Quarentena para juízes deixam em aberto impacto em Moro
Ao analisar propostas em discussão no Congresso, especialistas lembram precedente da Lei da Ficha Limpa
Ao menos três projetos de lei discutem a criação de quarentena para juízes e promotores que queiram disputar eleições, tese defendida anteontem pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Advogados que analisaram as propostas a pedido do Estadão se dividem sobre a possibilidade de que, caso seja aprovada, a regra impeça o ex-ministro Sérgio Moro de ser candidato à Presidência. Segundo eles, é provável que o assunto seja debatido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Embora negue interesse, o ex-juiz da Lava Jato é apontado como um dos possíveis nomes para 2022.
O advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, cita um precedente do Supremo para justificar por que acha que juízes que já deixaram a magistratura, como Moro, sofreriam impactos da mudança na norma. Em outubro de 2017, o STF decidiu que a Lei da Ficha Limpa podia impedir candidaturas de quem houvesse sido condenado antes mesmo da aprovação da norma, em 2010. No julgamento, seus ministros concordaram que o efeito da inelegibilidade poderia retroagir.
"Inelegibilidade retroage ou não? Sim, o STF já respondeu essa pergunta", diz Rollo. "O raciocínio tem de ser coerente para todo mundo. Inelegibilidade não é pena, então pode retroagir." Segundo ele, leis que preveem algum tipo de punição criminal, como prisão, por exemplo, não podem retroagir.
Professor da PUC-SP, Marcelo Figueiredo, especialista em Direito Constitucional, vê margem para que juízes e promotores que já estão fora da magistratura consigam se candidatar em 2022. "Duvido que o Supremo sustente isso. Uma coisa é falar da Ficha Limpa, uma regra para políticos, e outra é da regra falar de juízes e magistrados."
Autores de propostas em discussão na Câmara, os deputados Fábio Trad (PSD-MS) e Beto Pereira (PSDB-MS) acreditam que seus textos não devem atingir o ex-ministro da Justiça. Trad apresentou sua proposta em 6 de novembro do ano passado e prevê que magistrados, integrantes do Ministério Público e policiais militares tenham que se afastar por seis anos antes de entrar numa disputa eleitoral. "Moro se afastou do cargo de juiz e está na política desde 2018", afirmou. "Falar em retroatividade seria uma heresia jurídica que a Câmara não aceitaria e, mesmo que aceitasse, o Supremo iria barrar lá na frente", disse o deputado.
Trad é primo do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que tem se colocado como possível candidato à Presidência pelo DEM. Nos bastidores, Mandetta ventila a possibilidade de ter Moro como vice.
Outro projeto para criar quarentena a magistrados foi apresentado em abril de 2019, por Pereira. Ele propõe um período de afastamento de cinco anos para juízes e promotores. Se for aprovada e houver o entendimento de que a lei deve retroagir, a redação faria com que Moro ficasse inelegível até 2023. O deputado, por outro lado, disse ao Estadão que não acredita que isso vá acontecer.
O Senado chegou a aprovar, em 2015, um projeto do senador Fernando Collor (PROS-AL) que fixava prazo de dois anos de desincompatibilização para magistrados e integrantes do MP que quisessem concorrer a cargos eletivos. Encaminhado à Câmara, o texto acabou arquivado no fim de 2018. Atualmente, o período de inelegibilidade para essas carreiras é de seis meses.
Contrários
Embora Toffoli e Maia tenham defendido anteontem que juízes e promotores devam cumprir quarentena de oito anos, deputados governistas ouvidos pelo Estadão se posicionaram contra a aprovação de quarentena para magistrados e promotores. "Acho que qualquer ser humano deve poder se candidatar", disse Carla Zambelli (PSL-SP). "Alguns podem ter medo de Moro se candidatar. Eu não tenho receio algum, sei que o povo não aceita traidores", afirmou, em referência ao fato de o ex-juiz da Lava Jato ter abandonado o governo de Jair Bolsonaro em abril.
O líder da Frente Parlamentar da Segurança Pública, deputado Capitão Augusto (PL-SP), afirmou que vai orientar a bancada da bala, composta por cerca de 300 congressistas, a se posicionar contra a proposta que amplia quarentena. Para ele, o texto é uma "aberração".
O líder do Solidariedade na Câmara, um dos partidos do Centrão, deputado Zé Silva (MG), é favorável à proposta que amplia período de quarentena para juízes, procuradores, policiais e militares entrarem na política. Ele chama a proposta de "quarentena para carreiras públicas", pois acredita que o tema deve ser ampliado para outros profissionais. "Todas as carreiras públicas que tenha essa questão do recurso público precisam entrar nesse debate", disse Silva.