Estados Unidos e F1: a categoria realiza o sonho americano
Com a confirmação de Las Vegas a partir de 2023, a F1 passa a ter 3 GPs norte-americanos no calendário. Demais?
Que a F1 quer conquistar o mercado norte-americano, isso não é novidade alguma. Isso vem desde o começou da categoria e podemos dizer que não foi por falta de tentativas. Foi inclusão da Indy 500 no calendário, depois dois GPs no ano nos anos 70, realização de prova na então capital automobilística do mundo, Detroit, mudança para Phoenix, depois volta para Indianápolis...
Quando a americana Liberty Media assumiu o comando da F1, ela deixou muito clara a intenção de ser efetiva sim neste mercado tão representativo e que a categoria tinha pouca representatividade. O fiasco dos pneus em Indianápolis 2005 ajudou a piorar a situação. Naquele momento, a F1 estava de volta ao solo americano, em Austin (Texas), em um circuito construído para atender a categoria.
Dentro da estratégia de ampliação e renovação do público, os Estados Unidos ganharam força. A abordagem já foi diferente mesmo em 2017, quando Michael Buffer, famoso mestre de cerimônias de lutas nos Estados Unidos, fez a convocação dos pilotos à pista. Para os padrões da F1 de então, aquilo representava uma revolução.
Com o lançamento do Drive To Survive no Netflix, a coisa estourou. Pode-se discutir muito de como a série é montada, da apresentação, da roteirização..., mas o fato é que abriu um campo para um novo público. Um dos locais mais alcançados foram os Estados Unidos. Os índices de audiência aumentaram bastante nos últimos anos e este foi um dos principais fatores.
Mesmo com tantos outros países crescendo sua participação, o mercado esportivo americano, embora bem consolidado, é um enorme campo de atuação para a F1, ainda mais no automobilismo. A Fórmula Indy, a então grande concorrente, vem em um processo de consolidação de recuperação. A NASCAR, embora seja turismo, traz o grosso do público e vem também procurando se reinventar para mantê-lo e renová-lo.
Não à toa, a F1 buscou a organização de mais uma prova no país. O foco foi Miami. Diz-se que uma ligação com Stephen Ross, o dono do Miami Dolphins (Futebol Americano) e do Hard Rock Stadium, foi que motivou este esforço que vem desde 2018. Na verdade, o multimilionário tentou fazer uma oferta juntamente com o Catar e um fundo de investimento para comprar a F1 e não aconteceu. Então, a Liberty Media, que tem interesses firmes no ramo esportivo, se juntou a este projeto numa espécie de “compensação”, que estaria sendo totalmente bancado por Ross (cerca de US$ 40 milhões/ano).
Após vários obstáculos ultrapassados junto à comunidade e governo local, a prova foi aprovada e um acordo de 10 anos foi firmado. Mas não é somente o lado financeiro. Como bem lembrou André Duek, empresário e narrador esportivo, Miami é a cidade mais internacionalizada dos EUA e tem grande tradição esportiva, por sediar eventos como o Miami Open e ter times competitivos nos diversos esportes locais.
Las Vegas foi um passo mais ousado nesta ampliação no mercado americano. Os resultados de público em Austin motivaram a dar este passo. E a mais nova prova da categoria está sendo inteiramente pela F1 juntamente com outra subsidiária da Liberty Media, a Live Nation, o órgão local de promoção de turismo e os principais hotéis da cidade. O custo será alto, porém o ganho pode ser enorme...
Não podemos ignorar que esta situação é mais um movimento da F1 para sua verdadeira internacionalização. A F1 tem o seu centro nervoso na Europa e este movimento de “deseuropeização” vinha em uma expansão nos últimos anos. Afinal, é um espaço totalmente consolidado e a possibilidade de ampliação de ganhos era cada vez mais reduzido. A expansão para Ásia e Oriente Médio foi no sentido de faturar mais.
Dentro disso, a ampliação do número de provas nos Estados Unidos, além do ganho financeiro, acaba por dar mais um passo na adoção do “campeonato geograficamente agrupado”, de maneira a reduzir a questão de deslocamentos e atacando o maior gerador de pegadas de carbono da categoria. Atualmente, em uma análise preliminar, teríamos 5 de 24 etapas (considerando o limite oficial do regulamento atual). Ou seja: mais de 20% do calendário estaria agrupado.
Sem contar que hoje os EUA têm peso na categoria de outra forma: 33% da área de corrida da McLaren e o controle da Williams são controlados por fundos de investimentos americanos; A Haas, embora não pareça, é um time americano (sua sede fica na Carolina do Norte). Sem contar que o mercado americano é importantíssimo para Ferrari e Mercedes.
Pelo lado econômico, o ataque da F1 é totalmente compreensível. Afinal, os EUA são quase territorialmente equivalentes a Europa, que hoje tem 12 provas do calendário (mais de 50% do atual). Por este aspecto, 3 etapas seriam até pouco.
Não podemos esquecer que a F1 é um campeonato mundial. Ainda falta a volta à África para poder marcar e confirmar este aspecto. A ampliação deve ser vista como algo positivo, porém a não a qualquer custo. Embora sabemos que a F1 mantém em seu DNA o lado mercantil.