Mundo pós-pandemia fortalece empresas como o Nubank, diz David Vélez
Ao completar sete anos em maio, fintech já é usada por cerca de 25 milhões de brasileiros; para executivo, isolamento social acelerou ainda mais a digitalização de empresas e serviços
A fintech brasileira Nubank segue crescendo em meio à pandemia do novo coronavírus: neste mês de maio, ao completar sete anos, a startup anuncia que tem cerca de 25 milhões de brasileiros como clientes de seus serviços financeiros - entre eles, a conta digital NuConta e o cartão de crédito roxo que lhe deu fama. Desde que adotou o trabalho remoto, no início de março, a empresa já contratou 178 funcionários, indo na contramão do mercado. E, na visão do presidente executivo David Vélez, o cenário de longo prazo é bom para a companhia.
"O isolamento social acelerou o movimento de digitalização, que já era acelerado. O mundo pós-pandemia vai fortalecer empresas como o Nubank, que são mais digitais, têm tecnologia, são ágeis e conseguem se adaptar rapidamente", disse o executivo em entrevista exclusiva ao Estadão, realizada nesta quinta-feira. Conhecida por não cobrar taxas de anuidade no cartão ou de manutenção para a conta bancária, a empresa afirma ter ajudado os clientes a economizar R$ 8 bilhões em tarifas nestes sete anos de história.
Segundo Vélez, uma das amostras das mudanças de comportamento em meio à pandemia é o crescimento de clientes do Nubank em faixas etárias mais elevadas - em abril, foram 30 mil novas contas de usuários acima dos 60 anos, bem como 300 contas abertas por pessoas acima de 90 anos. "O público mais velho é mais resistente a um banco 100% digital, mas quando não se pode tomar café com o gerente, a mudança acontece", afirmou.
Nesta sexta-feira, 29, o Nubank vai lançar uma nova ferramenta para seus usuários, permitindo doações diretas, via cartão de crédito. A princípio, quatro organizações serão parceiras da fintech, recebendo os donativos: o Hospital das Clínicas, a Ação da Cidadania, a Cruz Vermelha do Brasil e o Action Aid. Segundo Vélez, quando R$ 100 mil forem arrecadados para as instituições, o Nubank vai contribuir com R$ 100 mil para cada uma delas, num total de R$ 400 mil.
Ao Estadão, Vélez também falou sobre os planos da empresa para o futuro - em testes há algum tempo entre os clientes, a função de empréstimo pessoal deve demorar mais tempo para chegar a todos os usuários da conta digital da empresa. "Estamos num ambiente em que há mais risco para um produto de crédito como esse", afirma o executivo. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Como o Nubank recebeu essa crise?
A primeira reação foi um choque para os investidores. Tivemos um período de olhar nossa posição financeira com cuidado, até chegarmos à conclusão que estávamos bem preparados. Uma vez que a gente ficou confortável, começamos a pensar no que poderíamos oferecer para os clientes em meio à crise. É difícil saber se ainda serão três, seis ou nove meses até a crise passar. Mas sei que o mundo pós-pandemia vai fortalecer empresas como o Nubank, que são mais digitais, têm tecnologia, são ágeis e conseguem se adaptar rapidamente.
Muita gente fala que o período de isolamento social "acelerou a digitalização" do mundo. Como o sr. vê o tema?
O isolamento social acelerou o movimento de digitalização, que já era acelerado. A digitalização já vinha avançada e só aumentou com esse choque. No ano passado, nós crescemos de 6 milhões para 20 milhões de clientes, é um crescimento incrível. Mas havia fatias demográficas que ainda tinham fricção. Usuários mais velhos tinham dificuldade de confiar em um banco 100% digital, gostavam de tomar café na agência com o gerente. Nos últimos 60 dias, isso teve que mudar, porque não tem mais o café na agência com o gerente. Só em abril, vimos mais de 30 mil pessoas acima dos 60 anos abrindo uma conta no Nubank, um crescimento de 20% nessa faixa contra o ano anterior. Tivemos 300 contas abertas por usuários acima de 90 anos. É um passo importante. Em termos de penetração geográfica, hoje temos clientes em 100% dos municípios brasileiros. Acredito que é uma tendência que vai se espalhar por muitos setores, como saúde e educação.
Muitas empresas têm demitido profissionais em meio à pandemia, mas o Nubank tem contratado. O sr. falou recentemente sobre a dificuldade de recrutar talentos. Ficou mais fácil nesse cenário?
Nós continuamos contratando, foram 178 pessoas novas desde que entramos no regime de home office, no início de março. A maior parte delas, cerca de 90%, foi contratada aqui no Brasil, mas houve também casos na Índia e no Oriente Médio, nos EUA e em países da Europa. Temos muita gente trabalhando remotamente e o lado interessante disso é que, estando de casa, podemos contratar pessoas em qualquer lugar do mundo. Ainda estamos aprendendo a como fazer isso funcionar bem. Mas o foco continua no Brasil e ter mais talento disponível no mercado ajuda sim.
O Nubank tinha planos para 2020 que consideravam um cenário diferente do que temos agora - em janeiro, o sr. falou sobre empréstimo pessoal, por exemplo. Como esses planos mudaram?
Não sei se consigo dar muitos detalhes. Com certeza, a parte de crédito num ambiente como este se torna mais desafiadora. No nosso caso, o único Brasil que a gente conhece é um Brasil em recessão, nós crescemos muito entre 2013 e 2019. Estar nesse ambiente é um pouco de mais do mesmo, mas isso também cria mais risco na parte de crescimento de crédito. À parte isso, esperamos dar um bom salto na parte de produtos financeiros até o final do ano, seja na conta digital ou no cartão. Também vamos avançar na conta para pessoas jurídicas (PJ). Hoje, temos mais de 200 mil clientes na conta PJ - é um produto ainda restrito para microempreendedores e para quem já tem conta no Nubank como pessoa física. Quanto ao México, também estamos crescendo bem. É um país que também sofre bastante com a crise, mas estamos vendo uma reação positiva, lá o efeito de boca a boca que tivemos no Brasil está se repetindo.
O cenário de instabilidade política preocupa?
Desde o começo do Nubank, vivemos cenários tão turbulentos que aprendemos uma coisa: baixar a nossa cabeça e focar no que a gente pode controlar. É uma visão estóica. Não temos controle sobre o ambiente macro, mas temos sobre os nossos clientes, os produtos, o crescimento. Toda a turbulência acontece lá fora e a gente não perde muito tempo pensando nisso.
Há algumas semanas, o Sergio Furio, da Creditas, deu uma entrevista ao 'Estadão' e disse que ele não vê uma distinção clara entre bancos e fintechs daqui a alguns anos. Como o sr. vê o assunto?
Depende. Tem duas formas de trabalhar essa questão. Uma é pensar num banco em termos de produtos e de licenças regulatórias. Outra é cultural. Um pouco como Walmart e Amazon. Depois de dez anos, eu ainda não diria que o Walmart é uma empresa de tecnologia. Existe uma clara divisão entre um varejista offline que tem (presença) online e uma empresa de tecnologia. Assim como haverá bancos que serão fortes no digital, mas haverá empresas de tecnologia que são focadas nisso. Em termos de cultura, são empresas muito diferentes.