Síndrome do Impostor Racial: o choque entre a forma como você se vê e o jeito como te enxergam
Arden Yum, uma estudante da de Nova York, diz que filhos de imigrantes que fazem parte de minorias étnicas podem não se identificar com a identidade racial com a qual nasceram e começar a duvidar de si próprios.
Em dezembro, Hilaria Baldwin, mulher do ator Alec Baldwin, foi amplamente ridicularizada por parecer fingir ser espanhola. A estudante coreana-americana Arden Yum diz que, como Hilaria, pessoas que fazem parte de minorias étnicas também podem se identificar com uma cultura diferente. Mas há diferenças cruciais.
Há um vídeo que a mostra tendo dificuldade para lembrar a palavra em inglês para pepino. Ela tem um sotaque mediterrâneo e chama seus filhos de "os Baldwinitos". Além disso, seu marido, Alec Baldwin, disse ao apresentador David Letterman: "Minha mulher é da Espanha". Portanto, compreensivelmente, muitos acreditavam que Hilaria Baldwin era espanhola.
Acontece que Hilaria nasceu Hillary Hayward-Thomas. Ela cresceu e foi para a escola em Massachusetts, nos Estados Unidos, e cursou a universidade em Nova York. Seus pais gostavam de passar férias na Espanha e se aposentaram lá quando ela tinha quase 20 anos.
Houve um momento em dezembro em que Hilaria se tornou um dos principais tópicos de conversa — e piadas — nas redes sociais. A comediante Amy Schumer chamou o episódio de "insano e divertido", acrescentando: "Você não pode simplesmente fingir que é da Espanha".
A atriz Salma Hayek, que interpretou a namorada de Alec Baldwin em na série 30 Rock, foi mais simpática. "Todos nós mentimos um pouco", disse ela. Embora Hayek seja mexicana, os ancestrais de sua mãe eram espanhóis, ela ressaltou, acrescentando que Hilaria foi "inteligente em querer ser espanhola — somos legais".
Defendendo-se em sua página do Instagram, Hilaria disse: "Nós celebramos as duas culturas em nossa casa. Alec e eu estamos criando nossos filhos bilíngues, assim como eu fui criada. Isso é muito importante para mim. Eu entendo que minha história é um pouco diferente , mas é minha e tenho orgulho dela".
Ela disse ao jornal americano The New York Times que sua identidade era pessoal: "Quem pode dizer o que você tem permissão para absorver e não absorver enquanto cresce?".
À primeira vista, ela poderia estar descrevendo algo sobre o que meus amigos e eu falamos com frequência: a síndrome do impostor racial.
Isso ocorre quando seu senso interno de identidade não corresponde à percepção dos outros sobre sua identidade racial e dá origem a um sentimento de dúvida sobre si mesmo. Geralmente, é algo vivenciado por pessoas como eu, que vivem em países onde somos uma minoria étnica.
Meus pais são coreano-americanos e nasci na cidade de Nova York em 2002.
Meu irmão mais novo e eu crescemos nas ruas movimentadas e movimentadas de Manhattan. Tivemos a sorte de viver a infância nesta cidade cheia de pessoas de todas as origens e etnias.
Algumas áreas são mais diversas do que outras. O Upper West Side, localizado entre o rio Hudson e o Central Park, é tranquilo, residencial e rico. Também é 68% branco. Quando você imagina programas de TV glamorosos como Gossip Girl e Sex and the City, eles geralmente se passam no Upper West ou Upper East Side.
Eu estudo em uma escola predominantemente branca, onde a maioria dos alunos são ricos e privilegiados. Quando eu era mais jovem, muitas vezes ficava na defensiva quando meus amigos faziam perguntas sobre os pratos coreanos que eu comia ou os programas coreanos que eu via. Eles não estavam sendo insensíveis, mas eu não queria que minha descendência asiática minasse a identidade que apresentava na escola.
A representação de asiáticos na mídia americana recicla um punhado de clichês. Eu via a Mulan, uma princesa guerreira da Disney, mas não conseguia me identificar com sua ferocidade. E também havia o personagem do garoto asiático genérico das séries cujo único propósito era ser um nerd tímido sem qualquer outro enredo.
Na escola, as pessoas muitas vezes achavam que eu me encaixaria no estereótipo da garota asiática tímida, e isso se tornou uma profecia.
Eu tinha medo de levantar a mão nas discussões em classe ou de falar com os novos colegas, e minha autoconfiança despencou. Ficava em silêncio. Achava que tinha que me conter e parecer ser branca para me encaixar. Queria apagar todas as minhas características asiáticas.
Embora eu não fosse branca, também não era considerada totalmente coreana. Eu estava preso num limbo. Na sétima série, um amigo meu sino-americano costumava me chamar de banana: branca por dentro, amarela por fora.
Eu me sentia uma impostora. Na época, nunca tinha estado na Coreia do Sul e não conseguia falar mais do que cinco palavras em coreano.
Eu estava constantemente questionando minha identidade, duvidando que pertencia a qualquer um dos grupos raciais.
Mas, quando fiz 15 anos, tudo mudou. Minha família se mudou para Hong Kong por um ano por causa do trabalho de minha mãe com uma galeria de arte. Em minha nova cidade, eu estudava em uma escola internacional. Estava totalmente imerso em uma comunidade com outros asiáticos pela primeira vez. Havia pessoas da China, Cingapura, Taiwan e Coreia do Sul na minha série. Mesmo tendo crescido nos Estados Unidos, não parecia nem me sentia mais uma estranha.
Na hora do almoço, meus amigos e eu sentávamos em uma escada na frente da nossa escola e pegávamos nossas caixas com comida asiática caseira, que comíamos com pauzinhos coloridos. Pela primeira vez, eu não estava desvendando cuidadosamente as conotações raciais de cada interação. Fomos à praia no lado sul de Hong Kong, saímos para comer dim sum e ouvimos bandas locais.
Memórias de Hong Kong se repetiram em minha cabeça quando voltei para Nova York e decidi criar o The Peahce Project, uma plataforma para vozes asiáticas na forma de entrevistas, arte, redação e podcasts. Quando a quarentena começou em março de 2020, nossa página do Instagram começou a ter muito mais engajamento, e um tópico que conectou nosso público foi a síndrome do impostor racial.
Muitas pessoas com pais imigrantes parecem se identificar com o conceito de sentir que sua identidade interna está em conflito com o que os outros percebem que são.
Os EUA têm uma longa história de atribuição de identidade, muitas vezes fazendo com que as pessoas de cor se questionem. Um bom exemplo disso é a introdução do "quantum de sangue" para as tribos indígenas americanas.
"O quantum de sangue é um sistema de cálculo de sangue introduzido pelo governo federal no início do século 19 como meio de restringir os direitos dos indígenas americanos", disse o advogado Brett Chapman, cujo pai Urso Em Pé, foi o primeiro indígena a conquistar direitos civis para sua tribo nos Estados Unidos.
A ideia do quantum de sangue foi então adotada pelos próprios indígenas. A tribo Miccosukee da Flórida, por exemplo, exige que alguém tenha 50% de sangue tribal para se qualificar como membro. Isso levou muitos a questionar sua identidade, diz Brett.
As crianças indígenas também foram separadas de suas tribos e forçadas a se assimilar aos americanos brancos e a adotar seus valores, acrescenta. "O que significava que a síndrome do impostor racial foi imposta a eles. As pessoas foram forçadas a mudar quem eram."
Talvez a identidade interna de Hilaria Baldwin esteja em conflito com a forma como os outros a percebem?
A identidade é fluida, e pessoas de qualquer raça podem sentir afinidade com uma cultura da qual não fazem parte. Mas sua experiência é claramente muito diferente da experiência de uma pessoa de cor nos Estados Unidos, ou de alguém que parece asiático, mas foi criado em Nova York.
Para mim, não é apropriado que um branco privilegiado adote a identidade de um hispânico nos EUA. Hilaria Baldwin evidentemente se identifica como espanhola em vez de mexicana, porto-riquenha ou cubana, mas a maioria dos falantes de espanhol nos EUA são desses lugares, ou da América Central — e de acordo com o Pew Research Center, mais da metade afirma ter sofrido discriminação. Uma pessoa branca que se passa por hispânica nunca precisa se preocupar com isso.
Muitos de nós não temos a brancura como rede de segurança.
A maneira de lidar com a síndrome do impostor racial é abrir mais espaços para contarmos nossas próprias histórias e compartilharmos nossas experiências.
Em relato a Megha Mohan, repórter de gênero e identidade da BBC.