Porque a reclamação da Mercedes sobre Abu Dhabi já deu certo
Embora pareça choro de perdedor, a decisão de reclamar pode detonar uma discussão adiada há tempos sobre as regras da F1
Depois de domingo, estamos vendo uma série de textos, vídeos e muitos posts nas redes sociais tratando de tudo que aconteceu em Abu Dhabi após a batida de Nicholas Latifi. E se questiona muito a posição da Mercedes sobre o que aconteceu.
Inicialmente, tendi a não dar a importância ao fato. Julguei até mais importante a questão das “aceleradas” do Verstappen na relargada e até o movimento de defesa após a última ultrapassagem. Mas ao ver as alegações e tudo que está envolvido no processo, a situação mudou de visão.
Não mudo o que escrevi sobre a situação do Michael Masi e não se pode diminuir o que fez Verstappen ao longo da temporada. Até fiz uma coluna aqui no Parabólica torcendo pela sua conquista, embora seja um fã de Lewis Hamilton. Mas vamos à questão da Mercedes...
A equipe fez uma aposta em manter Hamilton na pista durante o período do Safety Car contando que não teria tempo de concluir os serviços de limpeza da pista e rearranjo do grid para a relargada. Neste caso, ela tem como principal argumento que o artigo que trata sobre o uso do Carro de Segurança, que são os tão citados 48.12 e 48.13, tão citados e mostrados em sites e redes sociais.
Quando questionados formalmente, os Comissários rechaçaram a reclamação, dizendo que o Artigo 15.3 do Regulamento Esportivo da F1 dá poderes para o Diretor de Prova ter poderes sobre o uso do Carro de Segurança.
Aí também entra em cena outro aspecto. Segundo se diz, Michael Masi fez um acordo verbal com os pilotos e Chefes de Equipe antes da prova de que o GP não terminaria sob bandeira amarela. Diante do acontecido, Masi tentou manter o acordado. Entretanto, no afã de acertar, o procedimento não foi cumprido ao pé da letra, o que está causando toda esta situação.
A questão é: o regulamento não consegue prever todas as situações que acontecem na pista e o Diretor de Prova tem a liberdade de decidir. Entretanto, não pode ser Deus. E uma das coisas tão questionadas nos últimos tempos e, especialmente este ano, é a uniformidade. Em relação ao realinhamento, o próprio Masi procedeu de forma diferente no GP de Eiffel em 2020, reajustando todo o grid sob o regime de Carro de Segurança. Sem contar a posição em Baku, onde deu uma bandeira vermelha faltando 2 voltas para o fim.
Este texto foi escrito originalmente sem saber se a Mercedes iria apresentar apelo no Tribunal de Apelações da FIA. Neste momento, já se sabe que resolveu não seguir adiante. Mas o mal-estar criado já faz seus resultados...
De saída da FIA, Jean Todt propôs uma revisão de tudo que aconteceu a partir do incidente da volta 53 no GP de Abu Dhabi e propor uma série de modificações de modo a esclarecer o entendimento e evitar que ‘mal-entendidos” aconteçam. De certa forma, não deixa de ser uma certa assunção de erro por parte da FIA e Todt meio que deixa a bomba para seu sucessor, que será escolhido na próxima sexta, dia 17.
A declaração feita pelo Conselho Esportivo é uma bela peça executada por advogados e políticos. Foi feita de modo a abrir uma janela de entendimento com a Mercedes que, desde domingo, não fala nada. Os únicos atos que tomaram foi dizer que apelariam da decisão dos comissários (e tem até quinta, dia 16, para confirmar) e não liberar seus carros para as fotos e a cerimônia de premiação da FIA, que acontecerá na quinta, dia 16, em Paris. O prazo para a confirmação do apelo vencia quase junto ao início da cerimônia....Porém optou por aceitar a situação e colaborar com a investigação dos fatos.
A Mercedes tinha um belo prato em suas mãos. E bons argumentos. Além do Regulamento Esportivo da F1 já decantado em verso e prosa, ela ainda poderia citar a letra c, do item 11.10.3, que fala sobre a sobreposição do papel do Diretor de Prova sobre o Delegado da Prova e diz “ a interrupção de treino ou suspensão de prova de acordo com os regulamentos esportivos se considerar que é inseguro para continuar e garantir que o correto procedimento de relargada seja conduzido (grifo nosso)” . Sem contar o 11.10.4, que prevê “se for necessário para seus deveres e responsabilidades sejam diferentes do que é citado acima, estes deveres deverão ser postos nas relevantes regulações esportivas” .
Em todo caso, entrando ou não com recurso ou até mesmo que este seja negado, uma discussão séria que vem sendo evitada há tempos deve vir à pauta graças a Abu Dhabi: a revisão dos regulamentos esportivos. A cada ano, vários adendos são feitos e, não é raro, o que resolve uma coisa acaba criando problema em outras. Sem contar as inúmeras “zonas cinzas” que existem, fazendo a alegria de advogados.
Uma das desculpas era a antiga governança da F1 e da própria FIA que impediam este tipo de discussão. Este ano, o assunto foi até citado, mereceu algum pouco espaço em sites, mas entrou no final da fila. Talvez o GP de Abu Dhabi possa ter ajudado a detonar um processo que já deveria ter sido feito antes. Hoje, o Regulamento Esportivo da F1 é um grande edifício cheio de remendos e que agora, deu um sério aviso de iminente desabamento. Ainda mais quando o responsável peço prédio acaba usando de métodos “diferentes” para a manutenção...
Por este motivo, a estratégia da Mercedes já tenha valido a pena. Embora não nos iludamos que seja por puro desprendimento e espírito esportivo... Embora o Campeonato de Construtores seja de onde sai o dinheiro da premiação, o marketing gerado pelo Campeonato de Pilotos é muito maior. Em uma estrutura onde milhões de dólares são gastos e uma série de situações devem ser discutidas prestadas contas com acionistas, Conselhos etc. No final, o esporte fica em segundo plano. Mas, no final, o processo pode ser positivo.
Uma provocação no fim: Será que se fosse com a Red Bull, teríamos esta mesma intensidade de discussão? Cartas para a Redação.