'Não temos salmão': Chef premiado de SP promove sustentabilidade com pescados incomuns
Dário Costa, 35, defende não apenas proporcionar uma experiência gastronômica, mas uma consciência sustentável aos pescados brasileiros
"Não temos salmão". A frase curta e objetiva recebe os clientes do restaurante Paru, situado em Santos, no litoral de São Paulo, que é comandado pelo chef Dário Costa. A proposta parte de um movimento maior, composto por pescadores, cozinheiros e pesquisadores interessados não só em proporcionar uma experiência gastronômica que vai além dos populares salmão, atum, robalo e tilápia, mas também em trazer mais sustentabilidade e valorização a um mercado de pescados que ainda é considerado não convencional no Brasil.
A ideia de valorizar o pescado nacional e, principalmente, regional, é parte integral da formação de Dário como cozinheiro. Foi trabalhando em um premiado restaurante na Ligúria, no litoral da Itália, que o santista percebeu como os moradores apreciavam o produto local. "Foi de lá que veio esse lance da valorização. Eles não querem saber o que tem em volta, para eles o melhor é o que tem na Itália e ponto final".
"Isso me encantou, não valorizar o produto italiano em si, mas a atitude deles em dar valor para o que é de lá, acima de tudo, me chamou bastante atenção'. E o que eu via lá eram peixes como carapau, tainha, sororoca, pargo, que são corriqueiros aqui, sendo extremamente valorizados. Foi quando eu decidi entrar nessa linha de trabalhar com frutos do mar", conta o chef.
Ao voltar para o Brasil, Dário percebeu como era difícil apresentar produtos não convencionais aos clientes dos restaurantes onde trabalhava. "Eu sabia onde encontrar esses peixes, eram baratos e eu achava que ia fazer o restaurante dos outros se dar bem, e foi ai que veio o banho de água fria. Ninguém valorizava".
A experiência e a habilidade na cozinha levaram Dário a participar do Masterchef Profissionais, da Band, em 2016, no qual ficou em terceiro lugar. Quatro anos depois, ele voltou a competir em um reality gastronômico e, se tornou o campeão da segunda edição do Mestre do Sabor, da Rede Globo.
Nesse intervalo, ele abriu o Madê, seu primeiro restaurante, em Santos. No local, Dário serve pratos autorais com pescados pouco utilizados na gastronomia convencional.
"Não é como se hoje esses peixes sejam mais valorizados, mas a galera tem que engolir. Enquanto um local é seu, é mais fácil você conseguir brigar para que as pessoas entendam a proposta", explica.
Parceria com os pescadores
O trabalho é feito em parceria com pescadores regionais para atender à demanda de duas toneladas por semana de pescados nos restaurantes comandados pelo chef. Além do Madê e do Paru, em Santos, Dário comanda o Deus e o Churrascada do Mar, em São Paulo, e o Benedita, em Fernando de Noronha. A oferta de pescados está sujeita a mudanças climáticas, movimentos das marés e sazonalidade.
"Quando a gente fala em pesca artesenal, vem aquela imagem do barquinho de pesca, com o pescador que pega com a vara. Em nenhum restaurante essa pesca vai ser suficiente. No nosso caso, é uma pesca industrial, mas a gente faz uma seleção do que tem de melhor naquilo que não é convencional e que as pessoas geralmente torcem o nariz".
O chef aponta, ainda, que a escolha por peixes não convencionais se trata de uma opção não só profissional, mas também pessoal. "Dentro do nosso trabalho a gente tem que plantar uma semente boa, né? A minha eu penso que é tentar fazer com que as pessoas olhem para esse produto e que isso sirva de reflexo para os próximos cozinheiros e clientes se abram para esse mercado e que a gente possa fazer essa cadeia toda girar".
Além de experiência gastronômica, sustentabilidade
Preocupado em oferecer uma experiência gastronômica aliada à sustentabilidade para além das portas de seus restaurantes, Dário colaborou com a pesquisadora Cintia Miyaji, doutora em oceanografia, na criação do selo 'Peixes Incomuns Fantásticos', tradução de Fantastic Unusual Fishes (F.UN.Fish).
A iniciativa, que remete às Plantas Comestíveis Não-Convencionais (PANCs), é uma maneira pedagógica de conscientizar os consumidores de que, além de uma experiência não covencional, eles promovem um ato de sustentabilidade ao consumir peixes que estão 'fora do radar'.
O selo divide os pescados em cinco categorias, desde os que não devem ser consumidos até os peixes 'fantásticos'. A melhor classificação é destinada às carnes de alta qualidade, que não estão em risco de extinção ou tem origem em cultivo.
"A gente usa essa etiqueta para fazer as pessoas entenderem que existe pescado pra além do salmão, do linguado e do robalo. É incentivar o primeiro conhecimento. A costa brasileira é muito rica em diversidade, mas pouco produtiva. Então acredito que uma parte da solução para a sustentabilidade é desviar a atenção para esse consumo", explica Cintia.
Segundo a pesquisadora, os estudos sobre a pesca levam em conta uma série de dados sobre os peixes que são trazido do mar à costa, como sexo, idade, estado de saúde, região e volume pescado. Os monitoramentos, que são feitos ao longo de anos, deixaram de ser realizados pelo Governo Federal em 2010. Em São Paulo, esses estudos acontecem de maneira ininterrupta desde a década de 1940, segundo ela.
Cintia explica que os dados monitorados são analisados em 'estoques', uma medida que ajuda a apontar quais espécies podem ser retiradas do meio ambiente para consumo, sem que haja prejuízo à natureza. Ainda segundo a especialistas, o número de estoques observados no país aumentou desde que a ONG americana Oceana passou a monitorar a pesca no Brasil, em 2014.
"O que precisa ser feito é analisar esses dados que mostram quais estoques estão em situação crítica e traçar planos de emergência para recuperar, e continuar monitorando os que estão em boa situação, que são poucos", afirma Cintia.