Equipe Mercedes: um império à beira do abismo na Fórmula 1
Mercedes corre o risco de perder sua hegemonia na F1. Seus dois pilares, Toto Wolff e Lewis Hamilton, ainda não têm contrato para 2021
A equipe Mercedes acaba de conquistar seu sétimo título consecutivo do campeonato mundial de construtores. É o coroamento de um projeto que estabelece a escuderia alemã como a mais bem sucedida de toda a história da Fórmula 1. Na próxima corrida, no dia 15 deste mês de novembro, Lewis Hamilton tem tudo para se sagrar o segundo heptacampeão, igualando o recorde de Michael Schumacher. Mesmo assim, o ambiente em Stuttgart é tenso – não se pode dizer que tudo vai bem.
Os dois pilares desta sucessão de triunfos são o chefe da equipe Toto Wolff, que hoje se ombreia a chefes de equipe mitológicos como Ron Dennis e Frank Williams, e Lewis Hamilton, estatisticamente o melhor piloto de todos os tempos. Em pleno mês de novembro, eles ainda não renovaram seus contratos, que se encerram no dia 31 de dezembro. Não à toa, teme-se pelo que pode ser o fim do império da Mercedes na categoria mais importante do automobilismo mundial.
Não que seja novidade. Já se comentava às claras a estranheza de Hamilton e Mercedes não terem ainda definido o futuro imediato faltando dois meses para o fim do ano. E Toto Wolff comentava com frequência que a hora de dedicar mais tempo à família chegou. E que estaria sentindo o desgaste de estar presente a todas corridas desde 2012, ano em que se tornou diretor executivo da equipe Williams, da qual era acionista desde 2009.
Mas a luz vermelha se acendeu durante a entrevista à imprensa após o Grande Prêmio de Emilia Romagna, em Imola, no último domingo. Perguntado sobre a função que Toto Wolff exerceria na equipe no próximo ano, Hamilton soltou a bomba: “Nem sei se estarei aqui no ano que vem, então essa não é uma das minhas preocupações neste momento”.
Não poderia haver pior notícia para a Mercedes. Juntos, Toto Wolff e Lewis Hamilton ergueram um império para a gigantesca montadora alemã. Desde 2013, quando eles se juntaram à escuderia, a Mercedes venceu 103 de 135 corridas, conquistou 115 pole positions e 71 voltas mais rápidas. Isso sem contar os sete títulos do campeonato mundial de pilotos, seis para Hamilton (até agora) e um para Nico Rosberg.
Hamilton dispensa apresentações. Com 93 vitórias, é o recordista absoluto da Fórmula 1. Mais do que em números, é nas pistas que seu domínio se evidencia. Vencer quando Hamilton está no mesmo grid é apenas um sonho distante para os adversários.
Torger Christian Wolff, ou mais simplesmente Toto, ao contrário, mantém sua vida tão discreta quanto possível. Aos 48 anos, ele detém 30% das ações da equipe Mercedes e 5% da Williams. Seu patrimônio líquido é estimado em 600 milhões de dólares, algo como três bilhões e meio de reais. Ex-piloto amador de sucesso mediano, ele começou sua empresa de investimentos em 1998, com foco na tecnologia dedicada à internet.
Hoje, ele é proprietário de uma rede de lojas que comercializam peças para carros de rali, a BRR Rallye Racing, tem 49% da HWA AG, que faz a preparação dos carros da Mercedes no DTM, o prestigioso campeonato alemão de carros de turismo, e dos GT3 que correm nos campeonatos de Grã-Turismo. E ainda mantém equipes na Fórmula 2 e na Fórmula 3 FIA.
Não satisfeito, ele é também responsável pela equipe da Mercedes na Fórmula E (que estreou na última temporada e já obteve uma vitória) e é sócio do finlandês Mika Hakkinen em uma empresa de marketing esportivo que cuida da carreira de diversos pilotos, entre eles Valtteri Bottas, que corre pela Mercedes na F1, e George Russell, da Williams.
Seu currículo tem particularidades como a de único chefe de equipe a dominar um Grande Prêmio de Fórmula 1 com nada menos de quatro carros. Foi em seu próprio país, a Áustria, em 2014, quando a Mercedes ocupou os dois primeiros lugares, seguida pelos dois Williams. Em 2018, foi campeão de construtores com a Mercedes, de pilotos com Lewis Hamilton, da Fórmula 2 com George Russell, e da Fórmula 3, com Mick Schumacher, que corria com motor Mercedes.
O que estaria por trás dessa incômoda situação? Ao ser informado da resposta de Hamilton, Wolff saiu pela tangente. Disse que estavam todos muito cansados, aliviados da ansiedade que antecedeu a conquista do sétimo título mundial de construtores, mas não conseguiu esconder o constrangimento.
São várias as teorias que tentam deslindar o imbróglio. A primeira delas veio de Nico Rosberg, profundo conhecedor da equipe por onde foi campeão da Fórmula 1 em 2016 e não menos da personalidade de Hamilton, com quem dividiu escuderias desde os tempos em que os dois se digladiavam nas provas de kart.
Para o ex-piloto e atual comentarista da TV alemã, Hamilton não vai assinar enquanto não ficar claro o novo organograma da equipe. Toto pretende se manter na escuderia, mas quer mudar a função. Está decidido a dar mais tempo aos filhos Benedict, de 14 anos, Rosa, de 12 (do primeiro casamento), e Jack, de 3, da união com a ex-piloto Susie Wolff, hoje chefe da equipe Venturi, da Fórmula E.
Seu plano é delegar a chefia a alguém em quem confie – aí parece residir a resistência de Hamilton. Ele quer se certificar de que o novo chefe será alguém com quem poderá manter a relação de grande amizade e confiança absoluta de que desfruta hoje com Toto. O problema é que essa pessoa ainda não está identificada.
Rosberg vê na recusa de Hamilton de se comprometer o temor de que, sem Toto Wolff, a Mercedes siga a espiral descendente que transformaram gigantes de outras décadas em equipes de medíocres a fracassadas. E cita McLaren e Williams. A primeira quando perdeu Ron Dennis; a segunda, quando Frank Williams deu um passo atrás e entregou as chaves à filha Claire. Ambos se revezaram como dominadores da Fórmula 1 nas décadas de 80 e 90 e nunca tiveram sucessores à altura.
Das outras hipóteses, há duas que merecem mais credibilidade. Uma diz que Hamilton gostaria de permanecer na escuderia alemã por pelo menos mais dois anos e a Mercedes propõe apenas um; a outra, que ele se sente atraído pela vida ampla que o automobilismo lhe proíbe.
Seja qual for o motivo, a Mercedes sente hoje a pressão da urgência. Sem Toto Wolff como chefe, mas ainda operando nos bastidores, é possível, até provável, que chegue ao oitavo título de construtores. Sem Hamilton, seus carros ainda parecem ter a superioridade que tem lhe dado essa longa hegemonia. Sem um nem outro, o que o destino lhe reservará?