Com alta de golpes digitais, startups de segurança crescem 'na surdina'
'Security techs' ganham holofotes e atraem investimentos em 2021, mas preferem se manter invisíveis aos clientes
Tradicionalmente, as startups de segurança digital (ou security techs) operavam "na surdina", aplicando sua tecnologia em apps de bancos ou do e-commerce sem que clientes e consumidores percebessem. Em 2021, porém, elas ganharam holofotes: o ano foi marcado pelos megavazamentos de dados, aumento de ataques e golpes digitais e vigência plena da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que regulamenta como empresas e cidadãos devem tratar a privacidade nas plataformas digitais. O trabalho para evitar fraudes e golpes ganhou ainda mais peso.
Ao contrário do que se pode supor, o foco dessas empresas não são programas como antivírus ou software de monitoramento e varredura de máquinas. A nova geração de startups de segurança desenvolve tecnologias para atestar a veracidade de documentos em cadastros bancários ou comprovar identidade ao logar em sites e aplicativos - hoje, ter somente uma senha não é suficiente para evitar intrusos. Entre o que é oferecido estão tecnologias de reconhecimento facial e visão computacional que fazem a leitura de texto em imagens para analisar documentos e geolocalização.
"Conforme as pessoas e as empresas foram se acostumando a usar os serviços digitais, surgiram os desafios de segurança", explica ao Estadão Lincoln Ando, fundador e presidente executivo da IDWall. "Esse cenário exige maior preocupação com dados pessoais e táticas antifraude."
Fundada em 2016, a IDWall sentiu o salto, que também foi impulsionado pelo movimento de digitalização na pandemia: a receita da empresa cresceu 385% entre março de 2020 e setembro deste ano. Com seus serviços de reconhecimento facial e leitura de imagens de documentos (OCR) para empresas, a startup reduz o tempo de espera na abertura de contas de instituições financeiras e faz a checagem de antecedentes criminais de clientes de locadoras de automóveis.
Os investidores estão especialmente atentos a esse cenário, que está no radar dos fundos de venture capital. Em junho, a IDWall levantou uma rodada de US$ 38 milhões. No mês passado, a rival Unico, também focada em identificação digital, tornou-se o primeiro unicórnio (avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão) brasileiro do setor, em rodada que contou com a participação do conglomerado japonês SoftBank.
Acompanhando o setor, a gestora brasileira Bossanova anunciou a criação de um fundo de até R$ 5 milhões para financiar startups de segurança ainda em estágio inicial no Brasil. Ao todo, devem ser beneficiadas até dez startups de áreas como proteção de identidade, internet das coisas e alarmes.
Invisíveis
"Sabemos que o mercado está bem aquecido e, com a aceleração da transformação digital, o segmento de segurança se tornou um meio imprescindível para reduzir a incidência de vulnerabilidades", afirma em nota João Kepler, presidente executivo da Bossanova.
A principal característica dessas startups é que são "discretas", já que seus produtos são utilizados por milhares de pessoas diariamente nos serviços de outras empresas - o usuário final não costuma saber quem é o responsável por desenvolver a tecnologia ao tirar uma "selfie" com o RG em mãos para se cadastrar em uma fintech.
Mesmo crescendo, elas querem permanecer invisíveis. Essas empresas se dedicam a deixar a experiência do usuário o mais suave possível, sem engasgos - isso, muitas vezes, significa desaparecer aos olhos dos usuários. A ideia é evitar lembranças de um passado nem tão distante, no qual era necessário anotar senhas, gerar tokens únicos e ir a agências bancárias para usar certos serviços digitais de forma segura.
"A grande tendência da categoria é usar as capacidades de processamento gigantescas de celulares e computadores, com sensores e leitores de biometria, para entregar segurança sem deteriorar a experiência do usuário", observa André Ferraz, fundador e presidente executivo da Incognia, que utiliza dados de geolocalização para criar um perfil único dos usuários que tentam logar em serviços de bancos ou de comércio eletrônico.
Para o professor de inovação Gilberto Sarfati, da Fundação Getulio Vargas, o obstáculo dessas empresas é manter-se à frente de hackers, fraudadores e golpistas na corrida tecnológica - além dos próprios concorrentes do setor. "A tecnologia pode virar uma 'commodity' muito facilmente. O reconhecimento facial era algo único, mas hoje existem milhares de fornecedores diferentes", diz.
Confiança
Outro desafio dessas startups é "criar confiança". Ao usar essas soluções, o cliente (seja um usuário ou uma empresa) precisa acreditar na segurança do produto, que deve ter a proteção e a confiabilidade similar a de um documento firmado em cartório.
"A partir do momento em que você gera confiança, é possível viabilizar mais negócios, e não só bloquear aqueles clientes indesejados", conta Ando, da IDWall. Ele diz que, no Brasil, há muita desconfiança entre os cidadãos, o que torna diversas operações do cotidiano repletas de etapas, com papeladas e assinaturas. "O brasileiro preenche esse vazio de confiança com burocracia."
Para essas startups, o desafio é convencer o brasileiro a trocar o que já existe pelo que é novo - e o mantra é que a solução seja simples de usar.
"Precisamos sempre criar o caminho mais fácil e o mais seguro", diz Thiago Diogo, diretor de segurança da informação na Unico. "Precisamos unir praticidade à segurança."