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 Foto: Arte: Mariana Sartori

Jovens da Fundação Casa fazem terapia com animais para curar traumas

A ONG Natureza Conecta funciona em um sítio e promove o contato com animais para cuidar de crianças e adolescentes vulneráveis

Imagem: Arte: Mariana Sartori
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5 ago 2024 - 04h00

Uma nova turma de crianças advindas de uma casa de acolhimento chegava à fazenda em que acontece o projeto Natureza Conecta, criado por Daniela Gurgel, quando um menino em específico chamou a sua atenção. 

A começar pela sua história de vida, que fez com que Daniela apresentasse o espaço a ele individualmente: ele vivia no abrigo pois os pais haviam sido presos. O pai matou seu irmão com extrema violência física, da qual o menino também era vítima constante. Ele chegou à casa de acolhimento com marcas de açoitamento nas costas e com buracos no couro cabeludo. O pai jogava água de bateria na cabeça dele. 

Esse menino fugiu de casa, certo dia, e clamou por socorro ao vizinho, que chamou o conselho tutelar prontamente. Ele passou a morar em um dos abrigos parceiros da ONG Natureza Conecta, que oferece terapia com animais a crianças e adolescentes vulneráveis.

Quando Daniela foi apresentar-lhe ao espaço, ele pareceu pouco amigável. Olhou para um dos cavalos e tomou a maçã que estava nas mãos da instrutora, arremessando a fruta contra o animal. Ele olhou firme para os olhos do bicho, que seguiu pastando e ignorou a atitude. O menino ficou chocado. Virou os olhos a Daniela, surpreso: era a primeira vez que ele via uma ação violenta não gerar uma reação também violenta. 

Este foi um dos eventos que mais marcou a fundadora da ONG desde 2020, quando foi criada. Daniela é veterinária, e percebeu desde muito cedo como o amor dos animais pode ajudar a curar processos. Para criar a Natureza Conecta, ela contratou um time multidisciplinar, com psicólogas, pedagogas e os chamados co-terapeutas: os bichos da fazenda.

A ideia foi inspirada no projeto estadunidense Green Chimneys, que realiza um trabalho similar desde 1947. Daniela tinha uma propriedade familiar em Itu, no interior de São Paulo, e ao viver um tempo nos Estados Unidos decidiu implementar o método aqui. 

Hoje, a Natureza Conecta é membro da Associação Internacional de Organizações de Interação Humano-Animal (IAHAIO), conjunto de instituições que se dedicam à prática da terapia assistida por animais, e trabalha com instituições parceiras. Além das casas de acolhimento, a ONG trata jovens detidos na Fundação Casa. 

As terapias com jovens de casas de acolhimento costumam durar entre seis meses e um ano e abrangem grupos de até dez pessoas. A faixa etária é de seis a 18 anos e, a cada fim de ciclo, um novo grupo começa. As sessões com os bichos são semanais, duram duas horas, e acontecem na fazenda de Daniela: na primeira hora, os participantes fazem a terapia de interação com os bichos, e na última hora realizam atividades pedagógicas e artesanais com o intuito de trabalhar traumas.

Semestralmente, são avaliados os resultados do desenvolvimento individual e do grupo por meio da aplicação de questionários e dos registros das atividades nos dois programas. Os dados constaram:

Foto: Arte: Mariana Sartori

As sessões com jovens da Fundação Casa, no entanto, não podem acontecer da mesma forma. Os grupos são menores, de no máximo seis participantes, e eles não podem deixar a Fundação. Então, semanalmente, a ONG transporta os animais até o espaço, e eles ficam no pátio da penitenciária para que o trabalho seja realizado.

“Uma vez a cada seis meses, eles vão até a fazenda, mas é uma grande burocracia. Precisa de autorização judicial. Mas eles gostam bastante”, conta Daniela em entrevista a Planeta. 

Nós temos avaliações periódicas, e os resultados do programa são muito bons. Temos um jovem que cometeu um homicídio e era bastante apático, não falava com ninguém. Hoje, ele pede para continuar no programa. Voltou a falar com a família, começou a se relacionar com outras pessoas. As mudanças são muito grandes

- Daniela Gurgel, fundadora da Natureza Conecta

Carinho que começou cedo

Daniela percebeu ainda muito cedo o poder do cuidado de um bicho a um ser humano, e essa percepção se deu por meio de uma experiência própria da qual ela sequer se lembra. Ela havia recém-completado um ano quando a mãe engravidou de novo. Só que, aos seis meses de gestação, ela sofreu um aborto espontâneo em casa, em um dia em que estavam só as duas e o cachorro. Enquanto a mãe sangrava e tinha contrações fortíssimas, Daniela, ainda bebê, foi amparada pelo animal de estimação. 

“Foi o primeiro apoio que tive de um animal e, depois disso, foram os bichos que me ampararam em momentos difíceis que vivi. O animal tem o dom de cuidar sem julgar. Ele cria um ambiente seguro de amor incondicional, e isso faz diferença em vários processos pelos quais a gente passa” 

- Daniela Gurgel, fundadora da Natureza Conecta

A renda da ONG vem principalmente de doações, empresas apoiadoras e emendas parlamentares. Daniela coloca, ainda, recurso próprio no projeto, e afirma que a ONG está caminhando para ser uma organização sustentável que ande com as próprias pernas. 

“Estamos em um programa de aceleração de ONGs, cujo objetivo é expandir. Então queremos aumentar em 50% o número de atendidos no segundo semestre, para que no ano que vem haja um aumento de mais 50%”, explica Daniela.

Foto: Arte: Mariana Sartori

Hoje, a Natureza Conecta trabalha com quase 40 animais de diferentes espécies: são vacas, cavalos, cabras, porcos, cães e codornas, assumindo a função de coterapeutas. A parte técnica do tratamento é assinada pela equipe humana, com psicólogas e psicopedagogas, e as ações acontecem em parceria com as prefeituras. A missão, explica Daniela, é combater a exclusão social de crianças e jovens vítimas de abuso, traumas e violência familiar, por meio de terapia assistida por animais. 

“Nosso objetivo é impactar cada vez mais jovens e crianças, porque sem base socioemocional não adianta dar escola; eles não conseguem lidar. É muito trauma, muita violência, muito abuso para digerir. Hoje, um participante da Fundação Casa pediu para continuar no projeto durante o próximo ciclo e contou sua história: começou a usar droga aos seis anos de idade. A gente errou como humanidade. Precisa ter uma base, senão não adianta", finaliza.

Fonte: Redação Planeta
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