiretamente, ele respondeu às críticas de aliados de Bolsonaro que veem ligação da Igreja com o PT e a esquerda. Durante a assembleia, a CNBB elege também seus novos dirigentes e uma corrente estaria inclinada a buscar aproximação com o governo Bolsonaro. "Nós não devemos cair nessa armadilha de fazer escolhas para um lado ou para o outro", disse. Dom Guilherme reconheceu que há uma tendência de polarização no mundo inteiro, que interpretou como um retorno a décadas atrás, quando o mundo estava dividido entre capitalista e comunista. "Tenho impressão de que essa é uma polarização artificial, mais decorrente da disputa política e não de uma filosofia bem formada."
Ele lembrou que o papa Francisco deu exemplo de como superar essas diferenças, visitando predominantemente países muçulmanos. "A questão é de uma certa esperteza, uma certa astúcia para não cair nessas armadilhas (políticas)", disse. Reconheceu, no entanto, que o Brasil passa por um momento delicado. "A crise econômica é brava, basta dizer que estamos saindo de 12 para 14 milhões de desempregados e há 30 milhões de subaproveitados", disse.
Perguntado se as críticas à reforma da Previdência tinham relação com a intromissão do governo de Bolsonaro na questão do Sínodo da Amazônia, o vice-presidente da CNBB e arcebispo de Salvador (BA), dom Murilo Krieger, disse que a primeira preocupação com a Previdência foi ainda no governo Temer. "Naquela ocasião já chamamos a atenção. A gente chama a atenção para valores que não estão sendo lembrados."
Ele disse não ter sentido a especulação de que a direção a ser eleita para a CNBB será mais alinhada com o governo Bolsonaro. "O alinhamento não tem sentido. Nossa função é ter um papel crítico. O grande trabalho é feito internamente, são os desafios da Igreja de como evangelizar. Não pensamos quem vai ser o ideal para lidar com o governo, não, até porque o nível de contato com o governo é muito pequeno. Não se pensa em ter alguma coisa já montada a favor ou contra alguém. A Igreja está sempre procurando o diálogo. A gente sabe que, se nós trancarmos o diálogo, é o povo que fica prejudicado."
Ainda sobre o encontro que discutirá a Amazônia, em outubro, no Vaticano, ele disse que não é um sínodo só do Brasil. "Vamos tratar do problema da pessoa que mora na Amazônia também em outros países, que não tem voz, nem vez. Não vejo como oposição ao governo. O sínodo já estava programado há um ano e meio, muito antes das eleições presidenciais. A manifestação do governo, a preocupação de querer participar, não cabe. Não é para resolver questões econômicas e geopolíticas, é para evangelização."
Diretrizes
A assembleia geral do episcopado brasileiro discute até o próximo dia 10 as diretrizes que a Igreja, com quase 280 dioceses espalhadas pelo Brasil, vai seguir até o ano de 2023. "As diretrizes são como uma plataforma de governo que inspira o trabalho total da Igreja do Brasil em todos os segmentos. Qual a grande questão da Igreja brasileira no momento? Uma realidade que vivemos é a predominância do mundo urbano no Brasil inteiro. Vivemos numa situação diferenciada, com mudanças incríveis nas relações pessoais. Sobre quais pilares vamos sustentar a Casa de Deus, essa é a questão", disse dom José Belisário da Silva, arcebispo de São Luiz (MA) e coordenador dos trabalhos.
A votação para a CNBB será para os cargos de presidente, vice-presidente e secretário-geral. Todos os cerca de 300 bispos na ativa podem votar e serem votados. Os mais de 100 eméritos presentes no encontro não podem votar, nem serem votados. O mandato dura quatro anos e pode haver uma reeleição. Foram dispostas 17 cabines de votação no Centro de Eventos do Santuário de Aparecida. O sistema é digital conectado a um servidor de banco de dados. O formato desenvolvido pela CNBB garante o sigilo do voto e a privacidade dos eleitores.
Venezuela
A crise na Venezuela também preocupa a Igreja do Brasil e será discutida na assembleia. Várias dioceses, principalmente a de Roraima, criaram mecanismos para ajudar os imigrantes que cruzam a fronteira. As tensões dos últimos dias, com a tentativa do presidente autoproclamado Juan Guaidó de assumir o poder, fizeram crescer a entrada de venezuelanos no Brasil, segundo o bispo de Roraima, dom Mário Antônio da Silva.
"Fizemos um intercâmbio com a diocese venezuelana mais próxima da fronteira, estabelecendo pontes e caminhos de auxílio para os migrantes. Isso porque a operação acolhida, do governo federal, com a presença das Forças Amadas, embora importante, não é suficiente para acolher a todos. Não acolhe nem a metade dos que pedem ajuda."
Segundo ele, a maior parte dos imigrantes acaba batendo às portas das igrejas que, desde o início da crise, em 2017, desenvolve projetos de acolhida aos venezuelanos. "Falta no Brasil uma política de acolhida migratória. Tem a lei da imigração, mas não há política de Estado para a acolhida. Nós da Igreja estamos acolhendo com a ajuda de parceiros internacionais e organismos da ONU", disse o bispo.