Facebook Papers: empresa será cobrada por transparência
Para pesquisadores, revelações podem contribuir para discussões regulatórias no Brasil
Nos últimos anos, o Brasil se tornou um terreno fértil para a propagação de discurso de ódio, desinformação e ataques à democracia no Facebook - é o que mostram documentos internos da empresa obtidos pelo Estadão. Para especialistas, as informações reveladas sobre o País já trazem reflexões que podem jogar luz sobre o debate regulatório de redes sociais.
Na visão de Jaqueline Trevisan Pigatto, pesquisadora da associação Data Privacy Brasil, os documentos mostram que o Facebook tem um discurso que difere da prática. "Zuckerberg foi até o Congresso americano (em 2018) e disse que a empresa estava investindo no combate à desinformação, quando, na verdade, esses novos arquivos mostram algo diferente", afirma.
"Essas revelações ajudam os pesquisadores, a sociedade e até os políticos a cobrarem uma transparência maior da empresa, que podem contribuir para discussões como o PL das Fake News, por exemplo", diz ela, em referência ao projeto de lei de 2020 que está em tramitação no Congresso brasileiro.
Pela quantidade de menções ao Brasil, o Facebook também parece estar atento à situação no País, diz Artur Pericles Monteiro, coordenador de pesquisa de liberdade de expressão do InternetLab. "Como o País é um mercado importante para a rede social, a empresa parece estar preocupada em preservar seu espaço por aqui", diz.
Para Monteiro, será necessário acompanhar se a companhia de Mark Zuckerberg modificará o desenho da plataforma no País para reagir aos problemas. "Houve uma clara mudança de estratégia no Facebook durante as eleições americanas de 2020 - a empresa chegou a desativar recomendações de grupos como medida temporária. Não sei se eles estão preparados para fazer isso em outros países, incluindo as eleições brasileiras de 2022", diz.
Jaqueline também aponta que um primeiro passo para mudar o cenário seria o Facebook se alinhar melhor ao Oversight Board, órgão independente criado pela empresa em 2020 para moderação de conteúdo. "Me parece que o Facebook não está utilizando o comitê o tanto quanto poderia. Isso precisa ser revisto, já que práticas de moderação de conteúdo são moldadas conforme as coisas acontecem e precisam de discussão".
A falta de transparência da empresa preocupa, afirma Bruna Santos, integrante da coalizão Direitos na Rede. "É problemático saber que a plataforma tem esse tipo de informação mas, ao mesmo tempo, a gente não conseguir ver muitos indícios da atuação deles. Eles também são um ator interessado em limitar a disseminação de discurso de ódio e outros assuntos dessa linha, então deveriam agir melhor".
E as informações deveriam ir além do Facebook, segundo Monteiro. "Seria muito importante ter também mais pesquisas sobre o WhatsApp. É um aplicativo que está na mira da regulação no País e que tem engajamento menor com a sociedade civil se comparado com o Facebook".