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'Atingidos pelas renováveis': comunidades afetadas por usinas eólicas pedem transição energética mais justa

Empreendimentos eólicos tem afetado a vida das populações locais e desconsiderado regiões geológicas históricas, denunciam ativistas

16 abr 2024 - 05h00
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Turbinas eólicas em São Miguel do Gostoso, Rio Grande do Norte
Turbinas eólicas em São Miguel do Gostoso, Rio Grande do Norte
Foto: MaFelipe/GettyImages

Há alguns anos, poderia ser difícil imaginar críticas à energia eólica. Limpa e renovável, a produção de eletricidade usando uma matéria-prima disponível, literalmente, no ar, era o sonho de qualquer país. Mas, à medida que foi sendo implantada, os problemas começaram a chegar, principalmente para aqueles que moram colados a usinas e suas grandes turbinas.

“Estamos tentando construir uma rede não para ser contra as energias renováveis, mas para lutar por modelos alternativos, por uma transição energética justa, onde as populações sejam consideradas”, afirma o diácono Francisco Adilson da Silva, coordenador do Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR) do Rio Grande do Norte (RN).

Apenas o Estado é responsável pela produção de pouco mais de 30% da energia eólica de todo o Brasil, segundo o governo potiguar. Como coordenador do SAR, o diácono conhece a fundo as comunidades onde parte das usinas foram instaladas. Os relatos são muitos e, em sua maioria, há decepção por entre os moradores que acreditaram no sonho das eólicas.

Barulho, improdutividade e terapia

Segundo Francisco Adilson, o SAR conheceu histórias de moradores que estão passando por problemas previdenciários após o arrendamento de suas terras. Com a construção das usinas, eles não podem mais produzir no local e, por isso, estariam perdendo seus direitos como agricultores.

“A gente tem hoje uma fila de pessoas que não se aposentaram ainda, porque receberam recursos, arrendaram suas terras, e não podem mais, por exemplo, serem beneficiados pela aposentadoria rural”, explica.

Aqueles que conseguem produzir enfrentam outros problemas. “Na produção animal, há muitos relatos de vacas que não conseguem segurar as barrigas, abortando muitas vezes”, diz.

O diácono afirma ainda que muitos estudos estão sendo concluídos, mas o que se especula é que o fenômeno esteja relacionado ao barulho produzido pelas turbinas. Entre as pessoas, há relatos de náuseas, dores de cabeça e até depressão.

“No dia 8 de março, uma senhora de uma comunidade deu um depoimento de que colocaram uma torre a 80, 100 metros da sua casa. Ela tem um filho especial e estava ficando louca, tomando remédio, com dor de cabeça o tempo todo, estressada pelo barulho, pelo pisca-pisca, pelas sombras das hélices”, conta Francisco Adilson.

Movimentos pedem mudanças

Como foi frisado pelo coordenador do SAR, Francisco Adilson, as críticas feitas pela população não são direcionadas à energia eólica em si, mas à forma como estão sendo implementados os empreendimentos que produzem essa energia. Movimentos autônomos e independentes começaram a surgir para dar maior exposição a essas questões. É o caso do Movimento Atingidos pelas Renováveis (MAR) e a ONG Seridó Vivo.

“Esse movimento, em si, foi criado com a participação de pessoas das comunidades atingidas aqui do Rio Grande do Norte, do Ceará e da Paraíba, e hoje esse movimento está se ramificando também em outros Estados, como na Bahia, no Piauí”, diz Francisco sobre o MAR.

O movimento produziu um manifesto que conta com a assinatura de 80 organizações sociais e comunidades. 

“É urgente a criação de um sistema federal que garanta uma política energética que aconteça de forma totalmente responsável, com efetivo controle social sobre as empresas de toda a cadeia de produção e sobre as instituições financiadoras”, pede o texto.

Já o Projeto Seridó Vivo compreende ações voltadas para a região do Seridó, que abrange municípios do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Por meio de notas técnicas e abaixo-assinados, o grupo pede que os empreendimentos eólicos sejam planejados de forma a garantir a preservação dos sítios geológicos.

“A população do Seridó está na região há mais de 10 mil anos. Não têm sido respeitados da forma que deveriam os lugares sagrados dessa população, ou seja, os sítios arqueológicos, os marcadores de memórias, os lugares de moradia, as casas de seus ancestrais, os sítios onde há pinturas rupestres de seus ancestrais”, diz Joadson Silva, da ONG Seridó Vivo, ao Terra.

Ele considera que a legislação falha em não garantir a preservação desse patrimônio cultural. Para Joadson, “uma população sem memória ou história é uma população perdida”.

O governo dialoga com as comunidades?

O Terra procurou o Ministério de Minas e Energia (MME) para levar as queixas trazidas pelos entrevistados nesta reportagem. A pasta informou que, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República, faz o acompanhamento das obras habilitadas no Novo Programa de Aceleração do Crescimento com o intuito de verificar o status de implantação dos projetos e as práticas tecnológicas, ambientais e sociais que vêm sendo desenvolvidas no território pelos empreendedores.

O MME disse ainda que recepciona as demandas da população através da agenda 'Mesa de Diálogo sobre ‘Energia Renovável: direitos e impacto’, com a finalidade de conhecer a realidade social nos territórios onde estão implantados os empreendimentos de energia renovável; e com o intuito de promover espaços de diálogo e articulação setorial entre o Governo Federal, sociedade civil e demais setores diretamente envolvidos ou relacionados ao tema.

A pasta também citou projetos relacionados à transição energética que estão em desenvolvimento no Brasil, sem tratar especificamente da energia eólica.

“Por fim, sobre a transição energética, o MME reforça que muitos foram os avanços, como o programa Energias da Amazônia, o Programa Nacional do Hidrogênio, ações de eficiência energética, inclusive o Procel, o estabelecimento de marcos regulatórios para novas tecnologias para geração e armazenamento de energia, leilões de transmissão, relançamento do Luz para Todos, programa Combustível do Futuro, entre outras ações que estão diretamente relacionadas à transição energética e comporão o plano”, diz o MME.

Fonte: Redação Terra
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