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CART Texas 2001: uma corrida humanamente impossível

A 600 Milhas do Texas de 2001 deveria ser um grande evento. Porém, foi um desastre pelo fato dos pilotos não aguentarem a força G

22 jan 2022 - 13h02
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A CART passou por uma de suas maiores crises por conta da etapa do Texas
A CART passou por uma de suas maiores crises por conta da etapa do Texas
Foto: @IndyCar

O fã de automobilismo tem se acostumado a ouvir nos últimos anos que os pilotos têm sido expostos à Força G. Equivalente a uma vez a força da gravidade, a crescente velocidade e a pressão aerodinâmica fazem que números como 4 ou 5 vezes a Força G sejam cada vez mais normais. Mas se esta pressão chegasse a um ponto de fazer os pilotos “apagarem” ao volante? Isso aconteceu nos EUA em 2001. 

Primeiramente é preciso lembrar que existiam duas grandes categorias de fórmula nos EUA. A CART era a “Indy oficial” até 1995, quando Tony George, da família dona do Indianapolis Motor Speedway, anunciou uma ruptura com a categoria. Com isso, a CART ficou impedida de correr a Indy 500. As filosofias das categorias eram bem diferentes: a CART tinha seus carros velozes com motores turbo de 900 cv e corriam em mistos e ovais. Já a IRL tinha a proposta de correr apenas em ovais, ser uma categoria com um custo mais baixo, além de ter a Indy 500.  

O último final de semana de Abril de 2001 prometia muito para a CART. Na sexta-feira, o filme Driven (Alta Velocidade) foi lançado. Inspirado na categoria, usou carros, pilotos e equipes reais. Mas o filme foi um desastre de bilheteria, faturando um pouco mais que a metade de seu orçamento, e a crítica odiou, com o filme tendo várias indicações ao Framboesa de Ouro.

Por outro lado, a categoria se preparava para uma corrida que prometia muito: a CART pela primeira vez iria ao Texas World Speedway. O oval veloz com curvas inclinadas em até 24° não era atrativo quando foi aberto na segunda metade dos anos 90. Mas, depois de muitas negociações, a categoria resolveu fechar um contrato de três anos. Categorias como o NASCAR e a IRL já corriam no circuito, com boas provas. 

A CART não enfrentava um oval com curvas tão inclinadas desde 1983, quando correu em Atlanta, um circuito muito semelhante ao Texas. Mesmo que o carro estivesse em circuitos de alta como Michigan, onde as velocidades médias podiam chegar a 390 km/h, era uma situação diferente por conta do tempo de aceleração, no caso do oval texano.

Carros da CART em Michigan com configurações bem agressivas para gerar mais velocidade
Carros da CART em Michigan com configurações bem agressivas para gerar mais velocidade
Foto: @DarioFrachitti

Por conta disso, a categoria quis se preparar antes. em Dezembro de 2000, o primeiro teste foi com Kenny Bräck. O sueco completou 100 voltas com, uma média de 362 km/h. Foi medido a força G, com alguns picos de 4,5G, o que é considerado aceitável.   

Com base nos dados obtidos, foi definida a diminuição da pressão do turbo de 1,35 para 1,25 Bar e todos os carros deviam usar um dispositivo Hanford na asa traseira, gerando maior arrasto aerodinâmico e reduzindo a velocidade. Outros testes foram realizados em Fevereiro, já com estas mudanças e os carros chegaram a ter média de 363 km/h 

Mas o brasileiro Maurício Gugelmin alertou em Março que os carros estavam muito rápidos e que a configuração das asas não estava adequada. Outros fatores foram descobertos depois: Bräck não andou no limite nos testes de Dezembro e nos testes de Fevereiro, os pilotos reclamaram que a pista estava muito áspera. Então a direção do TMS fez um tratamento para tornar a pista mais lisa. Também é necessário ressaltar que os testes foram realizados em temperaturas baixas.

Na primeira sessão de treinos livres, no dia 27 de Abril, Tony Kanaan fez o tempo mais rápido, com 375,845 km/h de média. Na segunda sessão de treinos, Gugelmin bateu forte, na curva 3, com uma força de 113 G (vídeo abaixo), e relatou que desmaiou durante o impacto. Ele teve várias lesões e ficou impossibilitado de voltar a correr naquele fim de semana. Por curiosidade, há uma réplica do Reynard usado pelo próprio no Museu do Automóvel de Curitiba.

Na mesma sessão, Bräck melhorou o tempo de volta, com 376,240 km/h. Vários pilotos relataram que a pista era muito divertida, nunca tendo visto nada igual antes. Nicolas Minassian chegou a relatar que se sentia em uma montanha-russa. Tudo parecia bem, mas o médico da CART, Steve Olvey, relatou que dois pilotos, possivelmente Zanardi e Kanaan, relataram tonturas com velocidades tão altas.

No Treino livre de sábado, as velocidades médias chegaram a mais de 380 km/h. Cristiano da Matta bateu, mas saiu do carro sem maiores lesões. Na qualificação, o carro mais rápido foi de Kenny Bräck, com média de 375,697 km/h. Na qualificação, os pilotos estavam sendo expostos a forças de 5G nos 18 dos 23 segundos da volta. Uma reunião com os pilotos foi feita no sábado. O Dr. Olvey perguntou se alguém tinha se sentido tonto e ninguém levantou a mão. Abaixo temos o vídeo das voltas de qualificação de Adrian Fernandez, onde é possível ver a aceleração plena em todo o percurso:

Então ele perguntou se alguém tinha tido um 'apagão' ou estava com muita sede. Então, Castroneves levantou a mão, o brasileiro tinha ficado sentido muita sede na noite anterior, o que também era um sintoma da exposição a níveis altos de Força G. Depois que vários pilotos acabaram falando, os relatos foram assustadores, alguns deles falaram que perdiam a consciência entre as curvas 2 e 3, outros que não conseguiam manter o equilíbrio depois que saiam do carro.

Olvey contatou seu amigo Dr. Richard Jennings, que chegou a trabalhar na NASA e era professor de medicina na Universidade do Texas, que levou um susto ao saber disso. A perda de consciência era causada pela Força G, um fenômeno que era mais comum de acontecer com Astronautas e Pilotos de Caça. O fato não era só a velocidade, mas a inclinação das curvas que aumentavam ainda mais a pressão sobre o corpo dos pilotos.

O mais grave do quadro apresentado era que os pilotos conseguiam continuar a fazer o traçado apenas pela memória muscular. Os relatos sobre isso é que a exposição a mais 5G por um período de 30 segundos provocava esse efeito. O Dr. Olvey chegou a detectar 5.5 G laterais e 3.5 G verticais, uma quantidade absurda que seria humanamente impossível de resistir.

Uma visão geral do Texas Motor Speedway
Uma visão geral do Texas Motor Speedway
Foto: @TxMotorspoeedway

Então as coisas ficaram mais sérias e o cancelamento da prova chegou a ser levantado. Mas os donos de equipes e os representantes das fabricantes de motores se recusaram, queriam achar uma solução. Várias reuniões foram realizadas, mas não existia acordo: uns sugeriram colocar chicanes, outros pensavam em diminuir a velocidade dos carros ainda mais.

O grande problema é que os motores da CART eram feitos para extrair o máximo dos seus mais de 900 cv. Diminuir ainda mais a potência poderia fazer com que os motores tivessem falhas. No domingo de manhã, uma reunião adiou o Warm-up. Joe Heitzler, presidente da CART, teve várias reuniões com pilotos, donos de equipes, representantes das fornecedoras de motores e patrocinadores, e resolveu anunciar o cancelamento. Olvey falou da questão da Força G, e que não seria seguro realizar o evento.

O proprietário do TMS processou a CART, alegando negligência. Segundo ele, poderiam ter sido realizados mais testes antes para verificar tudo isso. O processo, na casa dos milhões, pedia um ressarcimento das despesas dos proprietários e reembolso do público. O acordo fechado em Outubro de 2001 não veio à público, mas estima-se um desembolso entre 5 e 7 milhões de dólares, além do cancelamento das provas de 2002 e 2003. A CART não enfrentava um bom momento financeiro e isso ajudou na falência da categoria em 2003.

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