Afinal, o que a Renault quer com a Alpine na Fórmula 1?
Entenda por que a Renault trocou uma longa tradição na F1 pela Alpine, uma marca que vendeu apenas 1.500 carros no ano passado
Mais do que a contratação de Fernando Alonso, o que realmente surpreendeu no programa da Renault na Fórmula 1 foi a troca de uma marca tradicional e globalmente conhecida pela Alpine, uma marca de carros esportivos que pouca gente sabe que existe fora da França. Sai Renault, entra Alpine. Mas, por que? O que pretende o Grupo Renault com essa troca?
A resposta foi dada na semana passada, quando o Grupo Renault apresentou sua estratégia para o novo mundo automotivo. Uma das boas notícias, dada pelo CEO do Grupo Renault, Luca de Meo, foi que o compromisso com a F1 será renovado quando chegarem as novas regras da categoria. A partir de 2021, a equipe se chama Alpine e utilizará os motores Renault E-Tech.
Tudo faz parte de uma estratégia chamada “Renaulution”, uma junção das palavras Renault e revolution. Este plano estratégico foi estruturado em três fases, lançadas em paralelo:
- “Ressurreição”, que se estende até 2023, com foco em recuperação da geração de caixa e margens de lucro;
- “Renovação”, que se estende até 2025, para gamas de carros mais modernos, alimentando a lucratividade da marca,
- “Revolução”, a partir 2025 e além, para focar o modelo de negócios em mobilidade, tecnologia e energia, posicionando o Grupo Renault em um lugar de destaque no novo mundo da mobilidade.
O papel da Fórmula 1 será duplo. Por um lado, vai ajudar a desenvolver novas tecnologias para serem aplicadas nos carros de rua; por outro, vai tornar a marca Alpine mais conhecida. Isso é importante porque toda a estrutura da F1 fica sob o chapéu da Alpine, que é um dos quatro chapéus (os outros são a própria Renault, as marcas Dacia/Lada e um programa de mobilidade chamado Mobilize).
A Alpine agora reúne a Alpine Cars, a Renault Sport Cars e a Renault Sport Racing em uma nova organização totalmente independente, inteligente e enxuta, dedicada ao desenvolvimento de carros esportivos exclusivos e inovadores. A ideia é o planejamento de um carro 100% elétrico para sustentar a expansão da marca Alpine. Segundo Luca de Meo, a Fórmula 1 estará “no coração dos projetos”, por isso ele já garantiu “a renovação do compromisso com o campeonato”.
Daqui a algum tempo não será surpresa se virmos fotos de Fernando Alonso na Lotus. Isso porque a Alpine vai desenvolver com a Lotus sua próxima geração de carros esportivos elétricos. A meta é que essa nova estrutura da Alpine se torne lucrativa em 2025, incluindo investimentos em automobilismo esportivo. Esse novo modelo da Alpine com a Lotus substituirá a atual geração do Alpine A110, o carro-chefe da marca.
Mas não é só isso. A Alpine também terá um compacto esportivo e um crossover esportivo, ambos 100% elétricos, a partir das plataformas CMF-EV que a Renault divide com a Nissan. Como se vê, a estratégia da Alpine é totalmente focada em carros elétricos, o que torna difícil a Fórmula 1 tomar um caminho diferente deste, pois o Grupo Renault não é o único -- Mercedes, Ferrari e Honda (que está de saída) também seguirão por aí.
A Renault Sport Racing e a escuderia de F1 reúnem 1.200 pessoas, que desenvolvem o equivalente no automobilismo esportivo às “mais intrincadas joias da relojoaria”, ou seja, na Fórmula 1 ficam alguns dos melhores especialistas em aerodinâmica, mecânica e motores. Segundo De Meo, “a Fórmula 1 também é uma incrível plataforma de marketing, com seu meio bilhão de fãs em todo o mundo, representando uma oportunidade única para fortalecer a imagem da marca Alpine em escala global”.
Já a Renault Sport Cars, que também está debaixo do chapéu da Alpine, compreende uma equipe de 300 pessoas, que são mestres no desenvolvimento de carros esportivos. Elas deram ao Grupo Renault produtos icônicos, como o R5 Turbo, o Clio V6, o Mégane RS Trophy e o novo Alpine A110.
Finalmente, a marca Alpine é bastante reconhecida dentro do automobilismo francês. O modelo A110 é produzido na fábrica de Dieppe. Mas, em termos globais, a Alpine é totalmente desconhecida. Segundo o último relatório comercial do Grupo Renault, a Alpine vendeu apenas 1.526 carros em 2020. A marca foi bastante afetada pela pandemia de coronavírus e teve uma queda de 68,4% em relação aos 4.832 carros emplacados em 2019.
São volumes muito pequenos perante os 2,950 milhões de veículos vendidos no passado pelo Grupo Renault e também dos 3,750 milhões verificados em 2019. A nova escuderia Alpine, portanto, tem uma missão importante a cumprir na F1. Eis a razão pela qual o grupo francês decidiu interromper a história de 400 Grandes Prêmios da Renault na Fórmula 1, com 35 vitórias, 51 pole positions, 33 voltas mais rápidas e mais de 12.000 km na liderança.Em 24 temporadas, a equipe Renault F1 ganhou dois títulos mundiais de pilotos e dois de construtores, ambos em 2005 com Fernando Alonso.
A equipe Alpine conseguirá tanto sucesso? Bem, ela vai contar com o motor Renault E-Tech. Na fase híbrida da F1, os motores Renault venceram apenas três corridas, todas em 2014 com Daniel Ricciardo pilotando o Red Bull RB10. Mas a história de sucesso dos motores Renault vai muito além de ter introduzido o turbocompressor da categoria (1977) e dos títulos com Alonso.
Em 39 temporadas, os motores Renault somam 168 vitórias em 657 GPs, um bom aproveitamento de 26%. Foram também 213 pole positions e um total de 12 títulos mundiais de construtores, além de 11 títulos de pilotos -- isso porque Michael Schumacher conseguiu seu primeiro título, em 1994, com um motor Ford Cosworth, na Benetton.
Com a mudança na estratégia, o francês Cyril Abiteboul não comanda mais a equipe nas corridas. Ele estava desde 2016. Para seu lugar a Apine trouxe da MotoGP o italiano Davide Brivio, que comandava a equipe Suzuki. Ele responde ao francês Laurent Rossi, novo Diretor Geral da Alpine. Vai funcionar? Com a resposta, os pilotos Fernando Alonso e Esteban Ocon. A Alpine conquistou seu maior sucesso no automobilismo em 1978, vencendo as 24 Horas de Le Mans.