‘Bife de baixo carbono’: novo protocolo da Embrapa equilibra lucro de pecuaristas com benefícios ao clima
De acordo com estudo realizado, cuidados com o solo podem reduzir emissões e aumentar valor embolsado por produtores
Presente na mesa dos brasileiros, o bife, ou melhor, a carne bovina em geral, é considerada uma das principais emissoras de gases de efeito estufa (GEE). Para produzi-la, é preciso transformar florestas em pastagens. Além disso, o metano, decorrente do processo digestivo dos bois, prejudica o meio ambiente. De acordo com o Observatório do Clima, o metano corresponde a 17% das emissões de gases no Brasil. O número é agravado pela emissão de dióxido de carbono, produzida pelo uso de combustíveis fósseis, e outros fatores que potencializam a crise climática, como desmatamento e queimadas.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
Buscando estimular proprietários de terras degradadas do Cerrado a produzirem mais em áreas já utilizadas, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgou um novo protocolo de diretrizes, produzido no Oeste da Bahia, que visa auxiliar o setor agrícola a aderir uma produção mais sustentável. Para análise, que durou dois anos, foi levado em conta o ambiente específico da fazenda, as condições do solo e o ganho de peso diário dos animais por área, para assim poder calcular as emissões entéricas (intestinais) de metano.
Segundo Márcia Silveira, pesquisadora da Embrapa envolvida no estudo, os resultados mostram que a implementação do protocolo, batizado de Carne de Baixo Carbono (CDC), não afetou a quantidade, nem a qualidade da produção, garantindo, inclusive, uma lucratividade maior ao agricultor, visto que, com as novas técnicas, não foi preciso usar o mesmo montante de terra. Com o menor uso, o trabalhador rural também minimizou a emissão de GEE, além de fazer menos 'estrago' na vegetação nativa.
Na pesquisa, Márcia Silveira afirma que os bois, apresentados no pasto com idade entre 8 e 10 meses, conseguiram atingir o peso considerado ideal para abate em apenas um ano. No sistema padrão de trabalho pecuário, esse serviço levaria de 25 a 26 meses de espera.
“O sistema de Carne de Baixo Carbono é vantajoso para o pecuarista, pois produz mais carne em menos tempo e espaço e ainda diversifica a renda com o trabalho [...] É mais um passo na busca pela eficiência produtiva que leva em conta a qualidade do produto e do seu ambiente de produção”, afirmou a pesquisadora.
A influência do manejo da terra
Com o gado atingindo o peso mínimo para abate com mais rapidez, menos espaço era utilizado para pastagem na fazenda, o que resultava em menos emissões de metano. Porém, para garantir essa redução, segundo a pesquisa, foi necessário um cuidado redobrado com o solo, levando em consideração a densidade, a qualidade, a disponibilidade da forragem, a cobertura do solo, entre outros fatores necessários para garantir a alimentação e vivência do gado.
A pesquisadora Flávia Santos, que coordenou a pesquisa, ressalta que os dados do componente solo mostraram que os teores de nutrientes ficaram mais altos no CBC em relação ao manejo tradicional, o que explica a engorda rápida dos bois. Além disso, também fez um paralelo do Cerrado com a atividade biológica por meio de enzimas beta-glicosidase e arilsulfatase.
“Considerando a camada de 0-20 cm do solo, no ano de 2019, o estoque de carbono no solo sob o CBC foi maior que no solo sob Cerrado (5,4 toneladas por hectare a mais), e no ano de 2021 foi maior que o manejo convencional (2,5 toneladas por hectare a mais), diferença essa que não foi observada na camada de 0-40 cm de solo. Mas, devido à textura arenosa, em que não há proteção física da matéria orgânica pelas partículas do solo, o acúmulo de matéria orgânica e de estoque de carbono é mais difícil e demorado”, relata.
Em relação ao desempenho animal, ela explica que os ganhos médios diários de peso por cabeça de gado foram semelhantes, sendo os ganhos médios diários (GMDs) de 440 gramas por dia (g/dia) e 404 g/dia no CBC, no primeiro e segundo ciclos avaliados, e 430 g/dia e 375 g/dia no manejo convencional, no primeiro e segundo ciclos avaliados.
Em contrapartida, Silveira destaca que no tratamento CBC foram registrados maiores ganhos por área em função da possibilidade de trabalhar com maiores taxas de lotação, no caso, 2,33 e 2,77 unidades animal por hectare (UA/ha) nos dois ciclos de avaliação do CBC e 0,89 e 0,70 UA/ha nos dois ciclos de manejo convencional. Esses maiores ganhos por área não proporcionaram aumento de emissão de metano entérico, o que é positivo e lucrativo.
“Logo, os resultados indicam que a implementação do protocolo CBC proporciona maior produção por área de carne, com aumento da lucratividade”, destaca Mariana Aragão, também pesquisadora da Embrapa. “Na perspectiva ambiental, o sistema de produção CBC propiciou boa cobertura do solo, o que impactou na manutenção do estoque de carbono, na redução da emissão de gases de efeito estufa, além de promover o efeito poupa-terra e a resiliência do sistema de produção”, completa Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa e chefe da Plataforma Pecuária de Baixo Carbono, ao falar sobre as condições do solo.
Saiba mais sobre o estudo e como aderir ao CDC
O protocolo Carne de Baixo Carbono é um estudo de caso, que foi realizado na Fazenda Santa Luzia, pertencente à Fazenda Trijunção, localizada entre os municípios de Cocos e Jaborandi (BA). A propriedade é referência na produção de bovinos de corte mediante as Boas Práticas Agropecuárias (BPA), com dados estruturados e sequenciais de todo o sistema produtivo. O período utilizado na fase de validação das diretrizes técnicas foi de maio de 2019 a setembro de 2021, totalizando dois ciclos de produção animal.
Validado pela Embrapa, para entrar em vigor, o Protocolo CBC ainda precisa ser disponibilizado ao público na plataforma Agri Trace Rastreabilidade Animal, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Aos interessados, porém, o Terra adianta: para aderir à certificação, o produtor deverá provar, já na auditoria inicial, que a propriedade está em conformidade com 20 requisitos mínimos obrigatórios para a implantação do sistema, de um total de 67, que serão requeridos progressivamente. O protocolo na íntegra será disponibilizado apenas aos produtores que ingressarem na plataforma citada. A adesão ao protocolo é voluntária.