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Opinião: marketing pessoal de Piquet é um desastre

Nelson Piquet disse "Globo lixo" num programa ao vivo da Band e ofuscou seus próprios feitos como tricampeão da Fórmula 1

30 mar 2021 - 17h07
(atualizado às 20h09)
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Piquet na Band: “Fico feliz de ver vocês aqui, Band aí… pra fazer Fórmula 1, né... largou… largou essa Globo lixo, né?”
Piquet na Band: “Fico feliz de ver vocês aqui, Band aí… pra fazer Fórmula 1, né... largou… largou essa Globo lixo, né?”
Foto: Band / Reprodução

Desde domingo (28) um dos assuntos mais comentados no meio do automobilismo é a participação de Nelson Piquet na estreia da Band na cobertura da Fórmula 1. O tricampeão revelou algumas artimanhas que usava na pista, com toda sua genialidade, para conseguir ser mais rápido do que o então bicampeão Niki Lauda na Brabham-Alfa Romeo, em 1979. Mas nada disso repercutiu muito e sim sua frase logo no início da entrevista no estúdio: “Fico feliz de ver vocês aqui, Band aí… pra fazer Fórmula 1, né... largou… largou essa Globo lixo, né?”

A repercussão foi imediata. Na boca de um tricampeão mundial, ao vivo, perante três ex-funcionários da Globo, a frase de Piquet criou uma saia-justa no estúdio da Band. Elia Junior disse: “Ah, não…” A apresentadora Glenda Koslowski, rindo, disse “lá vem”, enquanto os demais sorriram sem graça e mudaram de assunto. Nelson Piquet tem o direito de xingar uma emissora estando em outra? Claro que tem. Para muitos, o velho tricampeão estava apenas sendo “autêntico”, uma de suas marcas registradas.

Direito tem, é claro. Mas sua postura não foi bem aceita em muitos setores. No Twitter fiz uma enquete com minha pequena bolha: “Nelson Piquet agiu corretamente ao dizer Globo lixo ao vivo na Band?” A resposta foi “sim” para 30,4% e “não” para 69,6%. Mas o assunto foi além. Um dos que votaram “sim” foi o Prof. Dr. Rafael Duarte Venâncio, acadêmico da área de Comunicação e fã de automobilismo: “Falar GloboLixo sempre foi um posicionamento político... antes era de esquerda, hj é de direita... o fato é que a Globo errou muito com o produto F1 e a F1 na Band mostrou que a culpa era da chefia máxima e não dos profissionais... crítica do Piquet é válida”.

Enquete com minha bolha no Twitter: quase 70% desaprovaram a fala de Piquet.
Enquete com minha bolha no Twitter: quase 70% desaprovaram a fala de Piquet.
Foto: Sergio Quintanilha / Twitter

Neste texto, não quero entrar no mérito se Piquet agiu certo ou errado do ponto de vista político ou mesmo da crítica à TV Globo. Enquanto foi o único piloto vencedor do Brasil na Fórmula 1, Piquet teve muita atenção por parte da Globo nas coberturas. Mesmo quando ele ganhou por duas vezes o "Prêmio Limão”, concedido por jornalistas internacionais ao “piloto mais azedo” da F1, a Globo o tratou com carinho e respeito. Em seguida, a própria Globo deu destaque ao fato de Nelson Piquet ter revertido sua imagem e ganhar dos mesmos jornalistas do “Prêmio Laranja” como “piloto mais doce” do grid.

Quando Ayrton Senna chegou à Fórmula 1, entretanto, a Globo passou a dar preferência ao novo ídolo. Até 1987, quando Piquet manteve-se competitivo, à frente de Senna, ganhando seu tricampeonato mundial contra tudo e contra todos, a cobertura nas corridas foi correta. Mesmo nos programas pré e pós GPs, Nelson teve atenção relevante da Globo. Mas era sabido que ele não gostava das narrações de Galvão Bueno, que, por outro lado, não escondia sua preferência a Senna.

A partir de 1988, quando Ayrton passou a ganhar tudo e Nelson passou a sofrer com carros ruins, a cobertura da Globo assumiu seu lado “sennista”. O Brasil já estava dividido entre “sennistas” e “piquetistas”. Aos poucos, Nelson foi colocado na geladeira na programação da Globo, enquanto Ayrton teve enorme apoio global em sua escalada como “maior ídolo nacional”. Nos últimos anos, repetidos documentários mostravam as vitórias de Senna, ignorando as de Piquet e também as de Emerson Fittipaldi. No início da pandemia de coronavírus, em 2020, a Globo chegou a exibir o replay de dois GPs inteiros com vitória de Senna. Nenhuma vitória de Piquet foi mostrada, embora houvesse espaço para isso, pois todos os esportes estavam paralisados.

Nelson Piquet, certamente, foi à forra neste domingo, na Band. Ou então aproveitou para marcar uma posição política, que tem no bordão “Globo lixo” um de seus “gritos de guerra”. Acho que não precisava. Com quase 70 anos, três títulos mundiais nas costas, milhares de entrevistas, vários filhos pilotos e grande experiência também como empresário, Nelson Piquet não é mais inocente na arte do marketing pessoal.

Nos anos 70, quando ganhava corridas de Fórmula 3 na Inglaterra e não tinha assessoria de imprensa, Nelson Piquet ficou (com razão) magoado porque seu rival, Chico Serra, tinha mais espaço nos jornais do que ele. Baby Pacheco Jordão, mãe de Chico, era a sua assessora de imprensa. Fazia um trabalho incansável de divulgação dos feitos do filho. Mas isso foi há mais de 40 anos. O próprio Piquet depois passou a ter colunas assinadas em jornais e revistas, mas não era ele quem fazia os textos e sim seu amigo e assistente Carlos Cintra Mauro, o Lua.

Nelson Piquet se dá bem com a maioria dos jornalistas. Sempre rende conversas agradáveis e boas entrevistas para quem sabe conversar com ele. Mas, neste caso da Band, ao dizer “Globo lixo”, Piquet foi deselegante e inconveniente. Errou o ponto de freada da língua. Poderia ter saído de forma elegante, por cima. 

Por exemplo: “Fico feliz de ver a Fórmula 1 aqui na Band, pois na Globo era uma droga, nem todos os campeões tinham o mesmo espaço”. Ou: “A vinda da Fórmula 1 à Band é muito boa porque aqui, ao contrário da Globo, a categoria vai ter mais espaço”. Ou ainda: “Já não era sem tempo a Fórmula 1 ter vindo para a Band. Na Globo ela já não estava sendo tratada da forma como merece”. Ou mais esta outra: “Espero que aqui na Band a cobertura da Fórmula 1 não tenha erros técnicos, porque na Globo essa parte era uma porcaria”. Também poderia simplesmente ter ignorado a Globo; nada dói mais do que o desprezo.

Há formas de criticar. Não é preciso “media training" para se expressar bem, com tanta experiência à frente das câmeras. Até mesmo algumas palavras que saem naturalmente, como “porcaria”, “droga” ou mesmo algo como “a cobertura na Globo, tecnicamente, era uma merda” soaria melhor. Poderia ser criticada, mas seria entendida como uma expressão legítima da autenticidade de Piquet. Ter falado “Globo lixo”, entretanto, foi encampar uma frase que não é sua. É uma frase “lacradora”, que joga no mesmo balaio 40 anos de cobertura do esporte e centenas de programas que valorizaram a arte e a cultura brasileira, milhares de reportagens sobre a Fórmula 1. É uma frase que tenta calar uma mídia por aqueles que a consideram inconveniente.

Houve uma ocasião em que Nelson deixou o repórter Marcelo Courrege constrangido ao ser perguntado sobre quem ganharia o GP do Brasil, como contou a revista Veja SP em 2017:

Sentado em uma mesa, Piquet se fez de desentendido na entrevista exibida ao vivo no Jornal Hoje e respondeu  quatro vezes: “ãh?” e, depois, em inglês:”what?”, como se não soubesse do que se tratava.

Na maior saia-justa, o repórter continuou com o microfone em punho e, então, Piquet finalmente deu seu palpite: “Nico! Nico! Nico!”.

Ao voltar a transmissão para os estúdios, Galvão Bueno defendeu o ex-piloto. “Você pode ter se assustado, Courrege, porque você não chegou a acompanhar o dia a dia do Piquet, como eu e o Reginaldo (Leme). Mas esse é Nelson Piquet no estado puro de Nelson Piquet”, disse o narrador. 

Mais uma vez o Twitter reagiu com críticas.

Reação do Twitter quando o repórter Marcelo Courrege ficou em situação constrangedora.
Reação do Twitter quando o repórter Marcelo Courrege ficou em situação constrangedora.
Foto: Veja SP / Twitter

Nelson Piquet é um campeão melhor do que parece. Nelson Piquet provavelmente é uma pessoa melhor do que aparenta. Nelson Piquet não deve nada a ninguém, nunca precisou de assessoria de imprensa para ser o ídolo que é. Tudo isso é verdade. Mas também é verdade que seu marketing pessoal é um desastre. Ok, ele não está nem aí para isso. Pena. Como piloto, ele foi Nelson Piquet, um dos maiores de seu tempo e de todos os tempos. Na pilotagem de seu marketing pessoal, porém, é tipo um Eliseo Salazar no GP da Alemanha de 1982.

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