"Se Bolsonaro acha que o Brasil está sob ataque terrorista, o que ele está fazendo fora do país?", questiona Greenpeace
Em meio à crise de vazamento de óleo na costa brasileira, Marcio Astrini, Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, reage a críticas do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à organização internacional e analisa os desafios para a limpeza do óleo do litoral.
Alvo do governo durante a atual crise de vazamento de óleo na costa brasileira, a ONG Greenpeace está reagindo.
A organização pretende processar o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que insinuou que uma embarcação da ONG estaria ligada de alguma forma ao derramamento de petróleo.
No Twitter, Salles publicou uma foto do navio Esperanza, usado pela ONG, com um comentário que sugere vínculo dela com a onda de contaminação nas praias.
O presidente Jair Bolsonaro, que está na China, reforçou a associação em conversa com jornalistas na noite de quinta-feira (24).
Bolsonaro usou o termo "terrorismo" e criticou enfaticamente a organização internacional.
"Para mim isso é um ato terrorista. Para mim, esse Greenpeace só nos atrapalha", afirmou.
Em conversa com a BBC News Brasil, Marcio Astrini, Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, disse não ter certeza sobre se o presidente de fato se referia à organização quando falou em terrorismo, mas questionou: "Se Bolsonaro acha que o Brasil está sob ataque terrorista, o que ele está fazendo fora do país?"
Astrini critica a postura do ministro. "Quem deveria estar olhando pelos voluntários está no Twitter brincando de caluniar os outros. O que precisa de resposta no Brasil vai ficar sem resposta", diz ele.
Diz ainda que a coordenação da remoção do óleo não deve ser feita pela população em geral e nem por ONGs, como o Greenpeace, mas pelo governo.
"Estamos junto com a população ajudando no trabalho de limpeza. Mas a coordenação dos esforços desses voluntários deveria ser feito pelo governo (...) A não organização dessa atividade por parte das autoridades pode provocar outros problemas, como para a saúde da população."
Para ele, a ONG está sendo atacada pelo ministro porque "o governo tem essa postura com todos que dizem a verdade".
Astrini nega que o navio citado pelo ministro tenha qualquer relação com o vazamento. "Quando ele passou (pelo Brasil) já havia esse problema."
Diz ainda que não é possível estimar as consequências do vazamento sem saber sua origem, algo em que a Marinha está empenhada, segundo ele.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Como reagiram às insinuações de que a ONG teria vazado o óleo?
Marcio Astrini - Com indignação e tristeza. Você acaba ficando indignado com o nível baixo a que o ministro chega. A tristeza é porque ele ocupa um cargo importante. Tem pessoas agora mesmo recolhendo óleo na praia. Essas pessoas ficam abandonadas. Quem deveria estar olhando por elas está no Twitter brincando de caluniar os outros. O que precisa de resposta no Brasil vai ficar sem resposta. A autoridade que deveria fazer isso está preocupada em brincar no Twitter.
BBC News Brasil - Bolsonaro disse que o Greenpeace só atrapalha. Como vê esse comentário?
Astrini - Pela primeira vez terei que concordar com o presidente. De fato a gente só atrapalha as pretensões do governo dele, um governo que investe no desmatamento, bate recordes de liberação de agrotóxico, não dá resposta para o problema de vazamento de óleo. Nós temos uma linha contrária a tudo isso. Estamos em lados opostos. Incomodamos com bastante orgulho.
BBC News Brasil - O presidente chegou a usar o termo 'terrorismo'. Como interpreta isso?
Astrini - Não sei se ele chamou o Greenpeace de terrorista. Entendi que ele acha que atrapalhamos o governo dele, o que é verdade.
Com relação ao terrorismo, não sei. Se ele acha que há terrorismo, isso é muito grave e ele precisa se explicar. Se ele acha que o Brasil está sob ataque terrorista, o que ele está fazendo fora do país?
BBC News Brasil - Por que acha que o Greenpeace se tornou alvo nesse episódio?
Astrini - O governo tem essa postura com todos que dizem a verdade e expõem o governo a notícias que eles não querem enfrentar. O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo (o físico Ricardo Magnus Osório Galvão foi demitido em agosto). Tem essa recorrência. Quando alguém expõe algo que ele não gosta, ataca. Alguns eles podem demitir. No nosso caso, não pode tomar nenhuma medida dentro da democracia. O Greenpeace não pega dinheiro do governo, só de pessoas físicas.
Fizemos várias denúncias durante as queimadas, Brumadinho, agrotóxicos… Mesmo durante a campanha eleitoral fomos muito críticos porque as propostas dele já eram muito ruins do ponto de vista ambiental — era uma plataforma antiambiental. Há uma diferença de princípios. Trabalhamos pelo meio ambiente e o governo não tem interesse nisso.
BBC News Brasil - Acha que houve algum motivo específico para essas insinuações?
Astrini - Na viagem do ministro Salles à Europa (ele visitou alguns países com a intenção de melhorar a imagem da política ambiental do Brasil no exterior), resolvemos fazer uma encadernação para restabelecer a verdade sobre várias coisas que ele vinha dizendo. Talvez isso tenha incomodado o ministro e ele quis reagir com essas declarações. Mas volto ao que disse: o governo parece não conseguir conviver com críticas e com a exposição da verdade.
BBC News Brasil - Qual foi a atitude do Greenpeace nesse caso específico? Vocês vêm atuando com voluntários na limpeza das praias com óleo?
Astrini - Temos vários grupos de voluntários nas regiões afetadas. Eles estão atuando às vezes de forma coordenada e às vezes de forma espontânea — acabaram ajudando na ação. A gente se preocupa com a proteção dessas pessoas. Estamos sempre procurando essas comunidades que se organizam para saber como podemos ajudar. Estamos fazendo o mesmo que a população, nos juntando a ela. Isso já é um sintoma. Quem deveria estar organizando isso é o governo.
Estamos junto com a população ajudando no trabalho de limpeza. Mas a coordenação dos esforços desses voluntários deveria ser feito pelo governo, mesmo porque há riscos à saúde das pessoas.
BBC News Brasil - Qual deve ser o papel do Greenpeace e organizações similares em casos assim?
Astrini - Varia de acordo com a capacidade de cada organização. O Greenpeace pode ajudar as autoridades quando elas têm um plano de ação. Quando não há essa organização, nos juntamos à comunidade. Podemos fazer doação e aluguel de equipamentos mais pesados para auxiliar na limpeza da área, pesquisa com as autoridades para detectar contaminação e também fazer o trabalho braçal de ajudar na limpeza.
BBC News Brasil - No caso, estão fazendo só a última parte, certo?
Astrini - Sim, é o que podemos fazer.
BBC News Brasil - Como era a interação com governos interiores?
Astrini - Colaboramos com todos os governos das últimas décadas — de Fernando Henrique Cardoso a Temer.
BBC News Brasil - O Greenpeace anunciou que vai processar Salles. Isso realmente vai ser feito?
Astrini - Sim, isso já foi decidido. Vamos processá-los pelas declarações que tem dado.
BBC News Brasil - Que tipo de processo? Quando vão entrar com o processo?
Astrini - Não sabemos o formato, isso está sendo analisado por advogados, mas esperamos essa análise legal nos próximos dias para dar ingresso ao processo.
BBC News Brasil - O que é o navio do Greenpeace ao qual o ministro se referia? O que ele faz e onde estava nos últimos meses?
Astrini - É um navio de pesquisa que leva 40 tripulantes. É uma campanha para pesquisar e verificar problemas ambientais ligados aos oceanos e ao aquecimento global. Ele chegou na Guiana em agosto, ficou o mês de setembro lá, saiu de lá nos primeiros dias de outubro, deve ter entrado em águas brasileiras, de livre tráfego, e depois foi para o Uruguai. Ele passou longe da costa brasileira em outubro, quando fazia muito tempo do vazamento (iniciado). Quando o navio passou já havia esse problema.
Uma coisa importante é que ele é um navio híbrido — elétrico e a combustível. Navega 90% no modo elétrico, carrega pouquíssimo combustível, não teria como provocar aquele volume.
BBC News Brasil - O que o governo deveria ter feito?
Astrini - Existe um plano emergencial que prevê passo a passo como agir, quais áreas devem ser envolvidas. É um plano bem estruturado. É feito para você mitigar impactos. O governo demorou 41 dias para acionar esse plano.
É uma situação triste porque quem sofre com isso não é o ministro.
BBC News Brasil - Qual pode ser o tamanho do dano?
Astrini - Não tem como saber. Não sabemos quando ele vai parar de emergir na costa, qual é o volume de derramamento, sua extensão, isso porque não há detecção de origem do vazamento. Só sabemos que há um prejuízo enorme, um prejuízo para a vida marinha e os berçários, como manguezais e recifes. Do ponto de vista populacional, há prejuízo econômico. Tem áreas que vivem do pescado. Tem também o prejuízo para a saúde das pessoas, que estão se intoxicando com o óleo.
BBC News Brasil - O que pode ser feito agora que o óleo já chegou na praia?
Astrini - A coleta está sendo feita de forma desordenada. A não organização dessa atividade por parte das autoridades pode provocar outros problemas, como para a saúde da população. Não é que as pessoas precisam ser retiradas da praia, mas precisam fazer isso com segurança. Isso está acontecendo de forma esporádica, depende do lugar. Não tem um órgão central organizando isso e doando material.
Outro ponto é descobrir a origem desse óleo. A Marinha está se dedicando a isso. Essa investigação é necessária para descobrir se é possível estancar [o vazamento]. Se você não sabe a origem, não consegue evitar que a tragédia fique pior.