'Precursoras do El Niño': o que são as ondas Kelvin detectadas no Pacífico
Cientistas da Nasa usam imagens de satélite para estudar as chamadas ondas Kelvin e poder prever com mais certeza as chances de formação do El Niño.
Os cientistas que estudam o clima alertam há meses sobre a possível formação do fenômeno El Niño durante o verão no hemisfério norte, dadas as condições atuais do Oceano Pacífico.
A última vez que o El Niño se formou foi em 2016 — e seus efeitos foram sentidos em todo o mundo, à medida que contribuiu para o aumento recorde das temperaturas globais, a perda de florestas tropicais, o branqueamento de corais e o degelo polar.
A perspectiva de que um El Niño forte se forme nos próximos meses preocupa os cientistas, num contexto em que se observa um aquecimento "brusco e inesperado" dos oceanos.
Tudo isso, em conjunto, pode levar a temperatura global a níveis recordes em 2023 e 2024.
Para prever o fenômeno El Niño, os cientistas medem vários fatores, como a velocidade dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste na região equatorial da Terra) e as temperaturas das águas oceânicas, tanto na superfície quanto nas profundezas.
Além disso, cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa, a agência espacial americana, usam imagens de satélite para estudar as chamadas ondas Kelvin e poder prever com mais certeza as chances de formação do El Niño.
"Quando medimos os níveis do mar usando altímetros no espaço, vemos não só a forma e a altura da água, mas o movimento das ondas, como as Kelvin", explicou Nadya Vinogradova Shiffer, cientista do programa Sentinel-6, da Nasa, em comunicado.
Mas o que são essas ondas que os especialistas da Nasa detectaram nas últimas semanas? E por que são usadas para prever fenômenos como o El Niño?
As ondas Kelvin
As ondas que você vê quando vai à praia são geradas pela pressão que a atmosfera exerce sobre a água: os aumentos da pressão fazem com que a água na superfície se comprima e se expanda. Nesse ir e vir, são criadas as ondas.
Durante esse movimento ondulatório, a água quente da superfície se mistura com a água mais fria das profundezas, gerando correntes.
As ondas Kelvin — descobertas em 1879 por William Thompson, que ficaria conhecido mais tarde como Lord Kelvin — seguem o mesmo princípio.
De acordo com o JPL, as ondas Kelvin têm aproximadamente de 5 a 10 centímetros de altura na superfície do oceano e centenas de quilômetros de largura, se movendo de oeste para leste.
Quando se formam na Linha do Equador, como foi detectado nas últimas semanas, as ondas Kelvin levam a água quente, associada com níveis mais altos do mar, do Pacífico Ocidental para o Pacífico Oriental, em direção à costa oeste da América do Sul.
As ondas Kelvin que começam na primavera do hemisfério norte são consideradas precursoras do El Niño, um fenômeno caracterizado por níveis do mar mais altos e temperaturas oceânicas mais quentes que a média ao longo da costa ocidental do continente americano.
Ondas Kelvin e El Niño
Por haver mais calor nessas águas, há mais evaporação, e por haver mais evaporação, há mais precipitação e eventos climáticos extremos.
"As ondas Kelvin são algo que costumamos ver como um precursor do El Niño", diz o pesquisador da Nasa Josh Willis à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
"Houve vários eventos históricos de El Niño nos últimos anos (1996-1997, 2015-2016) e em todos se observou ondas Kelvin antes de ocorrerem."
Por meio de imagens de satélite, os cientistas podem ter uma ideia visual mais clara de como as temperaturas estão distribuídas no Pacífico. E potencialmente quão forte será o El Niño que está se formando.
"É muito mais provável que tenhamos um El Niño neste ano do que não", avalia Willis. "Mas se é um grande ou pequeno, é algo que teremos que esperar para saber."
O que se pode dizer com certeza, segundo especialistas, é que, com o aumento das temperaturas globais devido às mudanças climáticas, qualquer aumento adicional, como o que o El Niño pode provocar, terá consequências significativas.
"Dados de satélite do período entre março e abril mostraram que, até 24 de abril, as ondas Kelvin haviam acumulado níveis mais altos de águas mais quentes nas costas do Peru, Equador e Colômbia", afirmou o JPL no comunicado.
Esses dados se refletiram, por exemplo, nos aumentos históricos das temperaturas que o Peru registrou durante o mês de abril.