Uma análise realista e geoeconômica da política externa de Donald Trump para a América Latina
Para o Brasil, a adoção de uma política externa pendular, que articule movimentos de aproximação com ambos os polos globais (EUA e China), pode ser uma saída para proteger seus interesses nacionais e garantir relevância no sistema internacional.
Embora marcada pela imprevisibilidade, a política externa de Donald Trump em seu primeiro mandato e suas declarações polêmicas oferecem uma base para analisar a sua política externa no novo mandato. Em especial, como Trump agirá em sua segunda presidência em relação à América Latina e ao Brasil.
A análise que se segue foi feita dentro de modelo teórico que combina princípios da Escola Realista das Relações Internacionais e da lógica geoeconômica.
O Realismo destaca o papel central do Estado, a defesa dos interesses nacionais e a busca por poder em um sistema internacional anárquico. Nesse ambiente, os Estados operam sob a "lei do mais forte" em detrimento do estado de direito, onde não há uma autoridade superior para garantir a ordem e a segurança.
Já a lógica geoeconômica complementa essa visão ao enfatizar o uso de instrumentos econômicos — como tarifas, sanções e controle de exportações — como ferramentas de poder político.
Essa combinação de perspectivas teóricas é aplicada no plano individual, refletindo as ações e discursos de líderes como Trump e seus indicados, notadamente o secretário de Estado Marco Rubio e o enviado especial para assuntos da América Latina, Mauricio Claver-Carone). Também se aplica ao âmbito sistêmico, em que a competição e a rivalidade moldam a dinâmica global entre os Estados.
Quatro frentes, uma estratégia
A política externa de Donald Trump para o México, Panamá, Cuba e Venezuela reflete uma abordagem que ressalta a utilização de instrumentos econômicos como tarifas, sanções e controle de infraestruturas estratégicas - Canal do Panamá - para maximizar o poder relativo e atender aos interesses geopolíticos americanos.
No México, Trump ameaçou adotar medidas coercitivas por meio de tarifas de até 25%, buscando pressionar o país a intensificar o controle migratório e o combate ao narcotráfico. Essas ações destacam a instrumentalização da interdependência econômica como uma extensão do poder americano, exemplificando como questões comerciais são securitizadas para consolidar o domínio dos EUA em suas relações bilaterais.
No Panamá, o Canal emerge como peça-chave da política americana, onde Trump utiliza a narrativa de influência chinesa para justificar a ampliação da presença americana. Essa estratégia reflete o Realismo ao focar na contenção de rivais estratégicos, como a China, enquanto a lógica geoeconômica é evidenciada na securitização de infraestruturas críticas. O Canal se torna, assim, um palco de rivalidade global entre potências.
A abordagem para Cuba e Venezuela reforçará a lógica de isolamento e sanções severas. Marco Rubio deve utilizar medidas econômicas coercitivas para conter a influência de China e Rússia na região.
Argentina: oportunidades e desafios
A política externa de Trump para a Argentina busca reforçar a influência americana na região através de cooperação seletiva e instrumentos econômicos. Sob a presidência de Javier Milei, os Estados Unidos utilizarão sua influência junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para condicionar apoio a reformas alinhadas aos seus interesses, enquanto políticas protecionistas limitam os benefícios do comércio bilateral.
No nível sistêmico, a Argentina enfrenta desafios em um mundo onde os países usam a economia como uma arma (lógica geoeconômica) para alcançar seus objetivos. Isso significa que, mesmo quando a Argentina tenta ser aliada dos Estados Unidos, surgem problemas porque esses colocam barreiras comerciais e competem com a China pelo poder. Essas barreiras dificultam a vida econômica da Argentina, economicamente dependente do gigante asiático, mostrando como as rivalidades globais tornam as relações entre os países mais complicadas.
Brasil: Entre pressões e rivalidades
As crescentes rivalidades geoeconômicas entre Estados Unidos e China colocam o Brasil em uma posição que exige uma política externa pragmática e equilibrada.
A presidência do BRICS pelo Brasil, em 2025, representa um desafio direto à hegemonia do dólar, com iniciativas que promovem moedas alternativas e buscam reduzir a dependência do sistema financeiro dominado pelos EUA.
Nesse contexto, Donald Trump, sinalizou a possibilidade de tarifas punitivas de até 100% para produtos de países membros do BRICS que adotem moedas locais ou outros sistemas de pagamentos. Isso evidencia sua estratégia de instrumentalização econômica como forma de preservar o poder relativo dos Estados Unidos.
O Brasil também enfrenta desafios no campo ambiental e comercial. A provável saída dos EUA do Acordo de Paris, durante a presidência de Trump, fragilizará os esforços globais em questões climáticas e complicará a posição brasileira na COP30, onde o país busca se destacar como líder ambiental e atrair financiamentos internacionais.
No comércio, a possibilidade de retomada de tarifas sobre o alumínio e as tensões relacionadas a barreiras comerciais ameaçam exportações brasileiras, que tiveram exportações recorde para os EUA em 2024, somando US$ 40,3 bilhões.
Sob a perspectiva da segurança nacional, a fragilidade militar do Brasil o torna vulnerável a pressões externas, como as de Trump, que pode enxergá-lo como uma fonte estratégica de minérios críticos. Para proteger sua soberania e fortalecer sua posição internacional, o Brasil deve investir em modernização militar e robustecer suas capacidades de defesa, reduzindo vulnerabilidades nesse campo.
Simultaneamente, a administração Trump em aliança com Javier Milei, na Argentina, buscará consolidar uma agenda regional que marginalize o Brasil, reduzindo sua autonomia estratégica.
Nesse cenário, figuras como Marco Rubio e Mauricio Claver-Carone desempenharão papéis-chave. Rubio, com uma postura abertamente anti-China, promoverá políticas de contenção para limitar a influência chinesa na América Latina.
Claver-Carone incentivará investimentos americanos como contrapeso à presença de China e Rússia na região, reforçando uma abordagem securitizada na relação hemisférica.
Para o Brasil, a adoção de uma política externa pendular, que articule movimentos de aproximação com ambos os polos globais (EUA e China), pode ser uma saída para proteger seus interesses nacionais e garantir relevância no sistema internacional.
O comércio, o clima e as finanças emergem como arenas estratégicas, nas quais decisões bem calibradas serão cruciais para mitigar os impactos de uma ordem geoeconômica em que os princípios Realistas estão cada vez mais presentes no sistema internacional. Isso parece se assemelhar cada vez mais ao período imediatamente pré-Primeira Guerra Mundial.
Além de professor de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo - FESP-SP, Alexandre Ramos Coelho é Coordenador do Núcleo de Geopolítica da think tank brasileira Observa China, que não possui fins lucrativos e também não é patrocinada por qualquer órgão político ou representativo da China.