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Eleição municipal: Visão sobre como políticas públicas devem ser executadas é boa régua para decidir voto

A compreensão do candidato sobre o que é uma política pública, seus fins e o seu processo de formulação diz muito sobre os propósitos e o modo de fazer e pensar a política dos candidatos.

4 set 2024 - 08h41
(atualizado em 6/9/2024 às 10h53)
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Padre Julio Lancellotti, numa ação de doação de alimentos para moradores de rua: Projeto de Lei que visava proibir essa prática - que é garantida pela Constituição - chegou a tramitar na Câmara Municipal de São Paulo. Roberta Aline / Ministério do Desenvolvimento Social, CC BY
Padre Julio Lancellotti, numa ação de doação de alimentos para moradores de rua: Projeto de Lei que visava proibir essa prática - que é garantida pela Constituição - chegou a tramitar na Câmara Municipal de São Paulo. Roberta Aline / Ministério do Desenvolvimento Social, CC BY
Foto: The Conversation

As eleições municipais se aproximam. No dia 6 de outubro, milhares de eleitores irão às urnas para escolher os novos vereadores e vereadoras e quem governará as cidades. Mais uma vez, porém, isso provavelmente será feito sem que a maioria dos eleitores conheça mais os propósitos e as práticas daqueles a quem está delegando poder.

A compreensão do candidato sobre o que é uma política pública, seus fins e o seu processo de formulação diz muito sobre os propósitos e o modo de fazer e pensar a política. Tomo como exemplo um episódio ocorrido este ano na Câmara Municipal de São Paulo que evidencia o profundo desconhecimento (ou distorção) - inadmissível para um legislador - sobre as necessidades da população da cidade e democracia.

Eu me refiro a um projeto de lei do vereador Rubinho Nunes (União), o PL 445/2023, que buscava estabelecer condições e multas para a doação de refeições à população em situação de rua. Rapidamente aprovado em primeira votação pelos vereadores paulistanos em primeira votação, o projeto foi retirado e engavetado pelo autor após provocar uma forte reação contrária. O seu conteúdo, que fere declaradamente princípios constitucionais, foi alvo de críticas contundentes de analistas de políticas públicas, de organizações do terceiro setor (que não foram ouvidas previamente pelo vereador) e de diversos setores da sociedade.

Conforme consta no artigo 6º da Constituição Brasileira, a alimentação é um direito a ser garantido pelo Estado. O caráter desse direito foi detalhado em 1999 pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Comentário Geral nº 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), do qual o Brasil é signatário.

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) não se restringe ao mínimo de energia e nutrientes para a manutenção da vida. A adequação se refere às dimensões biológica, cultural e social. O direito à alimentação faz parte de um campo maior de direitos relacionados a um nível de vida adequado, fazendo com que exista interdependência entre os direitos.

As lutas sociais por igualdade e justiça foram responsáveis por atribuir ao Estado a obrigação sobre a realização dos direitos chamados de segunda geração, ou seja, aqueles que o Estado tem obrigação de prover, defender, promover e respeitar, como é o caso da alimentação e outros direitos sociais.

O DHAA pode ser atendido de maneira progressiva, sendo que os Estados têm obrigação de criar condições para mitigar e aliviar a fome, da forma mais rápida possível. Isso não significa apenas alcançar um mínimo onde todos estejam livres da fome, mas que todos dignamente tenham acesso a uma alimentação adequada. A adequação implica também no direito de decidir sobre o próprio alimento, sobre o que produzir e o que consumir.

Se a miséria e a fome nos aparecem como insolúveis e, para muitos, insuportáveis, para serem superadas exigem o esforço de toda a sociedade, e não só dos governos.

A miséria a que boa parte da nossa população está submetida tem causas estruturais. Foi historicamente instaurada pelas diferenças de oportunidades, opressão e discriminação. Nessa luta, a sociedade civil tem se saído melhor que os governos. Na pandemia, por exemplo, a sociedade civil foi muito mais rápida em se organizar e promover a doação de alimentos.

Frente a isso, é no mínimo estranho que o Estado, sendo ineficiente no seu papel de garantir um direito constitucional, queira intervir para atrapalhar aqueles que com suas ações estejam mitigando a ausência desse próprio Estado.

Participação popular

A boa governança implica em participação e reconhecimento do direito à cidade e condições dignas de estar nela. Se a população de rua fosse ouvida, falaria sobre a falta de políticas sociais que proporcionem o acesso ao alimento e à justiça social, impedindo que a comida deixe de ser sinônima de esmola, sobra, comida velha ou resto. Falaria da necessidade de espaços relacionais de cuidado, proteção e exigibilidade de direitos.

Desse diálogo provavelmente surgiriam políticas para fazer frente à privatização do espaço público e à criminalização da pobreza. Políticas para promover a desmistificação dos estigmas, preconceitos, criminalização e culpabilização da pobreza. Políticas para promover o respeito à forma de ser de cada um e cada uma e de inclusão, tirando da invisibilidade e da condição de pessoas-sem-história a população que tem na rua a sua casa.

A própria cidade de São Paulo tem bons exemplos de ações de acolhimento e inclusão envolvendo hortas e cozinhas comunitárias. Uma política de hortas urbanas e cozinhas comunitárias poderia ser uma boa alternativa de substituição ao projeto descabido que foi apresentado na área da segurança alimentar na Câmara de São Paulo.

Este não foi o primeiro e nem será o último projeto higienista um uma metrópole brasileira com o intuito de colocar "ordem na miséria urbana" e que privilegia uma minoria abastada. Por isso, mais do que nunca, é o momento de conferir o que os candidatos entendem por políticas públicas, de que modo elas devem ser formuladas (e a quem escutar, em vez de tirar da própria cartola) e com quais objetivos. É um tema da maior relevância e que precisa ganhar a visibilidade necessária.

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Foto: The Conversation

Maria Rita Marques de Oliveira não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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