Votação de pauta de costumes é barrada na Câmara dos Deputados
Estudo de grupo da Uerj mostra que, dentro desta agenda, propostas sobre armamento foram as que mais avançaram
Defendidas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, proposições como Escola Sem Partido, criminalização da "ideologia de gênero" e flexibilização da educação domiciliar estão emperradas na Câmara dos Deputados e sequer chegaram à votação nesta legislatura.
Estudo sobre a adesão dos deputados federais à chamada pauta de costumes feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro, núcleo de pesquisa vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mostra que, dentro deste recorte, as matérias que mais unem os integrantes do grupo ideológico ao Centrão na Câmara são ligadas à segurança pública.
O deputado Arthur Lira (Progressistas), que oficializou a sua candidatura ao comando da Casa na quarta-feira passada, chegou a votar a favor de matérias como a enviada pelo Executivo para permitir a posse de arma de fogo por mais categorias e o porte em propriedades rurais, conforme indicam os registros de votação do Legislativo.
Ele não teve a chance, porém, de registrar seu voto em matérias como a que tenta implantar a "neutralidade política e ideológica" nas escolas, que aguarda apreciação dos deputados desde fevereiro de 2019.
Os projetos de lei que tratam sobre armas fazem parte de um conjunto de nove propostas relacionadas a costumes que chegaram a ser levadas a plenário, segundo estudo dos pesquisadores da UERJ. "Bolsonaro, em nenhum momento, deixou de contar com a maioria dos deputados. Mas a construção dessa maioria foi muito conturbada", disse o doutor em ciência política Leonardo Martins Barbosa, que integra o observatório.
A pauta de costume diz respeito à regulamentação da vida social pelo poder público, em uma definição ampla. De acordo com o cientista político Eduardo Grin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), foi um dos pilares da eleição de Bolsonaro em 2018. O aceno ao retorno dessas pautas ao debate público se deve, na visão do professor, à derrota do presidente nas eleições municipais e à necessidade de falar com o seu núcleo de apoiadores. "Ele começa a colocar temas mais radicalizados de volta ao debate público para pressionar, de fora para dentro, a Câmara a pautar esses assuntos", disse.
Limitação
O número limitado de propostas identificadas pelo estudo indica a relutância do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em colocar em votação esse tipo de pauta. Em entrevista ao Estadão publicada ontem, Maia disse que o objetivo de Bolsonaro ao apoiar Lira para a presidência da Câmara é interferir nessa questão. "O governo deixa claro qual é sua prioridade, que não é a pauta econômica. Ele quer a pauta de costumes, do voto impresso para desqualificar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ele quer essa pauta que foi travada nos últimos dois anos pela minha presidência e pelo apoio que eu tenho", afirmou Maia.
Segundo Barbosa, a forma como o Legislativo é regido dá poder ao presidente da Câmara para decidir o que vai ou não ser votado - o que ajuda a explicar a importância da eleição para comandar a Casa, marcada para fevereiro. "Mesmo com a renovação de parlamentares, muitos deles identificados com o conservadorismo, as proposições são limitadas por Maia", afirmou o pesquisador.
As pautas de segurança e armas, no entanto, encontraram mais respaldo: cinco delas foram votadas. Os dois projetos sobre armamento, que tiveram voto favorável de Lira, ainda esperam apreciação do Senado.