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Coronavírus

TCU aponta omissões graves de Pazuello e sugere punição

Relator da ação sobre a conduta do Ministério da Saúde na crise sanitária diz que a pasta evitou assumir a liderança do combate à covid-19

15 abr 2021 - 01h31
(atualizado às 07h20)
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Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizaram nesta quarta-feira, 14, que devem punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e seus auxiliares por omissões na gestão da pandemia da covid-19. Relator da ação sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a crise sanitária, o ministro Benjamin Zymler disse que a pasta evitou assumir a liderança do combate ao novo coronavírus no País.

Segundo o relator, uma das ações da gestão de Pazuello foi mudar o plano de contingência do órgão na pandemia, com a finalidade de retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes. "Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades", afirmou Zymler.

Pazuello deixou o cargo de Ministro da Saúde após muita pressão
Pazuello deixou o cargo de Ministro da Saúde após muita pressão
Foto: Wallace Martins / Futura Press

O posicionamento do TCU sobre a conduta do ministério na crise pode ter desdobramentos cruciais para o governo, principalmente no contexto de uma CPI da Covid no Senado - o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que mandou a Casa instalar a comissão parlamentar. A CPI tem a missão de apurar a conduta da administração federal na pandemia.

O TCU é, por definição, um órgão de assessoria do Congresso. Foi da Corte de Contas que saiu, em 2015, o relatório final que recomendava a rejeição das contas do governo Dilma Rousseff de 2014. O julgamento das chamadas "pedaladas fiscais" foi a base para o impeachment da ex-presidente petista.

Na sessão desta quarta, Zymler sugeriu a abertura de processos para avaliar omissões da Saúde sobre estratégias de comunicação, testagem e distribuição de insumos e medicamentos. Para o relator, o ministério descumpriu determinações anteriores do TCU, as quais já apontavam a falta de planejamento em diversas áreas. Em análises deste tipo, o TCU pode aplicar multas, decretar a indisponibilidade dos bens e proibir o alvo da ação de exercer cargo em comissão ou função de confiança no serviço federal por até oito anos.

O ministro Bruno Dantas disse que a gestão do ministério "envergonha" e que já há argumentos para impor "condenações severas" a gestores da pasta. Segundo Dantas, as responsabilidades podem ser medidas "em números de mortos".

Em seu relatório, o TCU afirma que a ocorrência de uma série de problemas, como desabastecimento de medicamentos e oxigênio, perda de testes para diagnóstico e explosão de número de casos da doença, "se deveu, em muito, ao comportamento do Ministério da Saúde, que tem se esquivado de cumprir as determinações desta Corte de Contas, e que, ao verificar o abrandamento da pandemia no fim de 2020, não foi previdente e descreu da ocorrência da segunda onda, mesmo sabedor da ocorrência desse evento na Europa".

Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira pediram vista e o caso deve retornar à pauta em 30 dias. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao TCU, Oliveira é ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência do atual governo. Ele disse que concorda "no mérito" com o relatório, mas fez uma ressalva. "(Peço) Que o tribunal não extrapole suas funções, não faça desgastar uma relação que, por motivos alheios à nossa vontade, já está muito desgastada, que as instituições respeitem umas às outras", afirmou.

A área técnica do TCU já havia sugerido aos ministros que aprovassem a aplicação de multa a Pazuello, além do ex-secretário executivo da Saúde Elcio Franco, do atual secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da Saúde, Helio Angotti Neto, e do atual secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros. O tribunal pode aplicar multa de, no máximo, R$ 67,8 mil. Zymler, porém, optou por sugerir a abertura de processos separados que poderão resultar em sanções.

A reportagem questionou Pazuello e Elcio Franco sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. O Ministério da Saúde, onde atuam Helio Angotti Neto e Arnaldo Correia de Medeiros, também não havia se manifestado.

O que diz o relatório técnico do TCU

A sede do Tribunal de Contas da União (TCU), em Brasília
A sede do Tribunal de Contas da União (TCU), em Brasília
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado - 9/8/2019 / Estadão

O relatório técnico do tribunal indica uma série de medidas tomadas pelo Ministério da Saúde em relação ao Plano de Contingência Nacional. No entendimento do TCU, as mudanças tiveram o efeito prático de apenas reduzir as responsabilidades da pasta.

A área técnica do TCU afirma que a redução de responsabilidades pode ter comprometido a capacidade de monitorar estoques nacionais de insumos e medicamentos. Durante a pandemia, a Saúde demorou para agir e deixou faltar oxigênio e medicamentos para intubar pacientes em diversas regiões do País, além de insumos usados no processo de testagem da população.

O plano original previa, por exemplo, que o governo federal devia "garantir estoque estratégico de medicamentos para atendimento de casos suspeitos e confirmados para o vírus. Esse missão, porém, foi alterada para o papel de "apoiar nos processos de aquisição não programada de medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com covid-19, em articulação com as áreas técnicas demandantes".

O MS justificou que o financiamento da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS. Dessa forma, parte dos medicamentos é adquirida pelos Estados ou municípios, conforme pactuação e, por isso, caberia a cada ente a gestão de seus estoques.

O TCU, porém, apontou que, ao contrário do afirmado pelo ministério, a função de garantir estoque de medicamentos não se referia à responsabilidade de aquisição de todos os medicamentos, mas o monitoramento dos insumos essenciais e a aquisição, de forma a evitar desabastecimentos. "A alteração da ação, conforme realizada, tende a enfraquecer a gestão logística da pasta, atribuindo responsabilidade ao MS apenas para aquisições pontuais, não programadas, ou seja, sem planejamento, e levando ao abandono da função de controle do estoque, princípio essencial para fiscalização/monitoramento", conclui.

O tribunal aponta ainda as alterações realizadas em ações de assistência farmacêutica, que representaram uma redução no escopo das atividades de gestão logística do ministério.

Zymler também disse que o TCU irá acompanhar mais de perto os trabalhos da Fiocruz para produção de 100% da vacina de Oxford/AstraZeneca no País, o que deve ganhar corpo no segundo semestre. Hoje o laboratório público envasa os insumos que são enviados de fábrica na China. "Estamos um pouco preocupados com a Fiocruz. Ela tem diversas incumbências. Há percepção de que está estressada com diversas competências que lhe foram outorgadas na produção de vacinas e em outras ações de combate ao novo coronavírus", disse o relator das ações da Saúde na pandemia.

O ministro ainda apontou preocupação pela queda na cobertura vacinal de crianças abaixo de 1 ano. Ele atribuiu os números à dificuldade de circulação por causa da pandemia, mas ponderou que há impacto das informações falsas. "Temos de reconhecer que há movimentos antivacina. Vinculados, e isso não é uma brincadeira, a movimentos terraplanistas", disse ele.

O relator também apontou que falta planejamento da Saúde sobre o orçamento da pandemia. Ele ressaltou que nem sequer há discursos reservados em ação específica sobre a pandemia na proposta de lei orçamentária deste ano. "A chamada segunda onda, era anunciada e exigiam-se medidas adicionais de prevenção e preparo da estrutura de saúde. Não foi o que aconteceu, entretanto", escreveu Zymler, em seu voto.

O relator disse que o Brasil caminha a passos largos para chegar ao topo no ranking de mortos em relação à população. Ele ainda lembrou que, se fossem países, Amazonas e Rio de Janeiro teriam as maiores taxas de mortos por 100 mil habitantes do planeta.

A corte de contas chama a atenção para uma nota técnica da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, a qual chama a atenção para o fato de que não existe uma fórmula a ser seguida para o enfrentamento de pandemias em todo mundo, mas que os países com melhores resultados no controle da pandemia compartilham, ao menos, uma característica em comum: a adoção, de modo rápido possível, de medidas planejadas e coordenadas para o controle da disseminação do vírus, além da preparação do sistema de saúde para cuidar adequadamente das pessoas infectadas.

"Um bom planejamento é a base para uma ação coordenada e eficaz. Contudo, o que se vê, até o momento, é que o Ministério da Saúde tem atuado de forma reativa e não planejada. A SecexSaúde (Secretaria de Controle Externo da Saúde) está acompanhando as ações do Ministério da Saúde desde o mês de março de 2020 e nunca conseguiu acesso a planos ou documentos afins que identifiquem e formalizem de forma clara a estratégia de enfrentamento à crise e sua operacionalização pelo MS", afirma o relatório.

Veja abaixo os argumentos apontados pelo relator para pedir a abertura de processos três específicos sobre omissões da Saúde na pandemia.

1. Comunicação falha

Em seu relatório, Zymler aponta que o ministério descumpriu determinações de criar uma estratégia de comunicação que atinja toda a população brasileira para a divulgação de medidas farmacológicas de eficácia comprovada.

O ministro afirma que a Saúde gastou cerca de R$ 290 milhões em campanhas de comunicação na pandemia, mas R$ 88 milhões foram destinados a propagandas sobre o agronegócio e a retomada das atividades comerciais. Ele também cita reportagem do Estadão que revelou que o aplicativo TrateCov, da Saúde, indicava cloroquina até para um bebe recém-nascido com diarréia e náusea.

Para Zymler, a conduta do ministério pode caracterizar omissão e desvio de finalidade no uso de recursos para campanhas de comunicação, pois as peças serviram para informar sobre cuidados sérios contra a covid-19.

2. Falta de assistência farmacêutica

O relator também propôs um processo separado para avaliar omissões na definição de responsabilidades sobre monitoramento de estoques e distribuição de medicamentos e insumos.

O relator afirma que o tribunal já havia recomendado mudanças na gestão da Saúde em ações deste tipo, mas a pasta seguiu na direção contrária. Em vez de ampliar a sua liderança, o ministério mudou o plano de contingência para se isentar de responsabilidades como monitorar estoques nacionais de insumos para diagnóstico e medicamentos para a covid-19.

Segundo Zymler, a Saúde pode ter contrariado a lei de criação do SUS ao fugir de responsabilidades na pandemia. Ainda assim, o relator disse que a Saúde não feriu uma determinação anterior do tribunal, apenas interpretou à sua maneira. "É uma percepção diferencial do Ministério da Saúde acerca das determinações do tribunal e eventualmente do que a lei e regulamentos sugerem", disse Zymler.

3. Estratégia de testagem falha

Segundo o relator, a área técnica do TCU não encontrou qualquer organização na estratégia de testagem da população. "Surpreende que o Brasil tenha implantado como estratégia esperar que os cidadãos com sintomas procurem os serviços de saúde e realizem um teste de detecção da doença, sem estabelecer qualquer meta, ação ou objetivo de acordo com os resultados", afirma a área técnica do tribunal.

O tribunal cita estoque de testes prestes a vencer, revelado pelo Estadão, e afirma que com estes exames a Saúde poderia ter conduzido ampla estratégia de testagem. A área técnica do órgão disse ainda que a distribuição dos exames não obedece a nenhum critério.

Estadão
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