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STF vê prisão de Queiroz como 'emboscada' dita por Bolsonaro

Presidente viu ao longo dos últimos dias uma série de determinações da Justiça que miraram apoiadores, parlamentares, empresários e até mesmo o seu núcleo próximo

19 jun 2020 - 17h26
(atualizado às 17h38)
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BRASÍLIA - Depois de intensificar a artilharia contra o Supremo Tribunal Federal (STF), ameaçar não obedecer decisões judiciais e falar na imposição de um "limite", o presidente Jair Bolsonaro viu ao longo dos últimos dias uma série de determinações da Justiça que miraram apoiadores, parlamentares, empresários e até mesmo o seu núcleo íntimo.

A "semana dos infernos", como está sendo chamada no Palácio do Planalto, começou com a prisão de extremistas do grupo "300 do Brasil", avançou com a quebra do sigilo bancário de 10 deputados e um senador bolsonaristas, prosseguiu com o aval do Supremo ao inquérito das fake news e culminou com a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz.

Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto
17/06/2020
REUTERS/Adriano Machado
Presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto 17/06/2020 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Queiroz foi detido em um imóvel de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no âmbito das investigações de um esquema de "rachadinha" no gabinete do filho do presidente da República na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O caso foi revelado pelo Estadão.

Ministros do STF e de tribunais superiores ouvidos reservadamente pela reportagem avaliam que o conjunto de decisões mostra que as instituições estão funcionando no País, apesar dos ataques estridentes e do discurso dúbio do chefe do Executivo. Na última quarta-feira, Bolsonaro citou o "povo" como escudo para blindar o seu governo, mas depois subiu o tom e comparou o que vem pela frente a uma "emboscada".

A verdadeira "emboscada", avaliam magistrados, pode ser a prisão de Queiroz, cujo desdobramento é considerado imprevisível. Uma das especulações nos bastidores é se o ex-assessor poderia aceitar um acordo de colaboração premiada, com potencial de incendiar a República, levar à cassação do mandato de Flávio e dinamitar o governo. Um magistrado, no entanto, aponta que a prática de "rachadinha" (recolhimento de parte do salário de assessores para devolvê-los ao político responsável pelo gabinete) é relativamente comum nas Casas legislativas, mas mesmo assim aposta que o episódio tem potencial para aprofundar o desgaste do clã Bolsonaro.

Estremecimento

As relações entre o Supremo e o Palácio do Planalto se deterioraram após o tribunal impor uma série de reveses ao governo, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem - amigo da família Bolsonaro - para a direção-geral da Polícia Federal e o entendimento do plenário da Corte que garantiu a prefeitos e governadores de todo o País autonomia para tomar medidas de isolamento social no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

Uma das últimas pontes que restam do Planalto com o STF é via Dias Toffoli, presidente da Corte. Segundo o Estadão apurou, Toffoli ficou incomodado com a falta de uma nota oficial de Bolsonaro em repúdio à escalada de manifestações contra a Corte, como os fogos de artifício disparados sobre o STF e as tochas carregadas na Praça dos Três Poderes pelo grupo bolsonarista "300 do Brasil", liderado pela extremista Sara Giromini, que acabou na cadeia por decisão de Alexandre de Moraes.

Enquanto Bolsonaro se silenciava sobre o assunto, a página oficial do STF divulgava com destaque a mensagem dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer rechaçando os ataques e prestando solidariedade ao tribunal.

O presidente da República acenou com uma trégua ao Supremo ao confirmar a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação (MEC), um gesto bem recebido pelo tribunal. Ministros avaliam que o desligamento de Weintraub ajuda a distensionar o fogo cruzado, mas criticam a demora de Bolsonaro em anunciar a troca na pasta. Weintraub deixou o tribunal perplexo ao chamar seus integrantes de "vagabundos" e falar em colocá-los na cadeia durante a reunião ministerial de 22 de abril.

"Se tivesse saído logo, o desgaste teria sido menor. A situação se arrastou muito, cada dia uma ladainha, é ruim", disse ao Estadão o ministro Marco Aurélio Mello, que chegou a pedir publicamente a demissão de Weintraub no mês passado.

Investigações. Em outro revés imposto para o governo, o STF decidiu nesta semana, por 9 a 1, manter Weintraub na mira das investigações que apuram ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. Em outro julgamento de placar elástico, o tribunal deu aval - por 10 a 1 - ao inquérito, que já fechou o cerco contra o chamado "gabinete do ódio", grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. A existência do grupo foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

Bolsonaro é alvo de inquérito que apura se houve interferência política na Polícia Federal, conforme acusação do ex-ministro Sérgio Moro ao deixar o governo. As suspeitas ressurgiram nesta semana depois de vir à tona que a PF se opôs à realização de uma operação contra bolsonaristas no inquérito que apura a realização de atos antidemocráticos. Em ofício encaminhado ao STF, a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro apontou que o cumprimento das ordens representaria um "risco desnecessário" à "estabilidade das instituições". A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o seu afastamento do caso.

Com tantas derrotas acumuladas na arena judicial, as atenções do governo se concentram agora no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tramitam oito ações que investigam a vitoriosa campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018. Quatro delas, mais delicadas, tratam de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp, e podem ser "turbinadas" com as provas coletadas no inquérito das fake news.

A avaliação nos bastidores é a de que, caso seja autorizado, o compartilhamento de informações pode dar um novo fôlego às investigações do TSE. O inferno de Bolsonaro ainda não acabou.

Estadão
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