Época de ouro da F1: quem foi mais favorecido pelo carro?
Senna foi o mais favorecido pelo motor; Prost pelo chassi. Veja números de Piquet, Mansell, Schumacher, Fittipaldi, Stewart, Lauda e Hill
Ayrton Senna foi o piloto mais favorecido pelo motor na época de ouro da Fórmula 1, entre 1968 e 1996. Alain Prost foi o piloto mais favorecido pelo chassi, no mesmo período. Considerando o carro completo, Prost, Senna e Niki Lauda foram os três pilotos mais favorecidos pelo carro ao conseguir suas vitórias.
O fator chassi foi responsável por 62,7% das 51 vitórias de Prost, enquanto o fator motor esteve presente em 74,7% das vitórias de Senna. A chamada época de ouro da F1 teve exatamente 435 corridas disputadas entre o GP da Espanha de 1968 e o GP do Japão de 1996. As estatísticas fazem parte de um capítulo do livro Jornalismo Esportivo no Brasil - Volume 2, publicado este ano e que teve organização de três pesquisadores da USP, Luciano Maluly, Rafael Venâncio e Gustavo Longo.
O capítulo sobre automobilismo foi escrito por este colunista do Parabólica e dividiu a Fórmula 1 em quatro grandes fases, reunindo sete períodos com diferentes paradigmas. As temporadas analisadas fazem parte da Fase 3, que teve três períodos. O fator chassi e o fator motor se referem à porcentagem de vitórias do piloto em relação número de vitórias do chassi e do motor na fase analisada. O fator carro é a média dos fatores chassi e motor.
3º período: 1968 a 1980. Paradigma: presença dos grandes patrocinadores, notadamente as empresas de tabaco e suas marcas, como Gold Leaf, John Player Special, Marlboro, Camel, Gitanes, Rothmans e Mild Seven. Total de corridas: 180. Início: GP da Espanha 1968. Final: GP dos EUA 1980.
4º período: 1981 a 1988. Paradigma: domínio dos motores turbo e impacto do primeiro Pacto da Concórdia, que deu poder de decisão às equipes, tirando a categoria do domínio da FIA. Total de corridas: 126. Início: GP dos EUA-Oeste 1981. Final: GP da Austrália 1988.
5º período: 1989 a 1996. Paradigma: banimento dos motores turbo, mas dependência de um grande fornecedor de motor (como Honda, Renault e Ferrari), como consequência do segundo e terceiro Pacto da Concórdia, que concentrou o poder nas grandes equipes (como Ferrari, Williams e McLaren), em detrimento das equipes dos garagistas (como Tyrrell, Lotus e Minardi). Total de corridas: 129. Início: GP do Brasil 1989. Final: GP do Japão 1996.
O quadro a seguir mostra que o piloto menos favorecido pelo fator fator chassi foi Jackie Stewart. Apesar de ter conquistado 25 vitórias nessa fase e somado 27 primeiros lugares, tornando-se recordista de vitórias por 14 anos, Stewart pilotou carros que venceram apenas 10% das corridas da Fase 3, contra 61% de Prost e 43% de Lauda. Quanto aos motores, o maior beneficiado foi Senna, que teve 75% de benefício do fator motor. A tabela a seguir traz a ordem dos pilotos pelo número total de vitórias e não se trata de um ranking.
PILOTO | VIT | GP |
FATOR CHASSI |
FATOR MOTOR |
FATOR |
Alain Prost | 51 | 199 | 62,7% | 56,7% | 59,7% |
Ayrton Senna | 41 | 161 | 32,2% | 74,7% | 54,0% |
Nigel Mansell | 31 | 187 | 38,4% | 50,9% | 44,6% |
Jackie Stewart | 25 | 70 | 10,0% | 39,9% | 24,9% |
Niki Lauda | 25 | 171 | 43,7% | 60,4% | 52,1% |
Nelson Piquet | 23 | 204 | 34,5% | 56,9% | 45,7% |
Michael Schumacher | 22 | 84 | 23,5% | 54,1% | 38,8% |
Damon Hill | 21 | 67 | 21,5% | 19,8% | 20,6% |
Emerson Fittipaldi | 14 | 144 | 33,2% | 38,9% | 36,1% |
As quatro grandes fases da F1 e seus paradigmas dominantes são os seguintes:
- Fase 1: 1950 a 1957 (campeonato de pilotos)
- Fase 2: 1958 a 1968 (domínio dos garagistas)
- Fase 3: 1968 a 1996 (grandes patrocínios)
- Fase 4: 1997 a 2020 (poder das montadoras)
Uma nova era na Fórmula 1 teve início no GP da Espanha de 1968, o segundo da temporada, quando a equipe Lotus abandonou a tradicional pintura verde dos carros ingleses e correu com um carro vermelho e dourado da marca de cigarros Gold Leaf. Ao pintar seus carros com as cores do patrocinador, estampar seu logotipo e mudar o nome da equipe para Gold Leaf Team Lotus, Colin Chapman provocaria uma revolução na Fórmula 1. Estava inaugurada a era dos patrocínios comerciais de empresas que não tinham ligação direta com o mundo do automóvel.
Até então, vigorava o sistema introduzido nas corridas da Copa Gordon-Bennet (1900-1905), mas modificada nas corridas de Grand Prix nos anos 1930 (Contesini, 2014), que determinava as cores dos carros pelo país do construtor: verde para a Inglaterra, vermelho para a Itália, prata para a Alemanha e azul para a França. Isso provocou uma injeção de dinheiro inimaginável nas equipes de Fórmula 1. Outro fator que marca o GP da Espanha de 1968 como uma nova fase é que foi o primeiro sem Jim Clark, morto durante uma corrida de Fórmula 2 em Hockenheim, Alemanha, um mês antes da segunda prova do campeonato de Fórmula 1.
A partir de 1968, para vencer na F1 era preciso ter um grande patrocinador, por isso sugerimos neste artigo um período de 30 anos como a Fase 3 na história da categoria. Coube ao próprio Graham Hill, piloto que correu com um carro patrocinado pela primeira vez, ser o campeão de 1968. Mas a ideia da Lotus foi rapidamente copiada e permitiu que vários pilotos corressem em equipes competitivas. O período entre 1968 e 1996 foi marcado pela sucessiva quebra de recordes de vitórias e pole positions. Os três maiores protagonistas desse período foram o francês Alain Prost, o escocês Jackie Stewart e o brasileiro Ayrton Senna, mas outros pilotos também brilharam intensamente, como o austríaco Niki Lauda, os brasileiros Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, o alemão Michael Schumacher e o inglês Nigel Mansell.
Essa terceira fase da Fórmula 1, baseada em grandes patrocínios, permitiu não apenas a ascensão inicial da Lotus (cigarros Gold Leaf e John Player Special) e da Tyrrell (petroleira francesa Elf), mas a transformação da Williams e da McLaren em duas gigantes. A Williams se tornou vencedora com gigantescos aportes financeiros da Saudia (companhia aérea árabe), Cannon (câmeras fotográficas) e mais tarde com o cigarro Rothmans. A McLaren também cresceu a partir de sua parceria com marcas de tabaco, inicialmente o cigarro Marlboro e já na parte final desta fase o West. Até a Ferrari, embora fosse mais discreta na exposição do patrocinador, cresceu com o dinheiro dessa fonte, criando duas longas parcerias, com Marlboro e Shell (lubrificantes).
O motor Ford Cosworth foi o maior vencedor da época de ouro da Fórmula 1, beneficiando especialmente Stewart e Fittipaldi. Porém, a pioneira dos motores turbo, Renault, conseguiu superar a Ferrari e deu o impulso inicial à carreira de Prost, que demoliu o recorde de vitórias. Contando sempre com motores competitivos, o “Professor”, como era conhecido o piloto francês, não apenas quebrou o recorde de 27 vitórias de Stewart como o levou ao impressionante patamar de 51 conquistas.
Além da Renault (tanto na era turbo quanto depois dela), Prost tirou grande proveito dos motores TAG Porsche e Honda. Outro piloto que se beneficiou muito da eficiência do motor Honda foi Senna, que atingiu a marca de 65 pole positions – uma a cada quatro largadas. Além disso, Senna obteve 32 de suas 41 vitórias com o motor Honda, tornando-se o maior ídolo do automobilismo no Japão.
Antes disso, coube a Nelson Piquet (que chegou ao seu tricampeonato com a Honda) conquistar o respeito da alemã BMW ao se tornar o primeiro campeão da era turbo, obtendo sete de suas nove vitórias, embora o desenvolvimento desta tecnologia na F1 tenha começado com a Renault. Também cabe citar que a Alfa Romeo, imbatível nos dois primeiros anos da Fórmula 1, voltou a vencer, obtendo duas vitórias como fornecedora de motor da equipe Brabham, que tinha Lauda como seu principal piloto em 1978.
Finalmente, vale destacar que o fator motor foi preponderante para proporcionar a Mansell 31 vitórias, o maior número entre todos os pilotos que possuem apenas um título mundial. Renault (15 vitórias) e Honda (13) foram responsáveis por 28 dos 31 triunfos do piloto inglês. Somados, os motores Renault e Honda obtiveram 155 vitórias nessa fase, número próximo do conquistado pelo Ford Cosworth, que durante vários anos equipou quase a totalidade dos carros que participaram dos grandes prêmios.
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