Afinal, quem é o pai do McLaren MP4/4?
Dois grandes nomes da história da F1 disputam a paternidade do projeto mais vencedor da história da categoria
“Filho feio não tem pai”. Esse ditado sempre aparece quando alguma coisa ou situação dá errado e ninguém assume a responsabilidade. Mas temos visto nos últimos tempos uma discussão para saber quem é o verdadeiro pai de um dos grandes fenômenos da história da F1: a McLaren MP4/4, de 1988. Não é uma situação nova, mas questões pessoais e empresariais vêm levando a discussão a um ponto de se colocar justiça no meio...
Para entender a origem de tudo, temos que voltar a 1986. Em agosto daquele ano, John Barnard sai da McLaren para a Ferrari e o posto de Diretor Técnico fica vago. Para ocupar a vaga, Ron Dennis chama Gordon Murray, o histórico projetista da Brabham.
Para tocar o projeto de 87, o MP 4/3, Dennis confia a tarefa a Steve Nichols, então chefe de desenho e que está no time desde 1981. O americano trabalhava para a Hercules, empresa que fornecia a tecnologia e os painéis de fibra de carbono para que a McLaren construísse seus chassis. Inicialmente, ele foi supervisionar o trabalho e foi cooptado por Barnard para sua equipe de projetos.
A vinda de Gordon Murray para a McLaren fez muita gente levantar as orelhas, já que o sul-africano fez toda a sua carreira na Brabham e tinha uma liberdade absoluta sob seus projetos. Mas a intenção de Ron Dennis era estruturar a área de engenharia de maneira a não depender tanto de uma única pessoa, como era na época de Barnard. Murray veio para reorganizar o setor e ter uma missão mais de supervisionar do que efetivamente “botar a mão na massa”.
Era também uma espécie de reposicionamento de Murray, que tinha sofrido um grande revés com o BT55, conhecido por ser o “carro skate”. De modo a aproveitar as novas regras de segurança do piloto e para reduzir o arrasto, Murray inclinou mais ainda a posição do piloto no carro (jocosamente apelidada de “cadeira ginecológica” e que virou referencial até hoje) e fez um dos carros mais baixos da história (apenas 82cm do alto do santo Antônio até o chão). Chamou muito a atenção, mas, por diversos motivos técnicos, não funcionou. Entretanto, seu conceito acabou afetando os outros carros, rebaixando a altura. Se observamos projetos da Williams, Ferrari e McLaren para 87, houve um claro direcionamento neste sentido.
Em setembro de 1987, a McLaren teve a definição de que a Honda forneceria motores ao time. O desafio técnico seria grande, pois teria que ser desenvolvido um carro turbo para 1988 e um outro para o motor aspirado de 1989. Aqui começa a confusão....
Gordon Murray diz que, o fato da Honda ter um motor mais baixo do que o BMW da Brabham e o TAG/Porsche usado pela McLaren, poderia fazer trazer de volta o conceito que tentou usar no BT55. Outro aspecto que auxiliava era a redução do tanque de combustível (195 litros para 150 litros). Isso fez com que o MP4/4 também fosse extremamente baixo.
Já Steve Nichols diz que Murray teve pouca influência na concepção do MP4/4. Segundo ele, dentro da nova estrutura, Murray tinha um papel mais de supervisão e havia uma determinação direta de Ron Dennis que Nichols seria o responsável pelo carro de 88 e Neil Oatley, que havia chegado ao time no início do ano, tocaria o projeto do carro aspirado. Nesta mesma fala, Nichols diz que Murray deu algumas sugestões em relação a métodos de fabricação e na transmissão. Mas que boa parte do trabalho foi feita pela equipe existente.
Esta discussão foi um pouco sepultada ao longo dos anos, com Murray levando os louros (embora o jornalista Alan Henry tenha escrito no AutoCourse de 88 que Nichols havia feito o trabalho). A ferida se tornou aberta em 1990, quando o jornalista Ian Bamsey publicou um livro sobre o MP4/4 dando todos os louros do projeto a Murray. Na época, todos os 17 membros da equipe de projeto escreveram uma carta ao então diretor da McLaren, Martin Whitmarsh (recém-indicado para a Aston Martin), dizendo que aquilo não era verdade e ainda indicaram cerca de 82 erros. Mas a briga se tornou aberta no ano passado, quando foi publicado o “manual de instruções” do MP4/4. Vários dos envolvidos no projeto foram entrevistados e boa parte deles confirmaram a versão de Nichols.
Quando o livro foi publicado, Nichols e outros membros receberam duas cartas de Gordon Murray, dizendo para que parassem com aquelas mentiras. Mais recentemente, Murray enviou uma carta a Nichols o ameaçando de ações na justiça, pois o seu projeto de supercarro, o T.50, “dependia de sua reputação como o responsável pelo McLaren MP4/4”.
Curiosamente, Nichols hoje também trabalha na construção de um carro esportivo, o N1A, baseado no primeiro projeto de carro feito por Bruce McLaren e compara a posição de dirigir ao do MP4/4, para que o motorista tenha “a sensação de como Senna e Prost experimentaram no MP4/4”.
Esta briga de egos com certeza terá novos desdobramentos. Mas fica a pergunta: será que se este carro não fosse o mais dominante da história da F1, havia esta briga de paternidade?