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Violência urbana: Criminosos podem estar comprando armas legalmente em lojas

Mais armas no mercado legal podem estar alimentando o mercado ilegal e provocando a diminuição das apreensões por tráfico internacional

14 jan 2025 - 10h36
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O postulado "bandido não compra armas em lojas" tem sido amplamente difundido nas redes sociais de alguns parlamentares e de grupos pró-armas. O objetivo de sua disseminação seria evitar que armamentos e munições fossem enquadrados no imposto seletivo proposto na reforma tributária. Também conhecida como "imposto do pecado", a taxação extra incidirá em produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. Revólveres, pistolas e fuzis, portanto, se enquadrariam perfeitamente na definição.

Mas a premissa não se ampara em dados empíricos. Ao contrário do que afirmam os defensores do armamentismo, é bem provável que sim, criminosos podem e devem estar comprando seus arsenais em lojas comuns. É notório que o mercado ilegal de armas é abastecido pelo mercado legal.

Segundo estudiosos do tema, como Rachel J. Stohl e Suzette Grillot no livro "The International Arms Trade", entre as formas mais comuns de desvios de armas estão o acesso facilitado à compra e, principalmente, a fiscalização ineficiente. E esse é um dos principais problemas registrados. Da mesma forma, quanto mais armas disponíveis, mais possibilidades de roubos, furtos e fraudes.

Se, portanto, a flexibilização facilitou a aquisição de armas por criminosos no mercado legal, então parece lógico que o tráfico internacional de armas de fogo para o Brasil diminuiria. E isso realmente aconteceu.

Em pesquisa realizada com dados de apreensões de armas no Brasil pela Polícia Federal entre 2019-2022, o tráfico internacional de armas diminuiu. Especialmente no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Ambos os Estados fazem fronteira com o Paraguai, que ocupa o primeiro lugar no índex de tráfico de armas nas Américas, ao lado da Jamaica. Não por acaso, o país vizinho é a principal origem das armas traficadas para o Brasil.

Flexibilização do acesso

A partir de 2019, o governo de Jair Bolsonaro passou a flexibilizar o acesso legal a armas de fogo. Por meio de mais de trinta atos normativos, o então presidente descaracterizou o Estatuto do Desarmamento, que valia desde 2003. Quatro categorias do setor tiveram alíquotas de impostos reduzidas ou zeradas.

Um das medidas mais criticadas foi a retirada do imposto de exportação de armas brasileiras para países da América do Sul, Central e Caribe. A sobretaxação foi implantada em 2000 com o objetivo de evitar a "triangulação". Ou seja, não permitir que as armas voltassem ao Brasil ilegalmente através das fronteiras.

Outra das medidas tomadas pelo governo Bolsonaro foi a autorização da compra de arsenais por parte da categoria dos CACs, sigla para caçadores, atiradores desportivos e colecionadores. Com a entrada em vigor do decreto presidencial 9.846/2019, a validade do registro passou de cinco para dez anos e o limite de aquisição de armas mais do que o dobro.

Antes das novas medidas, os atiradores desportivos desfrutavam do direito de adquirir 16 armas de fogo. Depois, passaram a poder comprar até 60 armas. Os caçadores passaram de 12 para 30 armas. E os colecionadores, por sua vez, possuíam permissão de obter uma arma de cada modelo de uso permitido. Agora, eles têm o direito de comprar cinco de cada e cinco de cada modelo de uso restrito. Para a aquisição de quantidades maiores do que as estabelecidas, os CACs ainda poderiam solicitar novas autorizações.

Com a flexibilização do acesso a armas, observou-se uma série de fraudes nos últimos anos, como a compra de armas legais em lojas por laranjas e por criminosos ligados ao PCC, mesmo condenados em primeira instância. Além, de desvios por meio de furtos, que podem ter sido encenados para que armas encomendadas fossem simplesmente repassadas para a criminalidade.

Com acesso tão fácil a vários tipos e modelos no mercado legal numa das centenas de lojas que abriram no país nos últimos anos, o tráfico internacional de armas pode ter se tornado um negócio bem menos vantajoso.

Diminuição do tráfico internacional

Na análise dos dados fornecidos pela Polícia Federal, observou-se uma queda no total de armas apreendidas no país, sob qualquer tipificação, em 2019 e 2020, em comparação com os anos imediatamente anteriores. Quando observado o conjunto dos quatro anos do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, as apreensões totais diminuíram 13,8% e as apreensões pelo art. 18 do Estatuto do Desarmamento despencaram 42,2% em relação ao mesmo período anterior.

O art. 18 trata da importação, exportação e favorecimento da entrada ou saída do território nacional de armas de fogo sem que haja a autorização de autoridade competente.

Ao separar as apreensões por tipificação no Paraná, o Estado que registra o maior número de apreensões por tráfico internacional, a queda se mostra ainda mais acentuada. Mas, o que chama a atenção é o aumento, a partir de 2020, dos registros de "outras tipificações" nas apreensões de armas. Como essas outras tipificações não são indicadas pela PF, não é possível pressupor qual seria o motivo desse incremento.

As demais tipificações do Estatuto do Desarmamento, por outro lado, vêm diminuindo como as que se relacionam com crimes como porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16), posse irregular (art. 12), porte ilegal de arma de uso permitido (art. 14), venda e aquisição (art. 17).

Os Estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, que dividem mais de 1.300 km de fronteira com o Paraguai, registraram quedas significativas no volume de armamentos apreendidos. Os dois Estados somados representaram 54% do total geral de armas apreendidas entre 2013 e 2022.

No Paraná, 2022 foi o ano que registrou o menor número de armas apreendidas pelo art. 18 na série histórica de 2013 a 2022, seguido de 2015 e 2016. A soma dos quatro anos do governo Bolsonaro também demonstra que houve uma queda em relação ao mesmo período anterior.

O mesmo pode ser visto no Mato Grosso do Sul, que também registrou quedas significativas na comparação entre os dois períodos de quatro anos. O menor número de apreensões pelo art. 18 no Estado foram registradas nos anos de 2020, 2022 e 2015.

É importante notar que 2020 foi o ano em que ocorreu a parte mais aguda da pandemia e a circulação de veículos diminuiu. As fronteiras terrestres foram fechadas. A ponte da Amizade, entre o Brasil e o Paraguai, a via internacional mais movimentada da América do Sul, permitiu somente o trânsito de caminhões de carga, entre março e outubro de 2020. Enquanto no período mais agudo da pandemia houve uma diminuição na apreensão de armas em comparação com o ano anterior, o contrário ocorreu em relação às drogas. Em 2020 houve um aumento de 68% nas apreensões de maconha, por exemplo.

Os dados são bastante claros. Da mesma forma, também se mostra bastante evidente a distância entre o discurso armamentista e a realidade.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Isabelle Christine Somma de Castro já recebeu financiamento da Fapesp, CNPq, Capes e Santander.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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