A Fórmula 1 monta um plano de sucessão para o pós-Hamilton
Para o negócio Fórmula 1, a saída de Lewis Hamilton seria uma grande turbulência. O que está sendo feito para não provocar os acionistas?
Existe uma frase atribuída a Frank Williams de que a Fórmula 1 é somente um esporte durante duas horas de um domingo qualquer. Pode até não ser exatamente esta, mas o sentido que fica é: basicamente trata-se de um negócio que, em alguns momentos, lembra que é baseado em uma competição.
Na atualidade, o lado corporativo grita: desde 2017, a Fórmula 1 é de propriedade da Liberty Media e tem ações que circulam em Wall Street (quem quiser ter a curiosidade, procure por FWONK). Não basta somente entregar resultado na pista. É preciso dar resultado financeiro, criar um negócio sustentável e - principalmente – satisfazer os donos e acionistas.
Neste último grupo, um dos capítulos obrigatórios são as famosas reuniões com analistas de mercado. No campo financeiro, estes podem decretar o sucesso ou o fracasso de uma ação, e embora possam parecer apenas burocratas, eles são determinantes para definir o comportamento de manada de investidores. E em uma dessas, o CEO da categoria, Stefano Domenicali, teve que responder a seguinte pergunta: a Fórmula 1 está preparada para a saída de Lewis Hamilton?
Este ponto faz parte de um dos pontos de atenção. Afinal de contas, uma corporação como a Liberty faz um sério controle de oportunidades e ameaças para nortear seus passos (o chamado SWOT). Claro que o italiano, escolado no mundo corporativo, respondeu que a questão é complexa, mas que a Fórmula 1 conseguiria viver sem o multicampeão.
Em seus 70 anos, a Fórmula 1 passou por poucas e boas. E sob o ponto de vista histórico, a situação tem como ser encarada de forma positiva: mesmo com a pandemia da Covid-19, a Liberty conseguiu fazer uma verdadeira revolução na categoria e, pelo lado organizacional, garantiu a sobrevivência do negócio e dos participantes no médio prazo, dando fôlego em plena tempestade.
No meio desta revolução, a Fórmula 1 se jogou de cabeça nas redes sociais, conseguindo níveis astronômicos de crescimento nos últimos anos. Embora ainda existam inúmeras restrições quanto ao uso de imagens e das corridas, este foi um instrumento certeiro para poder chegar a uma faixa etária mais jovem.
Tudo muito bem encadeado: renovação do público, lado financeiro ajustado, um novo regulamento técnico mais igualitário... mas a Fórmula 1 também necessita de heróis. Sim, os malucos que gastam o tempo dando voltas em círculos, com aquele ar de intrépida insanidade e tornando-se ícones.
Tivemos vários ao longo dos anos, até mesmo da Fórmula 1. E o estandarte da vez é Lewis Hamilton. Ao longo de 15 temporadas, o inglês montou sua imagem e história, marcando seu nome com força empilhando números e mais números. E não bastou ser grande nas pistas: Hamilton usa o peso da sua imagem para outros campos para trazer importância a várias causas. Hoje, o piloto da Mercedes transcende o lado esportivo. Não é somente um campeão de corridas de automóvel. É um empresário, um ativista. Marketing? Não pode ignorar este aspecto, embora não soe como algo totalmente planejado.
Normalmente, uma grande corporação tem um plano de sucessão montado. Hoje, a Fórmula 1 teria nomes interessantes para trabalhar neste sentido, como Max Verstappen, Charles Leclerc, Lando Norris, George Russell, entre outros. Porém, são histórias em construção. Não é à toa que, para já começar a ter esta mudança, a narrativa que vem sendo montada é do jovem leão que disputa com o “velho” campeão. É a troca de guarda em curso.
Embora o novo sempre venha, o campeão segue fustigando. Como em um texto anterior, a pergunta que fica este ano é “Temos uma disputa. Mas teremos um campeonato?”. A Fórmula 1 torce e quer a disputa entre Hamilton e Verstappen. Só que a vontade e a juventude do holandês ainda não são páreo para a experiência e a força do conjunto piloto/carro/equipe. Por um lado, isso não é bom para os negócios. Um Verstappen campeão ou que pelo menos chegasse bem próximo seria o melhor cenário para a Liberty e fazer esta sucessão menos traumática.
Alonso seria um ótimo nome para ser um condutor desta nova Fórmula 1. Mas o espanhol, embora carismático, ainda tem o ar soberbo e depende que a Alpine finalmente entregue o futuro que promete desde 2015, quando a Renault voltou como equipe.
Caso Hamilton resolva sim deixar a Fórmula 1, como seria? Sobreviveria? Domenicali não mentiu ao dizer que sim. E vai acontecer. Mas seria uma situação extremamente parecida com a de 1994, com a morte de Senna, a categoria se viu obrigada a fazer uma repatriação de Nigel Mansell e mexer alguns pauzinhos para que a disputa fosse até o final do ano. Ali a estrela Michael Schumacher começou a despontar com força e o resto da história, nós conhecemos.
Mas Domenicali sabe que não basta ação na pista. Embora tenha dinheiro em caixa após movimentações internas na Liberty Media, a Fórmula-1 não tem tido resultados financeiros expressivos desde que os americanos assumiram o comando. Agora, após tantas mudanças, o quebra-cabeça está quase concluído. Não basta o público precisa ser entretido. É preciso não brincar com o humor dos acionistas. E para este, não há gestão de risco 100% perfeita.