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Rumos da divulgação científica: Comunicação muda atitudes em saúde, para o bem ou para o mal

Diante de um mundo doente, que vivencia um contexto de mentiras e negacionismo, há tambem o clamor por uma comunicação saudável, qualificada e baseada em evidência

3 out 2024 - 12h46
(atualizado às 17h04)
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No mês em que completa um ano de vida, o The Conversation Brasil publica uma série de artigos que discutem a essência do nosso trabalho: os rumos da divulgação científica e seu papel na sociedade. Em tempos em que a mentira e as informações falsas viraram ferramentas estratégicas e poderosas no universo das redes sociais, uma divulgação científica que seja ao mesmo tempo acurada e eficiente na transmissão de conhecimento para camadas mais amplas da população é fundamental para frear o flerte com a ignorância e o autoritarismo que parece cada vez mais ameaçador na sociedade contemporânea. No quinto artigo desta série, o jornalista, doutor em Oncologia pelo A.C.Camargo Cancer Center e professor convidado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) escreve sobre o poder da comunicação em provocar mudanças de atitude de toda uma sociedade com relação à saúde, e a responsabilidade que isso representa para profissionais e instituições que trabalham com divulgação de informações dessa natureza.

Uma ferramenta poderosa para enfrentar desafios de saúde, crescentes e complexos, que ajuda a mudar o entendimento, atitudes e comportamentos das pessoas e capacitá-las a fazer escolhas que ajudam a proteger e melhorar a saúde e o bem-estar. É assim que a Organização Mundial da Saúde define o papel da informação de qualidade no documento Comunicação para a Saúde (C4H).

A entidade ressalta que uma comunicação eficaz é aquela que se mostra acessível, confiável, relevante, oportuna e compreensível. E, para entendermos a amplitude desses preceitos, vale lembrar do sentido geral de Comunicação. É toda forma de transmissão de mensagens e significados entre um emissor (quem transmite a mensagem) e um interlocutor (quem recebe a mensagem). Portanto, por mais simplista que possa parecer essa informação, é uma missão de todos.

Na prática, a Comunicação em saúde pode ser existir em qualquer ambiente. Dentre os exemplos, temos a exercida dentro casa, na sala de aula, no local de trabalho, assim como na relação entre médicos, demais profissionais de saúde e pacientes. Peço licença para focar esta análise no ambiente midiático, incluindo as redes sociais e imprensa.

Apuração e investigação são atos que devem nortear todo comunicador, seja ele repórter, pauteiro, produtor, redator, editor, assessor de imprensa, professor, médico, cientista, tomador de decisão em saúde pública, enfim, qualquer cidadão que passe adiante uma informação em saúde. Quando falamos sobre temas de saúde, calcados em evidência, estamos, juntos, educando cada pessoa na condição de receptora da informação.

Entendo que isso se mostra mais eficaz quando unimos jornalismo de saúde (com sua ampla e importante missão de informar), comunicação científica (exercida entre pares, que se atualizam mutuamente) e divulgação científica (quando o conhecimento mais técnico é "traduzido" para o grande público). Uma missão tripartite, que resulta em educação em saúde de nossa sociedade.

Por uma Comunicação saudável

É fundamental entender a importância de poder impactar, de forma positiva, como o receptor da informação irá optar por desfrutar sua vida. Diante de um mundo doente, que vivencia um contexto de mentiras e negacionismo, há também o clamor por uma comunicação saudável, qualificada e baseada em evidência. A boa prática em Comunicação precisa saber ocupar espaço, substituindo as más práticas, que, infelizmente, são tão comuns em nosso tão pouco admirável mundo conectado.

Entendendo que os meios de comunicação são importantes disseminadores de informações, especialmente em momentos como o da pandemia de Covid-19, pesquisadores da Escola de Comunicação da Universidade de Amsterdã, na Holanda, publicaram na revista científica Journal of Health Communication, um estudo que os cidadãos são muito dependentes dos meios de comunicação social.

Os autores afirmam que a forma como as pessoas estavam sendo informadas sobre o coronavírus dependia muito do tipo de mídia que utilizam. Especialmente nas redes sociais, a percentagem de desinformação se mostrou considerável, afetando como as pessoas se previnem. A leitura do trabalho mostra que, quando impactada pela informação qualificada, houve, por parte da população, menos percepções errôneas sobre o coronavírus.

No período de análise, de abril a outubro de 2020, os autores constataram que, além dos meios de comunicação de massa, houve também menos percepções erradas entre os usuários do Twitter. O inverso ocorreu entre os usuários do Facebook e Instagram. A conclusão é que os meios de comunicação de massa, como jornais, programas de televisão e rádio ou sites de notícias confiáveis, apresentam um impacto positivo. Portanto, o jornalismo saudável é indispensável.

No plano de Comunicação proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) os tópicos eleitos como mais importantes são imunização, controle de vetores de doenças, resistência antimicrobiana, obesidade, câncer, cólera, dengue, higienização das mãos, HIV e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs); saúde do adolescente, bioética e operações e respostas ágeis em casos emergências, assim como o acesso equitativo aos cuidados em saúde.

Para informar e conscientizar sobre esses temas, a OMS preconiza que haja ações de relações públicas, campanhas de disseminação de informação sobre saúde, atuação em advocacy, assim como ações de comunicação que promovam a percepção de risco e, consequentemente, resultem em mudanças de comportamento. Os canais, para essa finalidade, podem ser portais noticiosos e demais meios de comunicação, incluindo as mídias sociais. Somado a isso, é indicado focar no engajamento de comunidades e divulgação direcionada para diferentes públicos.

Quanto melhor planejada, mais efetiva será cada ação. Consequentemente, desabrigará aqueles que, atualmente, ocupam espaço com desinformação e disseminação de mentiras. Passa a prevalecer a atuação de profissionais que adotam a prática saudável de informar com correção, didatismo, evidência científica e, acima de tudo, que disseminam conteúdo acessível, não elitizado, ao público-alvo.

Visibilidade para a informação qualificada

Em contexto de Covid-19 foi possível visualizar que a disseminação de conteúdo, quando não feita com qualidade e na medida certa, resulta em infodemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica infodemia como sendo o excesso de informação, incluindo informações falsas ou enganosas em ambientes digitais e físicos durante um surto de doença. Ela causa confusão e comportamentos de risco, situações que podem prejudicar a saúde e levam à desconfiança nas autoridades de saúde e prejudica também a resposta da saúde pública.

Uma infodemia, afirma a OMS, pode intensificar ou prolongar os surtos quando as pessoas não têm certeza sobre o que precisam fazer para proteger sua saúde e a saúde das pessoas ao seu redor. Com a crescente digitalização - uma expansão das mídias sociais e do uso da internet - as informações podem se espalhar mais rapidamente. Isso pode, por um lado, ajudar a preencher lacunas de informações mais rapidamente, porém, podem também amplificar mensagens prejudiciais.

Diante deste cenário, a reflexão que proponho é focarmos na necessidade de buscar o equilíbrio na transmissão de informação, alertando na medida certa, sem causar pânico, porém, sem que a população deixe de perceber o risco ao redor dela.

Precisamos falar sobre regulação da mídia

Longe de ser um instrumento de censura, a regulação da mídia é uma medida que, sendo adotada no Brasil, protegeria a prática do jornalismo de qualidade. Vemos hoje a propagação, desenfreada, de produtores de "conteúdo" que, por não serem veículos jornalísticos tradicionais, se sentem confortáveis em levar ao público qualquer tipo de (des)informação. E não respondem por seus atos.

A propagação de mentiras associadas aos temas de saúde é nociva. Porém, acabam sendo facilmente aceitas pelo público. Em câncer, por exemplo, ler que um "tratamento" milagroso pode curar a todos é mais agradável do que a informação de que o câncer é uma doença heterogênea e que não haverá um único tratamento capaz de curar a todos os pacientes. A verdade, como já dizia o documentário de 2006 com roteiro de Al Gore, é inconveniente.

Além dos veículos de imprensa, a regulação precisa incluir as mídias sociais. O Superior Tribunal Federal (STF) deu um importante passo ao firmar um acordo com as plataformas Google, YouTube, Meta, TikTok, Kwai e Microsoft para que elas definam ações de combate à desinformação.

Em meio a essa medida, é fundamental que as plataformas se responsabilizem, de alguma forma, pelo conteúdo que é difundido por meio delas. O fato de elas não serem as produtoras daquilo que é gerado não pode ser um álibi, que resulte em sua isenção. Sem a disponibilidade da plataforma, a desinformação não teria um canal de disseminação. Em seguida, houve a polêmica proibição do X no Brasil.

A desinformação em saúde também aflige os Estados Unidos. Reportagem publicada no The New York Times pela repórter Dani Blum, ouviu especialistas que comentam o quão complexo e difícil é o exercício de identificar aquilo que é desinformação médica. "Tudo está mudando muito rápido e é ainda mais difícil para uma pessoa comum filtrar", disse Anish Agarwal, médico de emergência na Filadélfia. "Estamos entendendo melhor que não se trata apenas de um fluxo envenenado de informações que as pessoas recebem, mas de um ciclo de feedback em que perdemos a confiança e temos desinformação, e a desinformação pode levar à perda de confiança", disse Tara Kirk, pesquisador sênior do Johns Hopkins.

Sem regulamentação, a informação de saúde não calcada em ciência se espalha amplamente nas mídias sociais e, com isso, viralizam as teorias da conspiração que ajudaram a alimentar a hesitação em vacinar na pandemia de Covid-19, por exemplo. E, para complicar, a inteligência artificial, que se utiliza de informações já disponíveis para gerar um conteúdo solicitado, não seleciona a informação por sua qualidade, mas sim por sua visibilidade, alcance ou posicionamento no Google. Diante disso, cabe ao público saber filtrar aquilo que é informação checada, embasada, de qualidade. Dentre as estratégias, fugir daquilo que se mostra milagroso, alarmista, evasivo ou com aspectos de teoria da conspiração.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

José de Moura Leite Netto não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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