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'Succession' termina em banho de sangue

Tudo mudou e nada mudou na terceira temporada

14 dez 2021 - 15h57
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*O texto a seguir tem spoilers sobre o episódio final da série da HBO

É até engraçado que as duas séries mais comentadas do ano tenham sido Ted Lasso e Succession. Pois as duas não poderiam ser mais diferentes. Ted Lasso, do Apple TV+, é uma série aspiracional, em que todas as pessoas são boas, mesmo que não pareça. O personagem do título é tão generoso e otimista que é capaz de transformar até a pessoa mais rabugenta ou amarga em alguém para quem torcer. Em Succession, da HBO, é quase impossível escolher alguém para torcer. Todos são egoístas, sem escrúpulos, ambiciosos. Muito de vez em quando, mostram alguma compaixão ou sentimento. Mas, em geral, logo passa.

É difícil, portanto, ser romântico e assistir a Succession. O criador da série, Jesse Armstrong, que claramente se inspira nas tragédias de Shakespeare - Rei Lear, Titus Andronicus, Macbeth -, sempre falou que tem sérias dúvidas se o ser humano é capaz de mudança. Ainda mais neste mundo em que vivemos, em que o dinheiro e o poder sempre prevalecem.

Nunca essa visão de mundo ficou tão clara quanto na terceira temporada, encerrada ontem. Quase nada parecia acontecer: Kendall (Jeremy Strong), como sempre, caía de cara no chão depois de mais uma vez afrontar seu pai, Logan (Brian Cox), dono de um império de mídia e entretenimento. Seus irmãos, Shiv (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin), disputavam a tapa a atenção do pai, um ser humano inescrutável, aparentemente invencível, a não ser, talvez, na disputa contra a idade, a saúde e a morte.

Mas os capítulos finais - e, principalmente, o último episódio, Todos os Sinos Dizem - mostraram que, na verdade, os anteriores foram construindo lentamente um cenário explosivo. Não como muitos espectadores esperavam, com a morte de Kendall, que caiu em depressão depois de levar mais uma na cara de Logan e parecia ter se afogado na piscina da villa na Toscana onde estava para o casamento da mãe. Essa seria uma saída muito fácil, e não é assim que Succession opera.

E, no entanto, quem poderia adivinhar que, no episódio derradeiro, Kendall ia admitir, entre lágrimas, que matou o garçom em um acidente de carro no casamento de Shiv, que uma aliança ia se formar entre os irmãos para enfrentar o pai, que resolveu vender a empresa sem falar com os filhos, e que os três iam ser traídos por Logan, pela mãe, Caroline (Harriet Walter, curiosamente a mãe de Rebecca em Ted Lasso), e por Tom (Matthew Macfadyen), o marido de Shiv? Se alguém imaginou isso, pode jogar na loteria que é vitória certa.

Succession fala de disputa de poder, claro. E muita gente liga para ver os Roy se ferrando alternadamente semana a semana. A série é também uma sátira e tem momentos "cringe" para dar e vender. Mas seu coração dramático está, na verdade, na disfunção familiar, no abuso, no trauma, na paternidade e maternidade tóxicas. Logan sofreu quando era jovem e, como tantas vítimas, perpetua o abuso, traumatizando seus próprios filhos. Kendall já tinha percebido isso fazia muito tempo. Shiv caiu em si ao longo da terceira temporada. Roman talvez ainda estivesse um pouco em dúvida - ele precisou de muitos empurrões dos irmãos para embarcar na tentativa de golpe.

Cada um ali lida com o trauma de forma distinta. Kendall se afunda nos vícios. Roman faz piada. Por isso faz sentido que, segundo o polêmico perfil de Jeremy Strong na revista The New Yorker, o ator tenha dito para Culkin temer que o espectador achasse estar vendo uma comédia. Porque Strong claramente está em uma tragédia. E Culkin, em uma comédia. Mas talvez agora Roman perceba também estar em uma tragédia.

A série parece seguir a máxima de O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: "Tudo deve mudar para que tudo continue como está". A terceira temporada foi assim: nada parecia estar mudando e, no entanto, tudo estava. Para, no fim, tudo continuar igual. Logan ainda está um passo à frente de seus filhos. Como eles vão lidar com mais essa traição, agora conjunta, é o assunto da próxima temporada, assim como o futuro da relação Shiv e Tom, que pode estar no topo agora, mas, é bom lembrar, não é exatamente da família. É de esperar mais alguns banhos de sangue.

Estadão
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