Presa por invadir celular de Moro se defende: "Pessoa comum"
Suelen de Oliveira, que ficou 70 dias na prisão, afirma que Walter Delgatti Neto, líder do grupo, "não soube usar a inteligência que tem"
Presa sob suspeita de participar da invasão de celulares das principais autoridades do País, a jovem Suelen Priscila de Oliveira, de 25 anos, é a única dos seis investigados na Operação Spoofing fora da prisão. Em entrevista exclusiva ao Estado, 12 dias após deixar o presídio feminino em Brasília, Suelen negou ser hacker e disse que, se quisesse, poderia ter "prejudicado a vida" de Walter Delgatti Neto, o Vermelho, que afirmou ter sido responsável por roubar mensagens de procuradores da Lava Jato e repassado ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil. Ela, no entanto, disse que não sabia nada da vida do hacker.
Suelen foi presa no dia 23 de julho, no apartamento em São Paulo em que vivia com o marido, o DJ Gustavo Henrique Elias Santos. Ele continua preso. Segundo a jovem, Delgatti e o marido eram amigos. "Ele (Delgatti) não soube usar a inteligência dele. Ele é uma pessoa muito sozinha, uma pessoa carente. Mas realmente eu não sabia da vida dele. Eu podia até prejudicar ele se eu quisesse, porque ele está prejudicando a minha vida", afirmou Suelen na entrevista, feita por videoconferência, sem explicar como poderia prejudicá-lo. Depois de deixar a prisão, onde ficou por 70 dias, a jovem voltou para Araraquara, onde vive sua família.
Durante cerca de uma hora de conversa, a jovem contou que tem tomado remédios para dormir, que sente medo de ficar sozinha e se assusta até com o barulho de ranger de portas.
Você foi presa por envolvimento com um grupo investigado por hackear as principais autoridades do País. Você é uma hacker?
Não, eu não sou uma hacker.
E o que diz sobre a suspeita de fazer parte de um grupo de hackers?
É uma injustiça o que fizeram. Não só comigo, mas com o meu marido. Porque eu não tenho nada a ver com isso. Eu passei por coisas na prisão que só Deus sabe. Mesmo eles sabendo que eu não tinha nada a ver, eles fizeram coisas para prejudicar a gente. Enfim, eu estou tentando me recuperar. Eu estou tentando seguir em frente, mas está sendo muito difícil.
Na prisão, você sabia o que estava acontecendo aqui fora? Da repercussão toda?
Não, lá dentro a gente não sabia de nada. Quando passava alguma coisa na televisão, os policiais desligavam para a gente não ver. Então, realmente a gente não sabia que estava acontecendo tudo isso, essa repercussão. Era só pressão, só pressão. Eu não podia ter contato com meu marido, só com o advogado. Foi difícil.
O que foi mais difícil nesse período?
Eu estava com medo, porque eu estava longe da minha família, estava em outro Estado. Me mandaram para a "Colmeia" (presídio feminino em Brasília), para uma temporada de cinco dias. Ali fui humilhada. Jogaram minhas calcinhas fora, me deram uniformes rasgados. Fizeram piada comigo, tiraram sarro da minha cara. Me colocaram numa sala extremamente horrível, onde não tinha absorvente, papel higiênico, não tinha água. Tive que usar uma meia como absorvente. Não tinha higiene. Me deixaram dois dias sem tomar banho, não conseguia dormir.
Você imaginava que poderia ser presa?
Nunca. Para mim, é difícil dormir, eu não consigo. Eu não consigo ficar sozinha. Eu fico assustada, entro em pânico. Eu ainda estou começando a me conectar com o mundo. Ainda estou um pouco por fora de tudo o que aconteceu. Eu sei que vou levar isso para o resto da minha vida. Então tenho que enfrentar.
Como você conheceu o Walter Delgatti Neto, o 'Vermelho'? Você tinha conhecimento das mensagens roubadas das autoridades?
Ele era amigo do meu marido faz muito tempo. Desde 2008 e 2009 ele conhece meu marido, desde quando meu marido começou a ser DJ. E eu conheço meu marido desde 2014, então desde 2014 eu conheço o Walter. Até então eu não sabia que o Walter estava envolvido em tudo isso. Então, quando falaram para mim na delegacia que eu estava sendo presa por causa disso (roubo de mensagens de autoridades), a gente não acreditou. A gente não deu muita bola porque quem conhece o Walter pessoalmente sabe que ele é uma pessoa mentirosa, que ele mente. Ele é um cara inteligente, isso eu não vou negar. Mas eu não imaginava que ele faria tudo isso. Ele fantasia. Mas, enquanto ser humano, ele é uma boa pessoa. Só que eu não tinha o contato dele. Eu não conversava com ele.
Você não soube de roubo de mensagens nem ajudou em momento algum em captura de conversas de autoridades?
Eu falei com o delegado que ele podia olhar no meu celular que não ia achar nada dele (do Walter). Muito menos conversa com ele. Tanto que eu não gostava dele. Eu não ia muito com a cara dele. Hoje eu perdoei ele, porque eu vi que ele não tinha noção do que estava fazendo. Ele não soube usar a inteligência dele. Ele é uma pessoa muito sozinha, uma pessoa carente. Mas realmente eu não sabia da vida dele. Eu podia até prejudicar ele se eu quisesse, porque ele está prejudicando a minha vida. Eu passei por tudo aquilo por culpa dele, entende? Porque não só eu, como minha família, a família do meu marido fomos prejudicados. Minha mãe trabalha em escola pública, minha sogra trabalha em escola pública. Araraquara é uma cidade do interior de 300 e poucos mil habitantes, mas parece pequeno, todo mundo se conhece. Principalmente porque meu marido é DJ, então ele é bem famoso na cidade. Então o Walter estava prejudicando não só eu, mas a minha vida e a da minha família. Então se eu quisesse sentar ali e falar tudo para prejudicar ele eu falava. Mas realmente eu não sabia da vida dele.
Você sabia quem eram as autoridades que tiveram seus celulares hackeados?
Na verdade nem acompanho sobre política, sobre quem está roubando, sobre quem está matando, nunca me interessei sobre nada disso. Por essa Lava Jato, ouvi dizer muitos anos atrás, mas não tenho nada contra isso, muito menos contra o Sérgio Moro.
Como foi a sua prisão?
Eu lembro que eu e meu marido acordamos cedo, como normalmente fazemos. O porteiro ficou ligando. A gente acordou e atendeu. Ele disse que era os Correios e que devia descer na portaria para pegar uma encomenda. Mas era a polícia querendo fazer contato com a gente. Meu marido achou estranha a insistência. Disse que era para deixar que depois ia resolver isso. Em dois minutos a campainha começou a tocar desesperadamente. Quando meu marido foi até a porta, foi a hora que eles quebraram a porta. Eu entrei na frente do meu marido, pedi "calma, calma, calma". Eles armados, apontando a arma na nossa cara, "mão na cabeça, mão na cabeça". Um susto enorme, eu não sabia o que estava acontecendo. Meu marido pediu para colocar a roupa. Eles não deixaram. Eles pediam para ele se acalmar. Eles algemaram meu marido, deixaram ele ainda nu por uns 10 a 15 minutos. Meu marido ficou em casa, algemado e nu. Aí eu corri para o quarto porque eu estava em casa de calcinha. Fui colocar a roupa, eles vieram atrás de mim achando que eu tinha arma dentro de casa. Eu disse que não tinha bandido ali. Eu pedi: "Deixa eu colocar uma roupa". Eles ficaram mais de quatro horas no apartamento, revistando tudo. A partir dali pegaram nosso celular, não deixaram a gente ter contato com ninguém. Me deixaram de um lado e meu marido para o outro.
A PF apreendeu dinheiro na casa de vocês, R$ 99 mil, e investiga se é de origem ilícita...
Pegaram o dinheiro do meu marido, mas a gente não deve nada a ninguém. Porque a gente trabalhava. A gente sempre deixou dinheiro em casa. Não era nada ilegal. A gente não via risco nenhum, sempre deixou dinheiro em casa porque não deve nada a ninguém.
Quando você soube que estava sendo presa por causa da invasão a celulares de autoridades do País?
Eu fiquei sabendo em Brasília, depois de algumas horas. No outro dia, o advogado encontrou a gente de manhã, na cela no aeroporto de Brasília. A partir daí foi só pesadelo, sabe.
Você estava trabalhando no período da prisão? Qual é a sua formação?
Eu terminei o ensino médio, fiz alguns cursos. Sou de família de classe média baixa, pessoas humildes. Sempre tive amigos. Ajudava meu marido na casa, em tudo, e ajudava como DJ. Sou uma pessoa comum, até isso tudo acontecer, cair na minha cabeça.
O que você pretende fazer daqui para frente?
Espero que a justiça seja feita, não só comigo, mas pelo meu marido. Confio muito em Deus, sei que vai dar tudo certo. Deu certo para mim e sei que vai dar para o meu marido. Os amigos do meu marido estão aqui em energia positiva, oram por ele. Acredito muito na Justiça, e espero que sejam justos com ele. Minha família toda está unida para me auxiliar nesse momento. Está todo mundo muito preocupado com o desfecho disso. Preocupado com o que passou. Se tem algo positivo nisso foi a união da minha família. Eles têm medo do que pode acontecer, porque tem muita gente julgando a gente.
E o período na prisão teve alguma sequela?
Estou tomando remédio para dormir. Estou bem assustada. Barulho de porta me assusta. Quero ficar reservada. Tenho que seguir as regras determinadas pelo juiz que me soltou. Não dou entrevista para ninguém, exceto essa, porque é muito delicado eu falar. Ainda estou por fora de tudo o que aconteceu. Eu não contei tudo para a minha família, para não assustar eles. É difícil para eles. Vou contando aos poucos.