Análise: Lunar Axe me fez querer jogar mais point and clicks
Primeiro jogo autoral da OPS termina com mecânica ousada para o gênero e faz ótimo uso das mitologias regionais
Como um jogador não assíduo de point and click, eu tinha um certo receio quanto a Lunar Axe. Uma mistura de medo de enjoar da mecânica de puzzles com a certeza de que algumas vezes eu demoraria pra entender a lógica das coisas. Não vou mentir, um ou dois quebra-cabeças eu acabei acertando mais na sorte do que na habilidade e dedução, mas enfrentar essas três horas em busca do Machado Lunar definitivamente mudou minha relação com o gênero.
O primeiro passo pra entender e melhorar minha experiência com os point and clicks foi saber lidar com a frustração de um puzzle difícil ou de não encontrar um objeto escondido no mapa. Foi entender e saber que algumas vezes pressionar o “sair do jogo” sem vaidade é o melhor a se fazer depois de procurar e procurar e procurar e não achar nada ou descobrir uma pista nova.
Mas nenhum desses momentos chegaram perto de serem cansativos ou me desanimaram de seguir pelos prédios históricos de São Luís. Lunar Axe tem só um ou dois puzzles que se repetem entre mais de trinta quebra-cabeças diferentes. Tem uma arte feita à mão cuidadosa e detalhista - e que não sei porque, mas me trouxe um aspecto meio Indiana Jones pra caçada. E tem uma trilha sonora sensacional e imersiva feita pelo Danilo Aguiar, o “mineiro mais maranhense” da equipe, segundo o produtor e criador Kassio Sousa.
Começando do começo, qual o propósito de Lunar Axe? O primeiro jogo autoral da OPS Game Studio começa com um forte terremoto abalando as estruturas da capital maranhense. Preso em um casarão histórico, você descobre que esses tremores recorrentes acontecem porque existe uma cobra gigantesca acordando de seu sonho de beleza no subsolo de São Luís. E que a única forma de mandar ela pra soneca novamente é encontrar as três partes do Machado Lunar, uma arma mágica utilizada por um guerreiro da tribo Jacianama no primeiro embate contra a cobrona.
Quem conta isso pra gente é o fantasma e dono do casarão, Ribamar, que estava preso àquele lugar com o fardo de ser o último guardião do paradeiro do machado - missão passada pelo Padre Antônio Vieira, jesuíta contrário às práticas escravagistas e abusivas contra os povos nativos do Maranhão. Começando a busca pela arma, liberamos o fantasminha camarada de sua penosa existência espectral.
As três áreas seguintes (Igreja do São Pantaleão, Igreja do Carmo e Fonte do Ribeirão) funcionam de maneira parecida: precisamos resolver todos os puzzles na superfície em busca de encontrar as passagens subterrâneas que escondem o Cabo do Machado, a Palha Mágica e a Lâmina, que juntas formam o único artefato que pode impedir a destruição completa da Ilha de Upaon-Açu e que dá nome ao jogo.
Os quebra cabeças vão desde encontrar objetos no meio de uma mesa bagunçada a complexos enigmas envolvendo padrões musicais ou sequências específicas pra liberar fechaduras. Um dos meus preferidos foi o de copiar padrões geométricos utilizando cordas pra conseguir iluminar a primeira igreja que visitamos.
Esses puzzles mais rápidos das duas primeiras áreas do jogo me chamaram mais a atenção do que o grande puzzle geral que é a segunda igreja. Senti falta, por exemplo, de mais dicas não ditas como no Casarão, que a senha de um criptex é um ano que estava escrito em uma pintura de uma sala anterior. Também gostaria que o jogo usasse mais a mecânica de combinar itens pra solucionar problemas, lembro disso em dois momentos e queria ver mais.
Mas o maior trunfo do jogo da OPS Game Studio são as micro-sensações constantes de vitória ao entender e acertar a sequência que abre uma passagem ou finalmente achar aquele item que estava faltando pra completar um outro quebra-cabeça maior. Esses momentos em que a gente se acha o próprio investigador paranormal sensitivo. Acredito que se você tiver sido uma criança fã de Carmen Sandiego, Sherlock Holmes ou Camundongos Aventureiros (no meu caso), Lunar Axe vai clicar ainda mais pra ti.
Outra coisa que funciona além dessa inventividade dos puzzles e a serotonina de resolvê-los são os encontros com a prometida serpente. Nas primeiras duas cavernas topamos com a barrigona da cobra se arrastando pelos túneis e causando mais estragos. E na Fonte do Ribeirão finalmente conhecemos a dita cuja, com direito a uma batalha final de chefe nas ruas de São Luís que é simples, mas inusitada pros moldes do que o gênero propõe, quase com ataques por turno e uma barra de vida.
Minha única ressalva por enquanto se dá na questão da acessibilidade de Lunar Axe. O jogo não apresenta a possibilidade de fontes maiores para os textos ou narração para os objetos e ações. Em partes escuras que precisava encontrar as tochas para fazer fogo, precisei de um segundo monitor com o brilho um teco mais estourado para conseguir ver com um pouco mais de clareza os itens que precisava ver. Já dos dois puzzles que envolvem música, o primeiro, no Casarão, também apresenta elementos visuais que permitem sua solução, mas na segunda igreja não encontrei nenhuma resposta visual para a charada musical.
Por enquanto, infelizmente o estúdio não tem previsão e recursos para a implementação de ferramentas de acessibilidade. O que já está nos horizontes do jogo é uma atualização para facilitar Lunar Axe, aumentando a quantidade de dicas dadas da Lanterna.
Entre tacar uma cadeira pra quebrar uma janela, passar dez minutos tentando entender a lógica de uma tranca e derrotar uma cobra gigante a machadadas, Lunar Axe consegue cativar e tratar uma mitologia local e 100% brasileira sem dar aquele ar palestrinha de trabalho escolar. A construção é natural e é muito satisfatório ver um jogo tão bem colocado dentro de sua própria mística.
No fim, um dos principais pontos do jogo da OPS, pra mim, foi instigar a vontade de conhecer mais jogos point and click. E acho que isso é uma das principais características que formam um bom jogo. Gostei dessas micro-doses - e quero mais.
Simbolicamente, as análises controlísticas não terão notas. Se contentem com esse novíssimo modelo de classificação diferenciado e sem sentido baseado apenas no meu gosto pessoal: