ONGs lutam para cuidar de mil búfalas abandonadas para morrer de fome em fazenda
Dois anos após caso de maus-tratos, animais têm sequelas permanentes e ativistas buscam recursos para tratá-los e transportá-los
Em novembro de 2021, a Polícia Ambiental recebeu denúncias sobre o abandono de mais de mil búfalas na fazenda Água Sumida, em Brotas (SP), que explorava os animais para produção de leite, vendido para fabricantes de queijos e iogurtes.
Voluntários de ONGs de proteção animal e o delegado do caso disseram que o local parecia um "cenário de guerra”. Eram animais agonizando de fome e de sede, muitos sem conseguir se levantar, carcaças espalhadas e outros sendo comidos vivos por urubus. Para salvá-los, um hospital de campanha foi montado.
Segundo notícias publicadas sobre o assunto, o proprietário da fazenda, Luiz Augusto Pinheiro de Souza, recebeu multas que somaram R$ 4 milhões, foi preso e liberado após pagar fiança de R$ 10 mil. Por um breve período, os animais chegaram a voltar para a responsabilidade do pecuarista e novamente houve a constatação de negligência.
Cerca de um mês depois, em dezembro, ele foi denunciado por maus-tratos, ameaça, falsificação de documentos e falsidade ideológica. Teve sua prisão decretada e foi declarado foragido da Justiça. Em janeiro de 2022, foi encontrado pela polícia em São Vicente (SP) e preso. Em junho, recebeu liberdade provisória.
Desde então, os animais estavam sob os cuidados da ONG Amor e Respeito Animal (ARA) e permaneceram na fazenda até que a organização pudesse viabilizar o transporte de todos a outro espaço.
Problemas com o plano de manejo
O caso ganhou um novo capítulo em 31 de outubro deste ano, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo destituiu a ONG ARA do encargo de depositária das búfalas resgatadas devido à falta de documentos de registros e de um plano de manejo para a retirada dos animais da fazenda.
Em nota, a ONG afirmou que “o plano de manejo sempre foi um desafio, além de outras dificuldades criadas por terceiros, como as constantes destruições das cercas da fazenda, relatadas às autoridades” e explicou que, nos últimos dois anos, a prioridade esteve na recuperação total dos animais, o que impossibilitava a retirada deles da fazenda.
“Um plano de manejo de mil animais de grande porte e debilitados, é algo extremamente complexo, delicado e custoso”, explicou na nota.
A juíza Marcela Machado Martiniano nomeou, então, os irmãos do fazendeiro responsável pelos maus-tratos como novos depositários do rebanho até a sua destinação definitiva. A notícia caiu como uma bomba sobre os protetores dos animais.
Porém, duas semanas depois, houve uma nova decisão. Dessa vez mais favorável ao bem-estar das búfalas: duas outras instituições, o santuário Vale da Rainha e o santuário Rancho dos Gnomos, passam a assumir a responsabilidade pelos animais e têm até o dia 12 de fevereiro de 2024 para retirá-los da fazenda.
Relembrando o resgate
Larissa Maluf, voluntária na operação, relata que soube do caso por meio de redes sociais. Decidida a agir, ela, Vitor Favano e Patricia Varelo Favano, do santuário Vale da Rainha, mobilizaram esforços para reunir suprimentos vitais, como soro e medicamentos, e auxílio junto a veterinários e fornecedores.
Chegamos na área do desastre e o que encontramos foi uma guerra, mas com búfalas. Para onde você olhava, via corpos e animais agonizando
A situação era desoladora, com búfalas famintas e debilitadas, muitas em estado crítico. Vitor recordou momentos em que teve que fazer escolhas difíceis: "Era comum alguém gritar ‘aqui tem chance, aqui tem chance’. Então, você precisava largar aquela que tava atendendo, mas não via chances de sobrevivência, e corria para salvar outra".
A médica veterinária Caroline Machado conta que já trabalhou em desastres, mas a experiência do caso das búfalas foi diferente de tudo o que já havia vivido: “Eu achei que eram uns 10 animais precisando de ajuda, mas, quando cheguei lá, vi um cenário desesperador. Eram muitos animais mortos, sentíamos um cheiro de carniça a quilômetros de distância, em todo lugar que andávamos”.
Caroline trabalhou como responsável pelo hospital de campanha por sete meses e conta que o caso a abalou psicologicamente. “Envolveu muita crueldade. São animais gigantescos e eles estavam muito vulneráveis naquela situação”, relembra.
Sequelas permanentes
“A perícia comprovou que as búfalas passaram fome por vários períodos. Durante os últimos cinco anos, toda vez que tinha seca, acabava o pasto e elas passavam fome”, explica a veterinária.
A maioria das búfalas tem sequelas permanentes. “Algumas não ganham mais peso porque tiveram atrofia de papila do rúmen, que é um dos estômagos”, diz Caroline, ao explicar que são essas papilas que absorvem os nutrientes.
Patrícia conta que “não é simplesmente uma questão de alimentá-los. As sequelas vão persistir ao longo de toda a vida. Por mais que eles comam, não terão mais a absorção normal de nutrientes".
Além disso, muitos filhotes, que foram gerados por inseminação, nasceram prematuros ou com má formação. “Tivemos abortos e muitos nasceram muito pequenos, com cerca de 15 kg abaixo do peso”, comenta Caroline.
ONGs precisam de ajuda
Segundo Evelyne Paludo, advogada especializada em direito animal, durante esses dois anos, a ONG ARA trabalhou para restabelecer a saúde das búfalas e buscou áreas com as dimensões necessárias de pasto para arrendar e transferir os animais. Mas que, com recursos escassos, o plano de manejo não conseguiu ser concluído.
Em 2021, quando o escândalo estourou, muitos jornais e veículos de mídia trouxeram visibilidade ao caso. Celebridades como Xuxa, Luana Piovani e Luísa Mell protestaram nas redes sociais e logo a história tomou conta da internet.
“Vimos que o caso tomou proporções enormes. As pessoas perguntavam como estava a Carequinha, a Mami, a Condessa [nome de algumas búfalas]”, lembra Larissa.
Durante esse período, houve uma boa arrecadação de fundos, mas a verba logo se esgotou. “No momento em que isso está na mídia mainstream, nas redes sociais e com celebridades falando a respeito, a gente consegue mobilizar e emocionar muitas pessoas, mas depois, conforme vai passando o tempo, a tendência é que ninguém se lembre mais”, lamenta Larissa.
Hoje, os responsáveis pelos animais precisam urgentemente de ajuda financeira. Patrícia, que é responsável por cerca de metade dos animais, estima que o custo para cuidar deles até o final do ano seja de, pelo menos, R$ 500 mil.
“O que a gente está fazendo é um ato de coragem para honrar a vida desses seres”, diz ela, reforçando que essa é a última chance de sobrevivência das búfalas. Caso as ONGs não consigam arrecadar verba suficiente para terras, alimentação, tratamento e transporte, elas podem retornar às mãos da família do pecuarista e correm o risco de serem vendidas e abatidas.
Para doar para o santuário Vale da Rainha, faça um pix para a chave 41148294000180. Para doar para o santuário Rancho dos Gnomos, use a chave 04087616000100.