Não haverá outro Senna. E não é pelo que você está pensando
Depois da chegada das redes sociais, ninguém mais terá a chance de controlar sistematicamente a própria imagem e de ser uma unanimidade
Nenhuma comoção pela morte de uma celebridade que eu tenha visto foi maior que a de Ayrton Senna. Nenhuma jamais será. E essa afirmação não tem nada a ver com Senna em si, e sim com os novos tempos em que vivemos.
Senna era quase uma unanimidade no Brasil: em um tempo no qual o futebol da seleção patinava, ele ganhava títulos. Sempre é bom lembrar que os oito títulos do Brasil na Fórmula 1 (dois de Emerson Fittipaldi, três de Nelson Piquet e três de Senna) aconteceram no intervalo entre o tri (1970) e o tetra (1994).
Mais do que ganhar títulos, Senna reabilitava no povo o orgulho de ser brasileiro. Sua relação com a bandeira brasileira foi um capítulo à parte na construção de sua imagem de herói.
A comoção pela morte de Ayrton Senna aconteceu por uma soma de fatores: jovem, em plena atividade, de forma trágica, ao vivo, na sala da casa das pessoas. Era o herói obstinado que orgulhava corintianos e palmeirenses, vascaínos e flamenguistas.
Senna foi hábil em construir uma imagem e expor essa imagem de forma sistemática. Hoje, nem o próprio Senna renderia uma comoção como a que se viu em 1994, porque ele não seria exposto só no que o tornava herói.
Certa vez, início de 1992, a Fórmula 1 se preparava para a estreia de uma mulher na categoria (Giovanna Amati), depois de muitos anos. Perguntado em uma coletiva o que achava do fato, Senna respondeu, brincalhão: "Mulher ao volante, perigo constante".
Fosse hoje, já atrairia a ira feminina/feminista.
Em 1989, a então prefeita de SP, Luiza Erundina, no PT, promoveu a reforma do autódromo de Interlagos, que voltou a receber a Fórmula 1 em 1990. Senna deu palpite no novo traçado, esteve na prefeitura, deixou-se fotografar abraçando Erundina.
Fosse hoje, seria chamado de comunista.
Em compensação, em 1992, Senna apoiou a candidatura de Paulo Maluf à Prefeitura. Foi almoçar com o político na casa deste, no Jardim América. Comeram, segundo Maluf, "arroz, feijão, verdura e salsicha". Senna saiu cantando pneu em um de seus carrões esportivos.
Fosse hoje, seria chamado de playboy fascista.
Hoje, com a exposição exacerbada de tudo o que se faz, ninguém está a salvo de ser julgado pelo que faz, pelo que diz, pelo que não faz, pelo que não diz. Não é por Senna, é por esse tribunal permanente – que sempre acaba turvando imagens – que nunca haverá uma comoção como aquela.
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