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Kodak: como a era digital se voltou contra um de seus criadores

21 jan 2012 - 07h50
(atualizado em 23/1/2012 às 12h00)
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A caça que se virou contra o caçador. O fim do momento Kodak. Ironias com a concordata da empresa criada por George Eastman em 1880 e registrada como marca em 1888 não faltaram na mídia internacional com a notícia dada na quinta-feira e que há tempos assombrava uma das maiores e mais antigas companhias do setor. O ponto crucial dessa história - que para muitos ganhou contornos de tragédia - é que foi a Kodak quem inventou a câmera fotográfica digital, símbolo dessa "era" que pôs um fim, ou quase, na importância dos filmes, seu principal filão.

Com quase 132 anos de história, companhia responsável pela invenção da câmera fotográfica pediu concordata
Com quase 132 anos de história, companhia responsável pela invenção da câmera fotográfica pediu concordata
Foto: AFP

A empresa que já foi responsável por vender 90% do filme utilizado nos Estados Unidos e desenvolveu um filme, o Kodachrome, tão amado por fotógrafos amadores e profissionais que Paul Simon escreveu uma canção a respeito, finalmente sucumbiu à revolução digital que deixou seus produtos obsoletos. Mesmo o Kodachrome, um slide e filme produzido por 74 anos, exaltado por sua nitidez, durabilidade e tons vibrantes, morreu em 2009. Ao longo dos seus anos, entretanto, ele foi um ícone da marca amarela e vermelha: foi usado para fazer filmes de Hollywood durante o século XX, incluíndo 80 ganhadores de Melhor Filme no Oscar, para gravar a coroação da rainha em 1953 e usado por Neil Armstrong para fazer close-ups na superfície lunar na missão Apollo 11.

Muito da veia criativa da Kodak foi herdada de Eastman, que tinha uma doença degenerativa e tirou sua própria vida em 1932, mas que durante décadas influenciou a Kodak e uma sucessão de inovações. Mas não pelos seus quase 132 anos. Para Nancy West, da Universidade de Missouri, citada pela Reuters, Eastman havia exercido tal influência sobre a empresa que quando ele morreu a Kodak rapidamente se transformou numa companhia ligada à nostalgia. "Nostalgia é adorável, mas ela não permite que as pessoas sigam em frente", disse ela, que já estudou a empresa a fundo.

A primeira câmera da Kodak data de 1900. Pouco mais de meio século depois, em 1975, eles criavam a primeira câmera digital, um protótipo do tamanho de uma torradeira que precisava de 23 segundos de exposição para produzir uma imagem de 0,01 megapixel em preto e branco.

"A Kodak foi a primeira empresa a criar a câmera digital, mas naquela época, a maioria de seus lucros vinha da vendas de produtos químicos utilizados nos filmes e eles tinham medo de investir em algo novo porque achavam que podia prejudicar o seu negócio tradicional", disse Olivier Laurent, editor de notícias do British Journal of Photography. "Quando eles perceberam, o mercado digital tinha chegado para ficar, ultrapassado o filme e todos os concorrentes da Kodak tinham câmeras digitais muito superiores. As câmeras Kodak nunca foram boas e a empresa perdeu a reputação conquistada com o 'momento Kodak'".

Em 1992, Don Strickland, ex-vice-presidente da Kodak, disse segundo o The Guardian que a empresa estava pronta para dar espaço em seu negócio para as câmeras digitais, mas que seus chefes vetaram a ideia com medo de uma "canibalização do filme". E para além dos concorrentes e suas câmeras digitais e da entrada tardia no mercado que ajudou a criar, a Kodak enfrentou nos últimos anos outro obstáculo com o qual outras fabricantes também estão tendo que lidar: os smartphones como câmeras cada vez melhores. Para Laurent, os telefones estão comendo o mercado de câmeras compactas. "Por que ter uma câmera compacta quando uma de 8 megapixels no iPhone é quase tão boa e ele está sempre lá no seu bolso?" Esse, como o próprio mercado de câmeras já sabe, é um obstáculo a ser ultrapassado nos próximos anos.

Do case de sucesso ao de fracasso

A Kodak bem que tentou se reinventar como fabricante de impressoras para capitalizar sobre a sua reputação como a melhor impressão de filme. Mas a tentativa resultou apenas no fechamento, desde 2003, de 13 fábricas, 130 laboratórios de processamento e no fim de 47 mil postos de trabalho. Suas dívidas ultrapassam US$ 6,8 bilhões. Em 1988, a Kodak comprou a Sterling por US$ 5,1 bilhões, conhecida por fazer os produtos de limpeza Lysol. Em 1994, a empresa separou seu braço químico, a Eastman Chemical Co, para ajudar a reduzir a dívida, posteriormente tendo que vendê-la. Em 2007, a Kodak se desfez da Onex, que fazia equipamentos de raios-X para hospitais e dentistas e embolsou US$ 2,35 bilhões, mas os analistas disseram que era um erro sair do negócio quando muitas pessoas estavam prestes a se aposentar e a procura de raios-X aumentaria. Ou seja, além da inovação, a Kodak foi prejudicada por suas péssimas decisões.

Um empréstimo de USS 950 milhões do banco de investimentos Citigroup dará à Kodak 18 meses para respirar enquanto tenta vender 1,1 mil patentes que, acredita, valem mais de US$ 1 bilhão. A Kodak quer reivindicar seus direitos sobre a imagem digital, porque, tristemente, a empresa que foi pioneira na criação da câmera digital acabou por ser derrubada pelo seu fracasso ao decidir não investir em sua própria invenção. A Kodak já processou Apple, HTC, Research In Motion e Samsung pela forma de enviar imagens digitais dos aparelhos. O portfólio de patentes é uma parte importante dos planos da Kodak para "completar a sua transformação".

Há tempos a Kodak é exemplo do que não se deve fazer no mundo dos negócios. Em diversos MBAs a empresa é citada. Ao contrário de empresas como IBM e a Xerox Corp, que conseguiram criar novos fluxos quando o espaço para o seu legado no mercado caiu, a Kodak abandonava novos projetos muito rapidamente. "As sementes dos problemas de hoje remontam há várias décadas", disse Rosabeth Kanter, professor da Harvard Business School à Reuters. "A Kodak era muito centrada na sede em Rochester e nunca desenvolveu uma presença em outros lugares que estavam desenvolvendo novas tecnologias", disse. "É como se vivessem em um museu."

Para o colunista do The Guardian, Simon Walman, o sucesso da Kodak foi baseado em um modelo de negócio genial. Eles venderam filme, venderam os produtos químicos para desenvolver o filme e depois venderam o papel em que as fotos dos filmes foram impressas. O problema é que eles eram muito bons no que faziam e isso fortalecia o medo da mudança. Na opinião do colunista, a frase "vítima do próprio sucesso" poderia ter sido criada para descrever a Kodak.

Fonte: Terra
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