MG: guardas desmancham tapetes em homenagem a Marielle
Ato aconteceu durante as celebrações da Páscoa na cidade mineira; igreja e prefeitura defendem tradição
Guardas municipais desmancharam um tapete “devocional” à vereadora Marielle Franco em Ouro Preto e foram hostilizados por grupo autor da homenagem. Um vídeo publicado nas redes sociais mostra servidores públicos desfazendo - com os pés - as letras que lembravam a parlamentar do Rio de Janeiro e um morador da cidade, Igor Mendes, morto numa controversa operação policial em 2017. A Igreja pediu respeito à tradição e respeito à finalidade dos tapetes e um membro do grupo defendeu o posicionamento da instituição religiosa, mas considerou a atitude dos guardas ilegal.
As imagens foram divulgadas no perfil de uma organização não social que ajuda na criação de políticas públicas para comunidades. A Minha Ouro Preto publicou o vídeo no domingo de Páscoa e até esta quinta-feira (5) ele já havia sido visto mais de 62 mil vezes.
A publicação chama os guardas municipais de racistas, fascistas e reclama que, além de destruírem os tapetes, o trânsito local foi liberado, o que impossibilitou que a homenagem fosse refeita.
Veja o que o foi dito sobre a ação:
Maior evento de Turismo Religioso de Ouro Preto
O tumulto aconteceu durante em um dos maiores e mais esperados eventos na região. A tradição de se preparar tapetes com serragens coloridas tem sua origem, segundo a Igreja, em 1733 e tem como direcionamento “única e exclusivamente o Santíssimo Sacramento”. A longa tradição impõe, portanto, que “apenas símbolos cristãos” e que “evocam a piedade religiosa e as devoções do povo” devam ser retratados nos tapetes devocionais.
O diretor de imprensa e ouvidor da Prefeitura de Ouro Preto, Daniel Palazzi, conversou com a reportagem e explicou que esse não foi o único caso de tapete desmanchado durante as celebrações da Páscoa na cidade.
Em 2017, conforme explicou o servidor, alguns tapetes foram feitos com palavras de ordem contra o presidente Michel Temer e que essas manifestações acenderam o sinal de alerta das organizadoras do evento. A orientação foi necessária porque se temia que o foco deixasse a religião e passasse para o campo da política.
“Desde o ano passado foram registrados casos semelhantes e a orientação é a de que os servidores mantenham o objetivo do evento, de acordo com maior organizadora, que é a Igreja”, afirma Daniel.
Ele avaliou que o vídeo em questão tem apenas um “recorte” da situação geral e defendeu a ação dos servidores. A recomendação da Igreja e da Prefeitura Municipal era de que os autores de obras que estivessem fora dos padrões fossem orientados sobre o foco das festividades.
Sobre o possível “excesso” dos agentes, o diretor de imprensa da Prefeitura justificou: “Ele não encosta em ninguém e é o tempo todo hostilizado por um grupo muito maior de pessoas. Acreditamos que foi filmado apenas o desfecho da situação e de uma maneira que tentasse mostrar algo que não aconteceu realmente”, conclui Daniel.
A reportagem perguntou a Arquidiocese de Mariana, da qual fazem parte as Paróquias de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Pilar, como o caso foi analisado pela Igreja, a qual se posicionou por meio de nota:
Os tapetes confeccionados para o Domingo de Páscoa e para a Festa de Corpus Christi são de grande tradição em nossa cidade de Ouro Preto e, segundo alguns historiadores, remontam à Festa do Triunfo Eucarístico de 177 e são chamados tapetes devocionais. Eles se direcionam, única e exclusivamente, para o Santíssimo Sacramento que é levado, solenemente em Procissão. Por isso os tapetes, nesta longa tradição, trazem símbolos cristãos e evocam a piedade religiosa e as devoções do povo.
Com o intuito de conservar este legado de fé e arte, em entendimento prévio entre as comunidades paroquiais da Conceição e do Pilar, responsáveis pela Semana Santa no núcleo histórico de Ouro Preto, juntamente com a Prefeitura Municipal de Ouro Preto e a Guarda Municipal, deliberamos para que se mantivesse esta tradição em respeito à finalidade primeira dos tapetes.
De tal modo que manifestações outras não fossem permitidas e, em situações que isso viesse a ocorrer, os que assim agissem fossem devidamente orientados para que o objetivo dos tapetes fosse contemplado e respeitado por todos.
Vivemos momentos de grande contestação política, econômica, social e cultural no país que, em seus reflexos, têm aberto feridas sociais e gerado divisões e dor em toda a população brasileira. Respeitamos a consciência de cada um e o direito de manifestar, contudo, entendendo que os tapetes, por sua motivação religiosa, são inapropriados para manifestações político-partidárias, ideológicas e de homenagens a pessoas.
Renovamos, como Igreja, nosso compromisso de fé com a vida, a dignidade do ser humano e a promoção do bem comum. Unimo-nos a tantos quantos choram a morte violenta de familiares e amigos. Elas trazem grande comoção e expressam um clamor nacional por vida, segurança, justiça e paz.
Denunciamos toda e qualquer violência, solidários com nossas orações e com os trabalhos eclesiais, largamente desenvolvidos em nossas comunidades, voltados para a superação da violência, o testemunho de que somos todos irmãos e irmãs e devemos disseminar a cultura da paz, da reconciliação, da justiça e do amor.
Com esta finalidade, iniciativas como a dos tapetes, nos faz direcionar o olhar, especialmente na Semana Santa, para o Cristo Crucificado-Ressuscitado que acolhe todas as nossas dores e motivações, não excluindo ninguém, conclamando- nos à conversão e à fraternidade, em vista de um mundo melhor onde todos tenham vida e vida em plenitude (Jó 10, 10).