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Project 2025: em meio a tensões geopolíticas, como os EUA pensam em conter o fantasma da ameaça militar chinesa

Identificando o declínio dos investimentos militares norte-americanos dos últimos anos, projeto de governo conservador dos EUA propõe aumento acentuado de investimentos em Defesa.

20 dez 2024 - 11h29
(atualizado às 12h01)
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Em mais um artigo da série sobre o Project 2025 - também conhecido como Projeto de Transição Presidencial -, a equipe de pesquisadores do Observatório Político dos EUA (OPEU) aborda os planos do futuro governo conservador norte-americano na área da Defesa, historicamente um dos principais domínios de projeção de poder global dos EUA. Com a transformação geopolítica mundial dos últimos anos, novos atores surgiram nesse cenário e, com eles, novos desafios. Ainda assim, a coalizão conservadora defensora de uma América que não existe mais continua a pensar na sua política externa nos moldes intervencionistas da década de 1970.

Uma análise do Project 2025 à luz das políticas externa e de defesa por ele propostos identifica um saudosismo frente à derrota da União Soviética e à Guerra Fria da era Ronald Reagan. Isso significa que a luta pelo status quo e pela manutenção da hegemonia dos Estados Unidos passado, do qual se mantém nos planos do futuro governo Trump ante os novos desafios da contemporaneidade, que tem a expansão militar chinesa como principal ameaça para os planos dos EUA.

Apesar de valorizar esse passado, do qual os cidadãos estadunidenses conservadores se orgulham, o Project 2025 já identifica e ressalta que a indústria bélica do país está em declínio constante. Em razão disso, defende o aumento significativo de investimentos no setor, com o objetivo de reduzir a dependência tecnológica da cadeia de suprimentos globais. A execução de uma política como essa significaria reforçar uma realidade que assombra parte da sociedade estadunidense: a de que as despesas militares superam os gastos em bem-estar social no país.

Vale destacar, porém, que publicamente o futuro presidente Trump endossa o argumento contrário ao envolvimento dos EUA em conflitos externos, sob o slogan político America First e, sobretudo, da proteção da economia. Em vista disso, o manual tenta reconquistar o imaginário dos aliados políticos acionando a narrativa dos "Pais Fundadores" do país, como George Washington. O primeiro presidente dos EUA alertava sobre as preocupações que deveriam permear a nação antes de adentrar em uma guerra no exterior: dinheiro e derramamento de sangue de cidadãos estadunidenses.

Nos últimos anos, porém, os EUA foram na contramão dos conselhos de George Washington, com uma longa presença no Afeganistão e uma saída desastrosa do país durante o governo de Joe Biden, por exemplo.

Com o objetivo de resgatar a premissa defendida por George Washington, o manual apresenta como prioridades:

(1) Restabelecer uma cultura de responsabilidade de comando, não politização e foco no combate;

(2) Transformar as forças armadas para obter a máxima eficácia em uma era de competição entre grandes potências;

(3) Fornecer o apoio necessário às operações de proteção de fronteiras do Departamento de Segurança Interna (DHS, sigla em inglês). A proteção das fronteiras é uma questão de segurança nacional, portanto, deve mobilizar esforços conjuntos do Executivo, o que também ajudará a alimentar o complexo industrial-militar; e

(4) Exigir transparência financeira e prestação de contas do Departamento de Defesa visando a aprimorar as forças armadas e as organizações civis que os apoiam e supervisionam.

A ameaça chinesa

Uma das promessas do projeto se caracteriza como a defesa das fronteiras e a necessidade de adquirir uma postura mais punitivista em relação às ameaças globais, afirmando que o ideal wilsoniano pautado no internacionalismo liberal se espalhou no país "como um câncer que desuniu o povo". Isso se reflete, como resultado, nas estratégias de política externa do novo mandato de Donald Trump.

Com uma tendência unilateral e isolacionista, o país se afastará de discussões multilaterais, o que afetará sua relação com os países fronteiriços México e Canadá, por exemplo. Além disso, a gestão também adotará uma estratégia central de maior responsabilização de seus países aliados, delegando a estes uma atuação mais assertiva sem tanta dependência estadunidense - como já viu e deve voltar a acontecer no caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

A globalização é citada como também catalisadora do enriquecimento e do fortalecimento da China no cenário internacional, colocando o país em uma posição central de ameaça à segurança, liberdade e prosperidade dos Estados Unidos. Nesse contexto, o conteúdo do documento ressalta que a prioridade da política externa e de defesa estadunidense deve ser impedir o crescimento da China como potência global e manter o status quo hegemônico dos EUA.

Com o objetivo de contrapor a atuação chinesa, o manual defende a urgência de revitalizar, adaptar e aumentar seu arsenal nuclear e expandir investimentos em defesa antimíssil, argumentando que a necessidade de modernização e de expansão desses setores é efeito da exposição estadunidense ante um possível cenário de coerção nuclear e de ameaças de mísseis por parte de Rússia e China.

Outra questão pontuada como crucial para a manutenção da hegemonia estadunidense é a disputa de influência sobre Taiwan. O projeto indica a necessidade do planejamento de defesa com foco em dificultar a subordinação de Taiwan, ou de outros aliados dos EUA na Ásia, à China. Caso contrário, será afetado o acesso do país ao mercado mais importante do mundo.

Qual o papel da mídia?

Outra estratégia citada como importante no âmbito externo é a reestruturação da Agência dos Estados Unidos para Mídia Global (USAGM). Diferentemente do aspecto prático militar, o papel da Agência é legitimar a agenda de defesa do país, por meio da disseminação de valores e de discursos que relegam aos Estados Unidos o papel de promotor da liberdade e da democracia em nível mundial. Assim, o objetivo da mídia converge com o projeto de reassegurar ao país seu papel de "Arsenal da Democracia".

A Agência supervisiona duas redes de notícias governamentais: a Voz da América (VOA) e o Gabinete de Radiodifusão de Cuba (OCB), além de constar como financiadora de inúmeras outras organizações de notícia multimídias que vão da Europa ao Oriente Médio e Ásia. De acordo com o manual, o objetivo da Agência é importante, mas a execução precisa de reformas, que dizem respeito a problemas operacionais e ao uso indevido de recursos.

Tais deficiências estariam corroborando e contribuindo diretamente para que as organizações da agência se juntem ao discurso antiestadunidense que o manual afirma existir dentro da mídia mainstream. Na perspectiva dos membros do Project 2025, os veículos da imprensa "liberal", que seria ligada ao establishment político, difamam a história estadunidense em nome da independência jornalística.

Com efeito, o Project 2025 tem como intenção o resgate da supremacia dos valores estadunidenses em um mundo no qual a ordem liberal inaugurada pelos EUA está em constante declínio.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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