CART Texas 2001: uma corrida humanamente impossível
A 600 Milhas do Texas de 2001 deveria ser um grande evento. Porém, foi um desastre pelo fato dos pilotos não aguentarem a força G
O fã de automobilismo tem se acostumado a ouvir nos últimos anos que os pilotos têm sido expostos à Força G. Equivalente a uma vez a força da gravidade, a crescente velocidade e a pressão aerodinâmica fazem que números como 4 ou 5 vezes a Força G sejam cada vez mais normais. Mas se esta pressão chegasse a um ponto de fazer os pilotos “apagarem” ao volante? Isso aconteceu nos EUA em 2001.
Primeiramente é preciso lembrar que existiam duas grandes categorias de fórmula nos EUA. A CART era a “Indy oficial” até 1995, quando Tony George, da família dona do Indianapolis Motor Speedway, anunciou uma ruptura com a categoria. Com isso, a CART ficou impedida de correr a Indy 500. As filosofias das categorias eram bem diferentes: a CART tinha seus carros velozes com motores turbo de 900 cv e corriam em mistos e ovais. Já a IRL tinha a proposta de correr apenas em ovais, ser uma categoria com um custo mais baixo, além de ter a Indy 500.
O último final de semana de Abril de 2001 prometia muito para a CART. Na sexta-feira, o filme Driven (Alta Velocidade) foi lançado. Inspirado na categoria, usou carros, pilotos e equipes reais. Mas o filme foi um desastre de bilheteria, faturando um pouco mais que a metade de seu orçamento, e a crítica odiou, com o filme tendo várias indicações ao Framboesa de Ouro.
Por outro lado, a categoria se preparava para uma corrida que prometia muito: a CART pela primeira vez iria ao Texas World Speedway. O oval veloz com curvas inclinadas em até 24° não era atrativo quando foi aberto na segunda metade dos anos 90. Mas, depois de muitas negociações, a categoria resolveu fechar um contrato de três anos. Categorias como o NASCAR e a IRL já corriam no circuito, com boas provas.
A CART não enfrentava um oval com curvas tão inclinadas desde 1983, quando correu em Atlanta, um circuito muito semelhante ao Texas. Mesmo que o carro estivesse em circuitos de alta como Michigan, onde as velocidades médias podiam chegar a 390 km/h, era uma situação diferente por conta do tempo de aceleração, no caso do oval texano.
Por conta disso, a categoria quis se preparar antes. em Dezembro de 2000, o primeiro teste foi com Kenny Bräck. O sueco completou 100 voltas com, uma média de 362 km/h. Foi medido a força G, com alguns picos de 4,5G, o que é considerado aceitável.
Com base nos dados obtidos, foi definida a diminuição da pressão do turbo de 1,35 para 1,25 Bar e todos os carros deviam usar um dispositivo Hanford na asa traseira, gerando maior arrasto aerodinâmico e reduzindo a velocidade. Outros testes foram realizados em Fevereiro, já com estas mudanças e os carros chegaram a ter média de 363 km/h
Mas o brasileiro Maurício Gugelmin alertou em Março que os carros estavam muito rápidos e que a configuração das asas não estava adequada. Outros fatores foram descobertos depois: Bräck não andou no limite nos testes de Dezembro e nos testes de Fevereiro, os pilotos reclamaram que a pista estava muito áspera. Então a direção do TMS fez um tratamento para tornar a pista mais lisa. Também é necessário ressaltar que os testes foram realizados em temperaturas baixas.
Na primeira sessão de treinos livres, no dia 27 de Abril, Tony Kanaan fez o tempo mais rápido, com 375,845 km/h de média. Na segunda sessão de treinos, Gugelmin bateu forte, na curva 3, com uma força de 113 G (vídeo abaixo), e relatou que desmaiou durante o impacto. Ele teve várias lesões e ficou impossibilitado de voltar a correr naquele fim de semana. Por curiosidade, há uma réplica do Reynard usado pelo próprio no Museu do Automóvel de Curitiba.
Na mesma sessão, Bräck melhorou o tempo de volta, com 376,240 km/h. Vários pilotos relataram que a pista era muito divertida, nunca tendo visto nada igual antes. Nicolas Minassian chegou a relatar que se sentia em uma montanha-russa. Tudo parecia bem, mas o médico da CART, Steve Olvey, relatou que dois pilotos, possivelmente Zanardi e Kanaan, relataram tonturas com velocidades tão altas.
No Treino livre de sábado, as velocidades médias chegaram a mais de 380 km/h. Cristiano da Matta bateu, mas saiu do carro sem maiores lesões. Na qualificação, o carro mais rápido foi de Kenny Bräck, com média de 375,697 km/h. Na qualificação, os pilotos estavam sendo expostos a forças de 5G nos 18 dos 23 segundos da volta. Uma reunião com os pilotos foi feita no sábado. O Dr. Olvey perguntou se alguém tinha se sentido tonto e ninguém levantou a mão. Abaixo temos o vídeo das voltas de qualificação de Adrian Fernandez, onde é possível ver a aceleração plena em todo o percurso:
Então ele perguntou se alguém tinha tido um 'apagão' ou estava com muita sede. Então, Castroneves levantou a mão, o brasileiro tinha ficado sentido muita sede na noite anterior, o que também era um sintoma da exposição a níveis altos de Força G. Depois que vários pilotos acabaram falando, os relatos foram assustadores, alguns deles falaram que perdiam a consciência entre as curvas 2 e 3, outros que não conseguiam manter o equilíbrio depois que saiam do carro.
Olvey contatou seu amigo Dr. Richard Jennings, que chegou a trabalhar na NASA e era professor de medicina na Universidade do Texas, que levou um susto ao saber disso. A perda de consciência era causada pela Força G, um fenômeno que era mais comum de acontecer com Astronautas e Pilotos de Caça. O fato não era só a velocidade, mas a inclinação das curvas que aumentavam ainda mais a pressão sobre o corpo dos pilotos.
O mais grave do quadro apresentado era que os pilotos conseguiam continuar a fazer o traçado apenas pela memória muscular. Os relatos sobre isso é que a exposição a mais 5G por um período de 30 segundos provocava esse efeito. O Dr. Olvey chegou a detectar 5.5 G laterais e 3.5 G verticais, uma quantidade absurda que seria humanamente impossível de resistir.
Então as coisas ficaram mais sérias e o cancelamento da prova chegou a ser levantado. Mas os donos de equipes e os representantes das fabricantes de motores se recusaram, queriam achar uma solução. Várias reuniões foram realizadas, mas não existia acordo: uns sugeriram colocar chicanes, outros pensavam em diminuir a velocidade dos carros ainda mais.
O grande problema é que os motores da CART eram feitos para extrair o máximo dos seus mais de 900 cv. Diminuir ainda mais a potência poderia fazer com que os motores tivessem falhas. No domingo de manhã, uma reunião adiou o Warm-up. Joe Heitzler, presidente da CART, teve várias reuniões com pilotos, donos de equipes, representantes das fornecedoras de motores e patrocinadores, e resolveu anunciar o cancelamento. Olvey falou da questão da Força G, e que não seria seguro realizar o evento.
O proprietário do TMS processou a CART, alegando negligência. Segundo ele, poderiam ter sido realizados mais testes antes para verificar tudo isso. O processo, na casa dos milhões, pedia um ressarcimento das despesas dos proprietários e reembolso do público. O acordo fechado em Outubro de 2001 não veio à público, mas estima-se um desembolso entre 5 e 7 milhões de dólares, além do cancelamento das provas de 2002 e 2003. A CART não enfrentava um bom momento financeiro e isso ajudou na falência da categoria em 2003.