Mazepin, o chernomacho, coloca slogan da F1 em cheque
Piloto da Haas para 2021, o russo Nikita Mazepin divulgou vídeo em que apalpa uma mulher; equipe alega que trata do assunto internamente
Boy lixo, boy tóxico, macho Chernobyl, chernomacho: os termos variam, mas a tradução é a mesma – é a espécie do sexo masculino que trata mulheres de forma abusiva, utilizando-se de momentos de fragilidade dela, e normalmente fazendo isso de forma a parecer um homem “fofo”.
O piloto Nikita Mazepin redefiniu o termo chernomacho: a alcunha lhe cai bem, já que ele é da Rússia, a maior das repúblicas soviéticas, e foi na antiga União Soviética que o maior acidente nuclear da história aconteceu. Mas Mazepin, que divulgou por conta própria um vídeo em que aparece apalpando os seios de uma mulher, aparentemente alcoolizada, passou alguns graus na escala chernomacho para surgir apenas como assediador.
Com 21 anos, recém-anunciado como piloto da Haas para a temporada de 2021, Mazepin deve ter achado divertido publicar o vídeo do assédio, talvez para ganhar notoriedade com seus amigos, mas calculou mal a reação da plateia. Afinal, ao abraçar a carreira de piloto, o jovem deixou de ter apenas seu círculo de amigos na audiência e passou a ser escrutinado pela aldeia global.
A reação foi imediata e indignada. Postado na noite de terça-feira, 8 de dezembro, o vídeo rapidamente alçou Mazepin à condição de termo mais comentado na rede social Twitter. Em poucas horas, além do nome do piloto, estavam entre os mais populares termos como We Say No To Mazepin, Fuck Mazepin e Hates Mazepin.
A contrarreação também não tardou: algumas horas depois de postar o vídeo, o piloto emitiu uma nota de desculpas pelo comportamento inapropriado, lamentando principalmente o constrangimento que causou à equipe Haas, além de demonstrar consciência de que precisa se manter em alto padrão “como piloto de Fórmula 1”.
Vamos solenemente ignorar o raciocínio tortuoso pelo qual Mazepin encontra lógica em se desculpar por ser piloto de Fórmula 1, não porque este simplesmente é um comportamento condenável para qualquer ser humano.
Mas há uma lógica irrefutável na preocupação de Mazepin, filho de um bilionário russo do ramo de mineração que está injetando muito dinheiro na Haas para garantir esse assento. Preocupar-se com a repercussão junto à equipe é jogar o jogo das atividades públicas atuais. Seja qual for o ramo, o dano à imagem de uma marca pode ser um prejuízo difícil de recuperar.
Ainda mais em um tempo no qual a Fórmula 1 parece querer aproximar-se de pautas identitárias (raça, gênero etc.). O slogan da categoria, desde o começo do ano, é “We race as one”, ou seja, “Corremos como um só”. O símbolo, um arco-íris formado pelas cores das dez equipes. Quando um grupo pretende abraçar pautas identitárias, a prática precisa caminhar em direção à inclusão, ao respeito e à educação de seus membros.
Ostentar tal slogan e tolerar um comportamento de assédio soaria, no mínimo, como hipocrisia. Isso sem falar no aspecto mercadológico, em um momento no qual a Fórmula 1 busca aumentar sua audiência, inclusive atraindo o público feminino que, durante muitos anos, foi basicamente ignorado pela categoria.
A resposta da equipe veio na quarta-feira mesmo, algumas horas depois da postagem. O hiato entre o vídeo de Mazepin e a declaração da Haas suscitou algum desconforto por parte da plateia. Mais ainda, o fato de que a própria Fórmula 1 levou mais de 24 horas para se manifestar contra a atitude do russo.
O evento foi comparado, em situação oposta, à rapidez com que a Fórmula 1 reagiu à camiseta-protesto de Lewis Hamilton no GP da Toscana, pedindo a prisão dos policiais que assassinaram a norte-americana Brionna Taylor. Naquela ocasião, reação célere e ameaça de punição a Hamilton. Desta vez, longo intervalo e respostas protocolares.
Em uma postagem em suas redes sociais, a Haas condenou a atitude de Mazepin, e disse que trataria do tema internamente. A Fórmula 1 e a FIA, já na quinta-feira, emitiram um comunicado dizendo que princípios éticos e diversidade são de “máxima importância” para a categoria e para a entidade que regula o esporte.
Mazepin, ao postar o vídeo, somou mais um evento lamentável a uma carreira já extensa de encrenqueiro. Neste ano, em outra postagem nas redes sociais, o russo parabenizou o coronavírus, calculando que aquela data seria a do primeiro contágio, na China. Detalhe: Robert Schwartzman, outro piloto russo que disputou a Fórmula 2 em 2020, como Mazepin, perdeu o pai neste ano em decorrência de complicações de Covid-19. Em outra ocasião, também nas redes sociais, Mazepin foi questionado por um seguidor sobre como lidar com insultos racistas e respondeu com um singelo “o mundo é assim”.
Fora das redes sociais, o garoto-problema não melhora muito. Pelo contrário. Já deu soco no inglês Callum Ilott, em 2016, durante a temporada de Fórmula 3. Na Fórmula 2, neste ano, recebeu diversas punições por atitudes na pista, demonstrando que o destempero nas palavras pode ser ainda pior em seus gestos.
A carreira de Mazepin está só começando na Fórmula 1, mas suas atitudes podem ser um ponto de inflexão importante para a categoria. Se ele insistir em ser esse protótipo de ogro assediador insensível que tem demonstrado, talvez o esporte tenha a chance de mostrar que o slogan e o arco-íris não são apenas para inglês ver.