Segunda instância: saiba quem pressiona o julgamento do STF
Parlamentares, juízes, promotores e movimentos da sociedade civil têm interesse na decisão que pode mudar a execução antecipada de pena
Nesta quinta-feira (7) o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento que pode mudar o atual entendimento em relação à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Desde 2016, a Corte permite a execução antecipada de pena. Com a tendência de empate em 5 a 5, o voto decisivo deve ficar a cargo do presidente da Corte, Dias Toffoli. Diante desse cenário, o ministro vem sofrendo pressões internas e externas de entidades, associações e parlamentares sobre o tema.
Na terça-feira (5), 41 senadores de 14 partidos assinaram uma carta pedindo a Toffoli que mantenha a prisão em segunda instância como está. O movimento Vem Pra Rua publicou anúncios em jornais pedindo que o Supremo vote a favor da manutenção da prisão de condenados no segundo grau de jurisdição.
Como forma de amenizar um dos efeitos possíveis caso o Supremo passe a não permitir a prisão em segunda instância, Toffoli encaminhou ao Congresso Nacional na última semana uma proposta para alterar o Código Penal a fim impedir que casos parados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF sejam prescritos.
O objetivo é interromper o prazo de prescrição após condenação em segunda instância, enquanto ainda tramitam recursos em tribunais superiores. A possibilidade de que boa parte dos casos sejam prescritos até que se esgotem todos os recursos é uma das principais críticas dos defensores da atual jurisprudência do STF, que permite a prisão de condenados já na segunda instância.
Veja a seguir quais são os atores políticos que fazem pressão sobre o julgamento:
Senadores
Na terça-feira, mais da metade dos senadores da Casa assinou uma carta em que pedem a Toffoli que vote pela manutenção do atual entendimento, que permite a execução antecipada da pena após a condenação em segunda instância. A carta também foi entregue ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
"Exigir trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição para então autorizar prisão do condenado contraria a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira perante a população e instituições nacionais e estrangeiras, a exemplo das preocupações manifestadas por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lei deve valer para todos e, após a segunda instância, não mais se discute a materialidade do fato, nem existe mais produção de provas", diz um trecho do documento.
Deputados
Depois do pedido do grupo de senadores, deputados também começaram a organizar uma petição que, segundo o deputado Capitão Augusto (PL-SP), que encabeça o documento, já conta com 70 assinaturas até a manhã desta quarta-feira (6). "Mas tem muitos deputados pedindo para assinar. Acredito que vá passar de 150", afirmou Augusto, que é relator do pacote anticrime na Câmara e presidente da Comissão de Segurança Pública da Casa.
Família Bolsonaro
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, não assinou a carta dos senadores a Toffoli, mas gravou um vídeo em suas redes sociais em que manifesta sua posição a favor da prisão em segunda instância. No dia 17 de outubro, quando o STF começou a discussão do tema, a conta oficial de Jair Bolsonaro no Twitter publicou uma mensagem a favor da execução antecipada, mas foi apagada posteriormente. O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), na sequência, assumiu a autoria da postagem e pediu desculpa, dizendo que havia postado a mensagem sem o aval de seu pai.
Vem Pra Rua
A pressão também vem de grupos da sociedade civil. O movimento Vem Pra Rua colocou anúncios em jornais nesta quarta-feira em que faz um apelo para que Toffoli vote a favor da manutenção da prisão de condenados no segundo grau de jurisdição. "Não aceitaremos qualquer retrocesso no combate à corrupção. Não queremos protelações nem facilitações para criminosos, sejam eles de colarinho branco sejam criminosos comuns", diz o anúncio, que ainda convoca uma manifestação para o sábado (9) pela prisão em segunda instância.
Lava Jato
Tendo a prisão em segunda instância como um dos seus pilares, procuradores da Operação Lava Jato também pressionam o STF para que não mude o atual entendimento. Em nota, procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba manifestaram preocupação com o julgamento. Segundo a força-tarefa, 38 condenados da operação podem ser diretamente beneficiados caso o Supremo passe a prever a prisão somente após o trânsito em julgado.
Promotores
Promotores "linha-dura" também pressionam os ministros às vésperas da retomada do julgamento e afirmam que o fim da medida, em vigor desde 2016, pode "consagrar o caos e a impunidade". "A possível mudança de entendimento do STF sobre a prisão após condenação em 2ª instância implicará a soltura de milhares de condenados, seja por corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio", afirmou em comunicado o MP Pró-Sociedade, que abriga promotores e procuradores de linha conservadora.
Juízes
Outra categoria que se manifestou foi a dos juízes criminais, que marcou posição também a favor da prisão em segunda instância. Segundo o Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc), a execução antecipada de pena não fere a Constituição, como próprio Supremo definiu em 2016.
"Caso esta decisão do plenário do STF seja revertida, o Brasil será o único país de todos os Estados-membros das Nações Unidas (ONU) a não permitir a prisão após condenação em primeira ou segunda instância, acarretando graves consequências para a sociedade brasileira", afirma em nota a entidade, que reúne magistrados estaduais, federais e militares. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) também já se manifestou em diversas ocasiões ser favorável ao cumprimento antecipado de pena.
OAB e advogados
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se posiciona a favor da prisão apenas após todos os recursos esgotados - o trânsito em julgado. A entidade é autora de uma das ações que pedem a revisão do atual entendimento do STF sobre a prisão em segunda instância. O representante da OAB Juliano Breda falou no plenário da Corte no primeiro dia do julgamento.
"O entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil é no sentido de reafirmação da Constituição da República, é no sentido da reafirmação da independência e da liberdade do Poder Legislativo. Entende a Ordem dos Advogados do Brasil que, em nome da força normativa da Constituição, em nome da afirmação histórica das garantias individuais, a ação deve ser declarada procedente", disse Breda. Inúmeras associações de advogados, como a Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim), também se manifestaram contra a prisão em segunda instância.
Sérgio Moro
Apresentado há oito meses e ainda em tramitação no Senado, o pacote anticrime de Sérgio Moro também depende do entendimento do STF, pelo menos em sua forma atual. Na última semana, o ministro da Justiça e da Segurança Pública afirmou que aguarda o julgamento do Supremo para decidir se retira ou não o ponto relativo à prisão em segunda instância. "Talvez fique prejudicado, talvez não", ponderou.
PGR e AGU
Durante sua sustentação oral no Supremo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, posicionou-se favorável à prisão em segunda instância, afirmando que a possibilidade de execução antecipada da pena era "uma forma de o Estado defender não só as garantias dos condenados, mas também os direitos das vítimas". Nesta terça, 5, ele também elogiou a articulação de 42 senadores que assinaram uma carta aberta apoiando a mesma posição, e classificou o texto como um "divisor de águas" no entendimento do STF.
Na mesma sessão em que Aras afirmou seu posicionamento, o advogado-geral da União, André Mendonça, corroborou com o posicionamento do PGR e do governo de Jair Bolsonaro, como favorável à prisão em segunda instância. Evangélico, Mendonça é cotado para ser indicado pelo presidente da República a uma vaga no STF. "Que Deus abençoe o nosso País", disse ao final da sua sustentação oral.
Redes sociais e militância digital bolsonarista
Outra pressão exercida sobre Toffoli e o juízes do Supremo vem das redes sociais, onde hashtags favoráveis ao posicionamento do governo têm atingido o topo dos assuntos mais comentados a cada sessão. De frases contra a possível soltura do ex-presidente a Lula a ataques organizadas especificamente contra ministros, como foi o caso de Rosa Weber, a militância digital tem se organizado sobre o tem.
Militares
O voto de Rosa também gerou descontentamento entre o Alto-Comando Militar, como antecipou a Coluna do Estadão. Nos bastidores, generais têm se posicionado contrários a um novo entendimento pelo STF, por acreditarem que isso levaria à liberação de Lula e, consequentemente, a uma "reorganização da esquerda", influenciada pelos movimentos sociais de países vizinhos.