"Sou semente que Marielle plantou", diz Vivi Reis, primeira deputada assumidamente bissexual
Candidata à reeleição, parlamentar foi eleita a melhor deputada federal do Pará nos anos de 2021 e 2022 pelo Prêmio Congresso em Foco
A instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte - localizada próximo ao município de Altamira, no Pará - em 2011 fez com que a deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA) fortalecesse ainda mais sua luta em defesa do meio ambiente. Naquela época, indignada com o impactos ambientais e as consequências que a construção traria para os moradores da região, a então militante do movimento estudantil da Universidade do Estado do Pará (UEPA) sentiu a necessidade de ingressar na política institucional para ter mais força contra os projetos que visavam a exploração daquela área.
"Nesse contexto, decidi me filiar ao PSOL porque este era o partido que estava na linha de frente nessa luta. A partir daí, segui me organizando politicamente. Fui coordenadora-geral do Estudantes (DCE) da UEPA. Depois que me formei em Fisioterapia, eu fiz residência no Hospital Universitário da UFPA e também fui representante nacional dos residentes em saúde", relembra Vivi Reis, que nessas Eleições tenta a reeleição como deputada na Câmara Federal, em Brasília.
Logo depois, ela passou em um concurso público no Pará, mas precisou deixar a carreira profissional de lado para satisfazer o desejo em atuar em nome das mulheres e das pessoas pretas, LGBTs e periféricas. Foi assim que, em 2018, Vivi Reis decidiu arriscar em sua primeira candidatura como deputada federal. Foi a segunda mais votada do partido com pouco mais de 22 mil votos, ficando como suplente do então deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA).
Naquele ano, o Brasil vivenciava a consolidação do Bolsonarismo e a morte criminosa de Marielle Franco (PSOL-RJ). Hoje, Vivi Reis se vê como uma sementes da vereadora morta em março de 2018, sendo a primeira mulher negra assumidamente bissexual na Câmara dos Deputados.
"Passei em um concurso público, mas logo depois surgiu a necessidade de se ter uma candidatura nesse perfil de uma mulher negra, jovem, LGBT, da periferia justamente porque naquele contexto buscávamos ter na política pessoas que representassem o legado da Marielle Franco. Aquela foi uma eleição das sementes de Marielle. Acredito que conseguimos também essa vitória de ficar como a primeira suplente, sendo a segunda mais votada do partido, também representando isso", acredita.
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Violência política
Nas Eleições de 2020, Vivi Reis voltou às ruas para fazer campanha eleitoral para sua candidatura como vereadora. Foi a mulher mais votada de Belém, com mais de dez mil votos. Contudo, não assumiu a vaga porque o então deputado Edmilson Rodrigues foi eleito prefeito da capital. Assim, ela ocupou a vaga na Câmara dos Deputados, defendendo sobretudo os interesses ambientais e das pessoas negras, jovens, LGBTs e de periferia.
Ao chegar no Congresso Nacional, Vivi Reis sentiu o peso da discriminação. Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, ela denuncia que sua presença nesse espaço a tornou alvo de ataques. "Me autoafirmo pela necessidade do nosso corpo político estar nesses lugares. Todos esses marcadores que carrego na Câmara como a única mulher negra, bissexual de esquerda e que não tem família na política me levam para um lugar alvo de violência".
"Isso na fala de outros deputados, no olhar que nos é direcionado, no trato que se tem conosco, na forma que a gente é tratada nos espaços públicos ou até mesmo nas redes sociais, que é um lugar onde recebemos muitos ataques também. Sabemos que homens brancos não recebem [o mesmo tratamento]. Essa violência política é bem grave porque tem o objetivo de nos tirar desse espaço. Por sermos poucas, também não nos sentimos acolhidas", pontua.
Melhor deputada federal
Em contrapartida, Vivi Reis não deixou o sonho esmorecer. Desde que assumiu a vaga no Congresso Nacional, seu mandato tem repercutido muito positivamente. Em seu primeiro ano, a atual vice-líder da bancada do PSOL na Câmara foi eleita a melhor deputada federal do Pará, de acordo com os Prêmios Congresso em Foco 2021 e 2022.
"Existe o entendimento de que só quem pode fazer política é quem tem poder econômico, como grandes empresários e pessoas de família tradicional. Eles duvidam da capacidade de mulheres, negros, LGBTs, pessoas de periferia. Eles acham que não estamos preparados para esses lugares. Mas a gente vem fazendo esse momento de virada para ocupar esses espaços", analisa Vivi Reis.
"Acho que esses dois anos de prêmio como também as próprias informações que a Câmara dispõe, eu mostrei que a gente pode, sim, fazer e podemos ser os melhores. Também fui a deputada do Pará que mais fez discurso em plenário e apresentou mais proposição legislativa. Tenho vários projetos relatados e tudo isso mostra que a gente é bom de trabalho também", complementa.
A deputada federal pontua que é preciso ter cuidado mais do que nunca com o voto nestas eleições, que, na visão dela, serão decisivas. "Primeiro, que é a eleição que acredito e estou lutando por isso que a gente vai conseguir tirar o Bolsonaro da presidência para construirmos uma política diferente dessa genocida que está imposta hoje".
"Segundo que, quem a gente vai eleger, vai decidir o futuro dos próximos quatro anos do nosso país. Então, é uma responsabilidade muito grande que nós temos nas mãos. De eleger pessoas que vão definir as leis, que vão aprovar ou barrar projetos, que vão pensar em orçamentos", coloca.
Mudança
Apesar de acreditar nas eleição de candidaturas progressistas para tentar deixar o Congresso Nacional menos desigual, Vivi Reis se diz consciente de que não é possível mudar a sociedade como um todo apenas com a Câmara e o Senado Federal, mas que já é um bom começo para a transformação e reprodução da cultura machista, misógina e conservadora.
"Temos que nos empenhar muito para eleger mais mulheres negras, indígenas, LGBTs, pessoas que são lutadoras sociais porque o que mais se tem nas bancadas são os fundamentalistas que se dizem defensores da segurança pública, mas, na verdade, atuam apenas por interesse próprio. Vamos conseguir transformar nossa sociedade se a gente conseguir disputar esse espaço de poder, que não é suficiente porque a Câmara tem seus limites também. Não me iludo em achar que a gente vai transformar radicalmente a sociedade só com o parlamento, mas que certamente faz diferença na vida do povo", reflete.
Ela relembra que os políticos ativos que defendem o direito dos trabalhadores e do povo foram essenciais no momento de pandemia. "Isso pode ser visto na questão da cota dupla do Auxílio Emergencial para as mulheres. Quem conquistou foi o PSOL. Foi uma emenda parlamentar que apresentou a proposição da cota dupla para as mulheres receberam, ao invés de R$ 600, R$ 1,2 mil".
"Foram nós, deputados de esquerda, que defendem as categorias profissionais que lutaram pela aprovação do piso salarial da Enfermagem, que nos abre a possibilidade de lutar por outros pisos. Eu, por exemplo, denunciei no plenário os crimes ambientais, o garimpo ilegal os assassinatos de defensores do meio ambiente e dos direitos humanos. A gente precisa ter vozes e, para isso, essa eleição vai ser decisiva", explica.
Vivi Reis ressalta a importância da reeleição para, além de dar continuidade nos projetos que já estão em pauta, garantir que as novas propostas garantam o direito das pessoas pobres e de periferia. "Precisamos dar continuidade a este mandato porque que já temos proposições em andamento, como o PL sobre o rastreio do ouro para evitar a prática do garimpo ilegal; o PL que determina a criação de Delegacias das Mulheres em municípios com mais de 60 mil habitantes; proposições com a obrigatoriedade do registro de nascido vivo de dupla maternidade ou parternidade", lista.
"Não queremos que essas propostas sejam arquivadas. A gente quer dar continuidade para aprová-las. Assim como nós também já temos diversas proposições, projetos de lei, convocações de audiências para serem realizadas. Acredito também que o nosso mandato tem a proposta de fazer a denúncia de vários crimes ambientais. Precisamos estar ali para ser essa voz ativa para seguir lutando pelas nossas vidas", conclui Vivi Reis.
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