Rede internacional estuda organismos meiofaunais marinhos para desenvolver ferramentas precisas sobre poluição ambiental
Os foraminíferos bentônicos são microrganismos unicelulares que, apesar do tamanho de até 1mm, possuem uma concha ou proteção externa e são excelentes bioindicadores de impacto ambiental.
Como os organismos da meiofauna respondem ao estresse ambiental marinho? Observá-los pode ser muito útil para avaliar a poluição do meio ambiente, e esse tipo de análise tem atraído uma série de pesquisadores brasileiros e estrangeiros para estudar a costa brasileira. A qualidade das baías de Sepetiba, Guanabara, Ilha Grande e de Todos os Santos é alvo de uma rede internacional de pesquisa intitulada "Anthropized Coastal Systems" Em abril deste ano, haverá o II BioFom, um encontro da rede, em Ubatuba, São Paulo.
Formada por pesquisadores brasileiros, italianos, portugueses, franceses, noruegueses e suíços, a rede foca no desenvolvimento de métodos precisos para avaliar a qualidade ambiental. O alvo principal é um pequeno, mas poderoso aliado: foraminíferos bentônicos, organismos meiofaunais unicelulares que, apesar do tamanho de até 1mm, possuem uma carapaça ou proteção externa e são excelentes bioindicadores de impacto ambiental.
Esses pequenos seres têm sido usados há décadas para desenvolver vários índices biológicos. Mais recentemente, os estudos sobre a estrutura das comunidades desses organismos estão sendo baseados também em técnicas avançadas de metagenômica ambiental, que analisam o material genético coletado diretamente do ambiente, como sedimentos marinhos, permitindo identificar e estudar comunidades de organismos sem a necessidade de os retirar do sedimento ou de cultivá-los em laboratório. Essa combinação de metodologias abre perspectivas promissoras na área de biomarcadores da qualidade marinha.
Os foraminíferos são abundantes nos sedimentos dos oceanos e têm um ciclo reprodutivo curto, por isso, respondem rapidamente às mudanças no ambiente. Trabalhos têm demonstrado que derramamentos de óleo, esgoto, lixo, pesticidas, produtos químicos e metais pesados, por exemplo, desequilibram as comunidades desses organismos, deformam as suas carapaças, atrofiam o seu crescimento, afetam a sua reprodução causando mesmo o desaparecimento de algumas espécies. Como consequência, observamos menos espécies jovens, maior proporção de carapaças deformadas e a redução das espécies sensíveis ao estress ambiental.
Além disso, eles desempenham um papel fundamental no funcionamento do ambiente marinho, pois ventilam o fundo do mar, consomem matéria orgânica e fazem parte das teias alimentares marinhas. Outro aspecto interessante é a capacidade de preservação das carapaças desses organismos em registros fósseis, o que os torna uma ferramenta muito útil em reconstituições paleoclimáticas, paleoceanográficas e paleoambientais. Os foraminíferos também são fáceis de serem coletados e são frequentemente encontrados em grande abundância, proporcionando uma boa base estatística para os estudos, mesmo com pequenos volumes de amostra.
No entanto, ainda é necessário estabelecer uma escala que determine a sensibilidade e quais os níveis de tolerância dessas espécies à poluição. Isso permitirá agilizar a identificação de áreas impactadas por diferentes tipos de contaminantes.
O projeto
Diante desse cenário, a rede tem como objetivo estudar esses organismos em sedimentos das baías de Guanabara, Sepetiba e Ilha Grande, no Rio de Janeiro, e Baía de Todos os Santos, na Bahia. Com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e investimentos de cerca de R$ 100 mil, os pesquisadores buscam criar índices que possam ser aplicados no futuro de forma mais fácil e, assim, permitir o aprimoramento das diretrizes brasileiras na avaliação ambiental de regiões costeiras marinhas.
Os primeiros trabalhos já estão rendendo resultados importantes. Na Baía de Sepetiba, um estudo publicado na revista Marine Environmental Research e apresentado em reunião na Alemanha avaliou os padrões moleculares dos microrganismos a partir do estudo do DNA ambiental e identificou níveis preocupantes de poluição. Em metade das áreas analisadas, os indicadores mostram declínio das espécies devido a um risco ecológico alto; enquanto outros 44% apresentam risco moderado. Os principais contaminantes identificados foram os metais estanho, cádmio e zinco e, de forma mais moderada, crômio, cobalto, chumbo e níquel.
Nos últimos anos, a região ao redor da Baía de Sepetiba se tornou um centro de intensa expansão urbana e exploração econômica em resposta ao transporte de minérios e às atividades industriais e portuárias. A região abriga 400 indústrias, um gigantesco complexo siderúrgico da América Latina, uma grande rodovia, conhecida como o Arco Metropolitano do Estado do Rio de Janeiro, uma base aérea e três portos, incluindo o Porto de Sepetiba, em Itaguaí, que movimenta cerca de 51,7 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
O forte desenvolvimento industrial e econômico acarreta alteração das características geomorfológicas naturais, desmatamento, remoção de manguezais, aterramento de corpos d'água, perda de biodiversidade, eutrofização e acúmulo de poluentes. Essas agressões ambientais levam à perda de biodiversidade, mudanças no funcionamento dos ecossistemas e ameaças à integridade ecológica da região.
Considerando o grande impacto em Sepetiba, acreditamos que os estudos dessa rede internacional representam uma contribuição importante para a aplicação de modelos de indicadores, utilizando organismos meiofaunais como um sinal de alerta precoce para o biomonitoramento da qualidade de ambientes marinhos. E com essa estratégia, gerar dados que possam ser utilizados no desenvolvimento de políticas públicas e na tomada de decisões estratégicas de gestão ambiental para empresas públicas reguladoras e fiscalizadoras.
Maria Virgínia Alves Martins recebe financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, FAPERJ, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq
Fabrício Leandro Damasceno recebe financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, FAPERJ.