Suspensão de filme é ilegal, dizem três advogados ouvidos pelo Estadão
Um quarto profissional afirmou que decisão foi correta, porque obra teria extrapolado limites da liberdade de expressão
RIO — Advogados ouvidos pelo Estadão divergiram sobre a legalidade da determinação do Ministério da Justiça de retirar de plataformas de streaming o filme "Como se tornar o pior aluno da escola", por suposta apologia da pedofilia. Três dos especialistas consultados condenaram a decisão. Um quarto, porém, concordou com a providência anunciada na segunda-feira pelo ministro Anderson Torres.
O criminalista Franklin Gomes, mestre em Direito Penal e especialista em Processo Penal, afirma que o Ministério da Justiça não tem competência para impedir a circulação de uma obra artística.
"Não se trata de estar correta ou não a decisão do ministério", afirmou. "O Ministério não tem essa prerrogativa, não pode impedir a circulação de qualquer obra. Ele não tem o poder de determinar que essa ou aquela obra seja retirada de algum catálogo ou plataforma. O máximo que ele pode é recomendar a classificação etária."
Segundo Gomes, impedir a circulação ou determinar a retirada de uma obra não é parte dos poderes legais do Ministério da Justiça.
"É uma violação clara da liberdade de expressão, portanto é inconstitucional", disse. Dificilmente essa ordem será cumprida, em razão de sua clara inconstitucionalidade".
Gomes alterou também para a cena que motivou as críticas ao filme.
"Não podemos cair na armadilha de avaliar uma cena ou mesmo um filme inteiro sob a perspectiva que nós temos em razão do grupo ao qual pertencemos", afirmou. "As críticas que eu vi à cena tem um viés vinculado a um direcionamento político e religioso, que eu respeito, mas que não pode ser aplicado de forma geral a todas as pessoas."
Para a advogada criminalista Fernanda Tórtima, a cena que gerou a polêmica não configura apologia de pedofilia.
"Não vi o filme todo, mas essa cena não me parece capaz de gerar tanta reação, não constitui apologia de crime sexual nenhum", declarou. "Não é algo a ser imitado, é ficção. Se for assim, muitos filmes do (cineasta norte-americano Quentin) Tarantino também devem ser proibidos, pois seriam apologia ao homicídio e a outros crimes."
Para a advogada, a decisão do Ministério da Justiça foi um ato de "censura injustificada".
"Não há nenhum direito fundamental que tenha sido ferido ali e que justifique a medida", avalia.
O advogado criminalista e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Davi Tangerino também considerou censura a decisão do Ministério da Justiça.
"Está errada e a Justiça deve derrubá-la", previu. Ele considerou que não há apologia de pedofilia: "Apologia é estimular que determinadas condutas sejam praticadas. A cena, cujo humor é questionável, não elogia a pedofilia e sim ilustra como agem e se disfarçam os pedófilos."
Para o jurista Paulo Hamilton Siqueira Junior, porém, a decisão do Ministério da Justiça foi correta.
"A Constituição Federal garante uma série de direitos, entre eles a liberdade de expressa", disse. "Mas isso tem limitações, e creio que o filme extrapola esses limites. Então considero correta a decisão, embora seja uma medida extrema. Às vezes é preciso ir ao extremo para depois se chegar à medida mais adequada."