Ferrari pode desfazer longo casamento. E isso não é ruim
Após 47 anos, a equipe italiana pode dar adeus à Phillip Morris. Mas pode não ser algo necessariamente ruim. Entenda
Um tempo atrás, este espaço abordou que a Ferrari pode sim ter motivos para acreditar em um 2022 melhor. O time fez uma escolha por consolidar a grande mexida que fez em 2020 e focar em um “retorno triunfal” com o próximo regulamento. Mas tem um aspecto interessante que pode fazer também os carros voltarem a ter um vermelho “original”.
Como empresa, a Ferrari vai muito bem, obrigado. É dona de uma das marcas mais valiosas do mundo e de uma das maiores margens de lucro da indústria automobilística. Como todo o setor, sentiu a pandemia, mas seu faturamento seguiu na casa das centenas de euros. Mesmo assim, não dorme sobre os louros e se joga com força na era elétrica, que deve começar em 2025. Para entrar nesta nova fase, nomeou um CEO que não tem nada a ver com automóveis: Benedetto Vigna, um físico de 52 anos vindo da área de TI.
Na área de competições, a Ferrari tem a F1 como carro chefe, mas também começou a atuar com mais força nos GTs. E com a entrada do teto orçamentário a partir desta temporada, mesmo com um prazo maior de 6 meses para de adequar, os italianos tiveram que fazer uma boa ginástica. Oficialmente, não abrem o quanto é gasto com a operação de F1, mas se estima um valor de US$ 400 milhões, já englobando a área de motores. Considerando um valor de US$ 145 milhões só com a equipe, o tamanho do corte seria grande....
Parte da área técnica foi transferida para a Haas dentro de um espaço dentro de sua Sede, em Maranello. A área de GT foi reforçada, com a confirmação da entrada no WEC/IMSA dentro do novo regulamento e prevê a volta para as 24 Horas de Le Mans a partir de 2023. Não está claro ainda se houve o enquadramento nos limites. Mas a situação parece sobre controle...
Pelo lado dos acionistas, isso é uma boa notícia. Em um momento em que se necessita fazer grandes investimentos em novas linhas de produtos, podendo liberar mais dinheiro para isso, maravilha. E com a operação necessitando menos de dinheiro e o próprio negócio gerando recursos para se custear, cai também a necessidade de obter patrocínios a qualquer custo. Aí entra o mote do texto.
A Phillip Morris International (que muita gente entende por Marlboro) tem um acordo com a Ferrari desde 1974. É o patrocínio mais longo da história da F1. Mas só passou a aparecer efetivamente de alguma forma em 1981 e nos carros em 1984. A partir da década de 90, passou a ser a patrocinadora principal, inclusive entrando na denominação oficial do time. Mesmo com a crescente proibição à exibição de marcas de cigarro, estima-se que o presente acordo entre as partes está em US$ 70 milhões/ano.
O contrato vigente termina no final deste ano. E muita gente dos dois lados vem questionando sua continuação. Embora a Phillip Morris tenha escolhido desde 2018 usar a marca Mission Winnow (que fabricava bateria e periféricos para cigarros eletrônicos e agora é vendida como uma “iniciativa para a discussão de ideias para o progresso humano”), vários países proibiram a sua veiculação graças à politica de vários países de igualar o cigarro eletrônico ao cigarro convencional. Por este motivo, a marca foi veiculada poucas vezes nos carros até então.
Não ter marca nenhuma nos carros não é novidade alguma, pois isso já aconteceu. Entretanto, com o custo da operação reduzido, a Ferrari não tem mais a necessidade de um patrocínio deste tipo. Longe de dizer que a situação vai mal. O time fechou um acordo com a Amazon Web Services e busca aumentar o espaço. Embora não se feche a porta para uma possível renovação, haveria todo caso uma calibração da participação da tabaqueira. E isso poderia inclusive impactar na cor usada nos carros. Como lembra o jornalista Dieter Rencken, do site RaceFans, a Ferrari tem usado um “vermelho Marlboro” nos últimos anos até como forma de marcar a presença da Phillip Morris como parceria do time. Uma mudança no relacionamento poderia significar a aparição de tons diferentes de vermelho, como vimos até a década de 80 e até mesmo no SF1000 comemorativo dos 1000 GPs em Mugello/2020.
Em tempos de “disrupção criativa”, a Ferrari pode dar este passo muito significativo para representar esta nova fase da empresa e da F1. Ambos são ligados de forma umbilical e um sinal deste tipo dado por uma entidade do peso do time italiano dá um significado diferente à realidade, mesmo com todos os paradoxos que a categoria máxima nos dá a todo momento. Por isso, acabar com um casamento de quase 50 anos pode não ser algo necessariamente ruim...