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Brasil vai ficar ‘inabitável’ em 50 anos por causa do calor? Entenda o que realmente diz a Nasa

Pesquisa sobre ‘temperatura do bulbo úmido’ é de 2020 e viralizou na internet esta semana; especialistas comentam sobre cenário climático

24 jul 2024 - 05h00
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Registro de quando o Rio de Janeiro registrou sensação térmica de 60,1ºC, em março deste ano
Registro de quando o Rio de Janeiro registrou sensação térmica de 60,1ºC, em março deste ano
Foto: Reprodução/Agência Brasil/Fernando Frazão

Se você navegou pela internet neste início de semana, é provável que tenha se deparado com a afirmação de que o Brasil pode se tornar ‘inabitável’ em 50 anos por conta do calor. Mas a informação, que faz referência a um artigo publicado pela Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço, dos EUA, a Nasa, na verdade, não é bem assim

Isso porque o artigo em questão – o Quente demais para lidar: como as mudanças climáticas podem tornar alguns lugares quentes demais para se viver, publicado em 2022 pela equipe editorial científica da Nasa – não tem o Brasil como foco. Nem diz, com essas palavras, que o País ficará ‘inabitável’.

No material, que se embasa em outro estudo, o O surgimento de calor e umidade muito severos para a tolerância humana, de 2020, escrito por Colin Raymond, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, a conclusão é de que o aumento das temperaturas globais e também da umidade pode fazer com que diversas regiões excedam os 35 ºC de temperatura do bulbo úmido. E por que isso é perigoso?

Bulbo úmido é uma espécie de termômetro que relaciona calor e umidade e que também serve como medida para verificar o ‘estresse térmico’. Como explicou ao Terra Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e divulgadora científica, “a partir de uma certa temperatura do ar, precisamos regular nossa temperatura interna eliminando calor pela transpiração. Mas o suor precisa evaporar, e o ambiente muito úmido dificulta a evaporação”.

Sendo assim, quanto mais alta a temperatura do bulbo úmido, menos as pessoas conseguem se resfriar – e, segundo o estudo, isso desencadeia desidratação e afeta os órgãos, principalmente o coração. São os resultados desse ‘estresse térmico’ que podem levar à morte. 

“Existem muitas preocupações em um mundo mais quente, e a junção de temperatura e umidade elevada é muito perigosa e subestimada”, complementa Karina, que também reconhece que, mesmo temperaturas abaixo dos 35 ºC, o que é considerado como o “limite para a sobrevivência humana”, também podem trazer riscos. 

“Uma vez que a temperatura do bulbo úmido excede 35 graus Celsius (95 graus Fahrenheit), nenhuma quantidade de suor ou outro comportamento adaptativo é suficiente para baixar seu corpo para uma temperatura operacional segura. Na maioria das vezes, não é um problema, porque a temperatura do bulbo úmido é geralmente de 5 a 10 graus Celsius abaixo da temperatura corporal, mesmo em lugares quentes e úmidos.” – Colin Raymond

E onde Brasil entra nisso?

A pesquisa inicial, de 2020, se aprofunda no limite fisiológico das pessoas à exposição a temperaturas de bulbo úmido de 35 ºC. Nesse material, o Brasil não é citado diretamente. Mas as conclusões, de forma mais geral, apontam que várias regiões podem passar a exceder esse limite com menos de 2,5 ºC de aquecimento global – em relação ao nível pré-industrial. 

Já no rodapé do artigo da Nasa, que revisitou o artigo de Colin Raymond, o Brasil é destacado: “As áreas mais vulneráveis [com relação ao limite do bulbo úmido nos próximos anos] incluem o sul da Ásia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho por volta de 2050; e o leste da China, partes do sudeste da Ásia e o Brasil até 2070”.

Para a especialista em Climatologia, o fato de o Brasil poder registrar tais eventos que ultrapassam até mesmo os 35°C de temperatura de bulbo úmido nas próximas décadas não quer dizer que o País inteiro se tornará inabitável, nem que os eventos acontecerão durante o ano todo. 

Andrea Ramos, especialista em meteorologia tropical e meteorologista no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em entrevista ao Terra, também ressaltou que a pesquisa trabalha com cenários abertos, baseados em experiências e observações. Por isso, por mais que o mundo esteja vivenciando o aumento de eventos extremos, com a temperatura média global evoluindo, ainda é necessário cautela ao dar ‘datas’. 

No último domingo, 21, por exemplo, o planeta teve seu dia mais quente da história recente. De acordo com dados do Serviço de Mudança Climática Copernicus (C3S), o observatório climático europeu, a média global diária chegou no recorde de 17,09°C -- desbancando os 17,08 ºC registrados em 6 de julho de 2023.

Evento climático extremo que atingiu o Rio Grande do Sul neste ano
Evento climático extremo que atingiu o Rio Grande do Sul neste ano
Foto: Agência Brasil | Divulgação

Tem como mudar a cenário?

Teoricamente, sim. “A temperatura média na Terra está aumentando por causa das atividades humanas produzindo emissões de gases de efeito estufa, principalmente a queima de combustíveis fósseis. Só conseguiremos estabilizar o aquecimento global após chegarmos a zero emissões líquidas de CO2”, aponta Karina Lima.

Dessa forma, para ela, existe um amplo espectro de possibilidades para o grau de aquecimento global que teremos. E o cenário que se consolidará dependerá da velocidade das ações globais – como ter como prioridade o cumprimento das metas do Acordo de Paris.

Mapa que mostra, de 1979 a 2017, quais locais registraram maiores extremos de calor e umidade; quanto mais escuro o ponto, maior o grau de bulbo úmido
Mapa que mostra, de 1979 a 2017, quais locais registraram maiores extremos de calor e umidade; quanto mais escuro o ponto, maior o grau de bulbo úmido
Foto: Reprodução/Nasa/NOAA Climate.gov - Radley Horton.
Fonte: Redação Terra
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