Influenciadoras aproveitam alcance das redes sociais para ajudar vítimas no RS
Mari Krüger e Maqui Nóbrega fazem trabalho voluntário e pedem a seguidores doações para ajudar as vítimas das chuvas no Rio Grande do Sul
Quando as fortes chuvas começaram a atingir o Rio Grande do Sul, no final do mês de abril, ainda pouca gente repercutia sobre a tragédia que já deixava dezenas de mortos e centenas de desabrigados.
As chuvas começaram em 27 de abril e, no dia 30, foram registradas as primeiras mortes. Em 1º de maio, já eram 114 municípios e mais de 19 mil pessoas afetadas. Foi decretado estado de calamidade pública. No dia seguinte, o número de mortes disparou, mas a repercussão continuava baixa.
Nas redes sociais, uma das primeiras pessoas a trazer a atenção para a tragédia foi Mari Krüger, que cria conteúdo sobre ciência usando o humor para mais de um milhão de seguidores. A influenciadora é de Porto Alegre (RS), mora em São Paulo (SP), mas sua família e seus amigos continuam vivendo no estado gaúcho.
Em um vídeo de dois minutos, Mari pede ajuda para o seu estado e alerta sobre os efeitos causados pelas mudanças climáticas. O conteúdo viralizou e, até esta quinta (16), contabilizava mais de 16 milhões de visualizações só no Instagram.
Dois dias depois, no sábado (4), acontecia o show da Madonna no Rio de Janeiro (RJ) e parece que esse era o único assunto em pauta nas redes sociais naquele final de semana. Até que as coisas pioraram –e muito– no Sul do país. Foi na segunda-feira, dia 6 de maio, que o Rio Guaíba atingiu 5,33 metros. Neste momento foram 85 óbitos confirmados, e 385 dos 497 municípios do estado já tinham sido atingidos de alguma forma.
A pauta, então, finalmente mudou. Informações sobre as enchentes, vídeos da tragédia e histórias de resgates dominaram o feed. A mobilização por ajuda começou a ganhar enormes proporções. Jamais vistas antes. O sentimento do brasileiro, em geral, foi tomado pela solidariedade.
Usando a influência pro bem
Alguns criadores de conteúdo seguiram com seus trabalhos de sempre, o de usar a influência para o bem, mas agora voltados para ajudar as vítimas. São pessoas que aproveitam o espaço digital para promover iniciativas que ajudam o próximo e divulgar informações que contribuem de maneira positiva para a sociedade.
Mari Krüger, mencionada no início desse texto, e Maqui Nóbrega, são duas dessas pessoas que aproveitam sua ampla rede de seguidores para não apenas criar entretenimento, mas também gerar alguma mudança positiva no mundo.
Quem acompanha a Maqui se lembra, por exemplo, de seu projeto com professoras da rede pública. "Elas precisam de materiais para usar em sala e, muitas vezes, pagam do próprio bolso para incrementar as aulas. Então, elas mandam uma lista de materiais na Amazon, as minha seguidoras compram e as coisas chegam direto para elas", explica a influenciadora em entrevista para Planeta. O seu trabalho não é apenas com projetos, Maqui sempre tenta conscientizar as pessoas a regularizarem o título de eleitor, por exemplo.
Eu tento influenciar para o bem, além da diversão, claro. Se a gente não se divertir, vai ficar todo mundo louco
Na tragédia que avassala o Rio Grande do Sul, Maqui está ativamente compartilhando informações, pedidos de ajuda e se voluntariado para que a ajuda chegue às pessoas atingidas.
"Comecei a receber pedidos de ajuda de seguidoras que estão comigo há muito tempo. Pediram, por exemplo, doação para a mãe que perdeu tudo ou uma geladeira nova para uma pessoa que estava abrigando 16 pessoas em casa", lembra Maqui, comentando que começou ajudando pontualmente, mas percebeu que precisaria se mobilizar para conseguir que mais pessoas pudessem receber.
A partir desse momento, ela se juntou com outras pessoas para conseguir arrecadações de doações. O grupo foi criado durante a tragédia causada pelas chuvas em São Sebastião (SP), em fevereiro de 2019: "Eu conhecia umas pessoas do litoral e me ofereci para ajudar. Quando vi, eu estava em um grupo cheio de mulheres tanto daqui quanto de lá. Quem estava em São Paulo fez uma movimentação, como pedir doações, fazer vaquinha e mandar caminhões semanalmente para lá". O trabalho continuou mesmo quando o assunto esfriou.
Para ajudar o Rio Grande do Sul, o grupo foi reativado, com algumas baixas e com a entrada de outras pessoas, não apenas mulheres. Maqui se juntou a outra influenciadora, Monica Benini, encabeçando para o público uma campanha de arrecadação, pedindo às seguidoras por colaborações. Além delas, no grupo também há gente cuidando da logística, da triagem das doações, recebendo dinheiro e fazendo as compras.
Nos últimos dias, a influenciadora tem compartilhado a sua rotina como voluntária e também criou uma rifa –já esgotada– para angariar ainda mais fundos.
Como tem amigos que foram diretamente afetados pelas enchentes e outros que estão atuando como voluntários in loco, Mari Krüger tem acompanhando de perto as necessidades das vítimas e pendido para que os seus seguidores ajudem com as necessidades de cada momento.
"Eu tenho me dividido entre ajudar presencialmente em São Paulo, em um QG de doações que precisa de gente na triagem e para carregar caminhões, fazendo a divulgação e me reunindo online com quem está lá para entender quais são as necessidades dos abrigos e de qual forma podemos ajudar daqui", detalha Mari.
Ter esse contato direto com seus conhecidos que estão no estado gaúcho tem sido essencial, já que a maioria das pessoas de lá não estão tendo tempo de postar informações e o que está disponível na internet acaba ficando confuso e desencontrado.
No início desta semana, a influenciadora divulgou uma plataforma, a SOS Rio Grande do Sul, que conecta pessoas que querem ser voluntárias às que estão precisando de ajuda. Por meio da ferramenta, é possível colaborar de diferentes formas, inclusive de casa, em outra cidade ou em outro estado. As necessidades vão desde engenheiros a publicitários. Tanto agora quanto depois.
Por que ajudar?
Ninguém, além do Estado, tem a obrigação de ajudar. Para Maqui, como já pagamos imposto, não deveria ser nosso dever arrecadar dinheiro para reconstruir cidades, mas já que os governantes não dão conta, a população precisa entrar em jogo. Não apenas figuras públicas, mas todos. Principalmente quando estamos falando em uma catástrofe dessa proporção. "Ou a gente se une, ou vai ser muito pior", diz Maqui.
As duas influenciadoras batem bastante na tecla para que o assunto não seja esquecido pelo restante do país nas próximas semanas e meses. As dimensões da tragédia indicam que as vítimas precisarão de ajuda por muito mais tempo.
"Quem estuda gestão de desastres explica que existe um grande pico de ajuda no início e, logo em seguida, isso cai. As pessoas acham que está resolvido ou que as coisas serão resolvidas sozinhas", explica Mari ao alertar que o nível dos rios voltou a subir e as pessoas continuam precisando de ajuda.
Quem quer fazer a diferença, idealmente precisa lembrar disso pelo menos uma vez por semana ou a cada 15 dias, criar um conteúdo sobre isso, pensar de que forma pode continuar ajudando
Críticas
Além de Maqui e Mari, diversos outros influenciadores também passaram a usar o seu alcance para incentivar doações, tanto em dinheiro quanto em água, roupas e outras coisas. Junto com esse movimento, vieram dedos apontados e cobranças.
Passaram a exigir que as pessoas públicas ajudassem, ao mesmo tempo que choveram críticas sobre os influenciadores que "estavam se promovendo" por compartilhar suas doações com os seguidores.
"Desde o primeiro dia, eu estou em um discurso de que não importa a sua motivação, desde que você esteja ajudando. No desespero, toda ajuda é ajuda, principalmente porque no início havia pouca gente falando sobre isso e sabemos que os influenciadores são comunicadores", fala Mari.
Quem trabalha no terceiro setor, inclusive, diz que quando as pessoas divulgam que doaram, elas acabam incentivando outros a fazer o mesmo. Então, compartilhar sobre isso deveria muito mais ser considerado um benefício do que um problema. A cultura de doação deve ser fomentada.
"É confuso, eu entendo todo o sentimento que está acontecendo agora, as pessoas se sentem revoltadas porque elas conseguem identificar quem nunca ajudou antes, mas nesse momento é muito difícil dizer o que é certo ou errado. A gente precisa se agarrar no que acreditamos, no que é verdade e nas pessoas que confiamos", diz Mari.
Como as duas são criadoras de conteúdo que sempre estão "influenciando para o bem", não sofreram com a pressão do tribunal da internet, mas Maqui conta que é a primeira vez que vivencia pedidos de ajuda enviados com agressividade: "Dessa vez, especificamente, aconteceu um fenômeno diferente: as pessoas se sentiram no direito de agressivamente exigir que influenciadores e artistas fizessem o que elas queriam". Por outro lado, ela relata entender que esse tipo de comportamento pode acontecer em momentos de desespero.
"Muita gente se sentiu pressionada dessa vez, tanto é que a comoção está maior do que a de qualquer outra tragédia", completa ao explicar que não acredita que seja obrigação de nenhum influenciador ajudar, mas que que essa cobrança até que está sendo produtiva.
Eu não consigo não ajudar, não consigo não me sensibilizar. Para mim, pessoalmente, não tem importância. Eu não ganho nada com isso, não é para massagear o meu ego. Mas como não ajudar se estamos salvando vidas?
Corpo aqui, cabeça lá
"Tá tudo muito estranho. Além de eu estar engajada em uma pauta que acho interessante e faz sentido, já que é uma pauta ecológica, eu tenho os meus pais e os meus amigos lá, então me toca pessoalmente", reflete Mari ao comentar que tem dias que ela se sente mais motivada e outros em que "paralisa".
Essa montanha-russa de sentimentos está sendo comum para todas as pessoas que sentem empatia pelas famílias que perderam tudo na tragédia. Para Mari, não tem sido diferente: "Eu tenho esperança quando vejo as pessoas ajudando mas ao mesmo tempo, às vezes, quero me desconectar disso. Depois quero saber o que está acontecendo de novo. Está sendo bem desafiador".