Las Vegas: o que está por trás da nova aposta da F1
Com terceira corrida nos EUA, F1 aposta suas fichas na cidade dos cassinos para se consolidar de vez no maior mercado do mundo
A Fórmula 1 confirmou que voltará a correr em Las Vegas, EUA, a partir de 2023. A nova etapa, que recebe o nome da cidade, se soma aos GPs dos Estados Unidos, realizado em Austin, no Texas, e ao de Miami, Flórida, que fará sua estreia em maio próximo. Com isso, o país da América do Norte passará a ter três corridas por ano, se descolando da Itália como o país com mais corridas por temporada.
A corrida será realizada na noite de sábado, no horário nobre da TV americana. A época do ano também foi escolhida a dedo: o evento acontecerá em novembro. Ainda não há confirmação do dia exato, mas informações extraoficiais dão conta de que será no tradicional feriado de Ação de Graças.
A badalada noite de Las Vegas verá os carros da F1 passando por suas largas ruas e avenidas. O circuito de rua terá traçado de 6,12 km e 14 curvas, e tem a Las Vegas Strip como maior reta. Trata-se do iluminado boulevard que concentra os principais cassinos e hotéis da cidade.
A escolha por Las Vegas, terra da jogantina, não poderia ser mais simbólica: trata-se de uma aposta pesada da F1 para obter ganhos vultuosos. O prêmio? A consolidação definitiva da categoria nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo.
EUA são prioridade para a F1. E não é de hoje...
Alavancar a audiência nos Estados Unidos é um sonho de longa data da Fórmula 1. O país chegou a receber duas corridas por ano entre 1976 e 1984. Em 1982, foram nada menos que três provas: Dallas, Long Beach e justamente em Las Vegas, à época, em um enfadonho circuito construído no estacionamento do hotel Ceasar’s Palace.
Entre os anos 70 e o começo dos anos 90, além dos locais já citados, a F1 passou ainda por Watkings Glen, Detroit e Phoenix. Depois, já nos anos 2000, a tentativa foi de se estabelecer no tradicionalíssimo circuito de Indianápolis, com um traçado que utilizava parte do oval clássico. A F1 ficou longe da terra do Tio Sam por alguns anos, até voltar em 2012, no então novo Circuito das Américas, no Texas, onde segue até hoje.
No entanto, apesar da presença insistente nos EUA a categoria nunca caiu no gosto do público americano como era esperado (e sonhado) pela gestão Bernie Ecclestone.
Veio, então, a Liberty Media. Os novos donos da Fórmula 1, americanos, colocaram o crescimento no país no topo da lista de prioridades. A manutenção do GP dos Estados Unidos no Texas foi a primeira e mais óbvia medida. Mas era preciso mais.
A Liberty firmou um acordo com a Netflix, que deu origem à popular série Drive To Survive. E aí a coisa começou a mudar de figura. A série, trazendo uma linguagem didática, humana e dramática para os bastidores da Fórmula 1, estourou a bolha da categoria. Foi um sucesso global, e isso se refletiu na audiência das corridas – inclusive nos EUA.
Audiência em alta
O número de espectadores nos Estados Unidos tem crescido a olhos vistos. Segundo o portal Sports Media Watch, a audiência média na TV a cabo em 2021 foi de 934 mil pessoas por corrida. Em 2020, foram 604 mil. Um aumento de expressivos 54% de um ano para outro. O recorde anterior era a já distante temporada de 1995, com média de 748 mil.
Ao final da temporada de 2021, sete das 10 corridas de Fórmula 1 mais vistas na TV a cabo nos EUA em todos os tempos eram daquele ano. E a tendência segue em 2022: os recentes GPs do Barein e da Arábia Saudita já tiveram um púbico ainda maior que qualquer prova do ano passado, ficando atrás apenas do GP do Brasil de 1995 no ranking histórico.
Audiência boa não apenas na TV, mas também in loco. A etapa do Texas de 2021 registrou o maior público em um fim de semana na história da Fórmula 1. Somando-se os três dias de atividades, 400.000 pessoas giraram as catracas do Circuito das Américas.
Os números não mentem: interesse do público americano pela F1 está em alta. Portanto, se há um momento para a categoria fincar o pé nos Estados Unidos de uma vez por todas, é agora.
Surfando na onda
O plano de aumentar a participação no país passa pelo aumento da quantidade de corridas locais. Com a manutenção da GP dos EUA no Texas em novembro, a categoria voltou os olhos para o outro lado do país.
Em 2022, pela primeira vez, a F1 corre na Flórida. O GP de Miami será realizado em maio, em circuito construído no estacionamento do estádio Hard Rock. A ideia é aproveitar o calor no litoral sul do país e atrair o público da costa leste.
Com uma corrida na parte inicial da temporada e outra na parte final, a direção da F1 espera manter o interesse do público americano pelo esporte ao longo do ano inteiro.
Apostando todas as fichas
A grande jogada para se consolidar no mercado americano, no entanto, não é o GP de Miami. Ele é, sim, importante na estratégia, mas o grande pulo do gato deve ser o agora confirmado GP de Las Vegas.
Isso porque o evento se mostra moldado ao público americano como a categoria jamais fizera. A escolha por fazer uma corrida no sábado à noite, no horário nobre da TV americana, no meio de um feriado nacional (a confirmar) e numa das cidades mais atrativas para turistas domésticos foi quase como um chamado aos americanos. É como se a categoria gritasse: “Me assistam! Pode ser por TV, pela internet, ou aproveitar o feriado e vir até Vegas, mas me assistam”.
Fazer uma corrida noturna na costa oeste dos Estados Unidos significa que, pela primeira vez na história, o público europeu foi colocado em segundo plano. Se a corrida for às 19h30 de Las Vegas, horário em que foi feito o anúncio oficial, serão 03h30 em Londres e 04h30 em boa parte do restante da Europa.
O padrão da F1 é que corridas em países fora da Europa se adaptem aos horários do velho continente. Por isso tantas corridas noturnas na Ásia, como Singapura, Bahrein, Catar, Abu Dhabi e Arábia Saudita. Fazer os europeus se adaptarem ao horário americano é uma mudança de paradigma para a categoria.
É a prova de que a aposta nos EUA é alta. E Las Vegas é a mais valiosa de todas as fichas postas à mesa. Se bem executada, a jogada ousada pode se mostrar uma sacada de mestre. Se conseguir fazer o que Bernie nunca conseguiu e consolidar a F1 como um esporte popular nos EUA, a Liberty terá vencido o jogo – e poderá coletar muitas outras fichas...