Canibalismo, nado e adaptação: entenda como ratos e baratas sobrevivem a desastres naturais
Enchentes no Rio Grande do Sul provocaram a disseminação de pragas em cidades como Porto Alegre; conheça as causas e riscos à saúde
As severas enchentes que assolam o Rio Grande do Sul trouxeram à tona um grave problema de ordem sanitária. Nas redes sociais, moradores da região de Porto Alegre compartilham registros de ratos e baratas que, expulsos dos esgotos pelo transbordo da água, buscam refúgio nas ruas da capital gaúcha.
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A infestação de pragas é mais um dos aspectos multifacetados da catástrofe vivida no Sul do Brasil, que já deixou mais de 100 mortos e atingiu diretamente 1,7 milhão de pessoas.
Mas como esses animais conseguem sobreviver a um desastre ambiental? De acordo com o biólogo Eric Comin, pragas urbanas, como ratos e baratas, possuem alta capacidade de adaptação às circunstâncias do ambiente em que vivem, sempre em busca de abrigos secos.
Saí para fazer alguns registros da enchente e me deparei com grupos de ratos ilhados no centro histórico de Porto Alegre pic.twitter.com/GAKvff68rS
— Marco (@marcoviniciuskt) May 4, 2024
"São animais extremamente oportunistas com relação à moradia. Com essas enchentes, as tocas e esgotos onde esses animais vivem ficaram cheios de água e eles, logicamente, saem desses locais e acabam na superfície, onde buscam abrigo. Os ratos propriamente ditos também são exímios nadadores, o que facilita no deslocamento", explica Comin.
"Já as baratas têm o vôo a seu favor para chegar em locais secos", diz o biólogo, que ressalta os hábitos alimentares desses animais como outro fator que colabora com a sobrevivência em meio a desastres naturais.
"É uma alimentação muito variada, eles comem praticamente tudo. Os ratos, por exemplo, vão desde lixo, restos de alimentos a até outros ratos mortos. Eles cometem o canibalismo como forma de sobrevivência", explica Comin.
Riscos à saúde e crise sanitária
O biólogo reforça a necessidade de cuidados no armazenamento e estoque de alimentos e produtos perecíveis destinados às vítimas das enchentes, a fim de evitar contaminações.
Mas os riscos de contrair doenças permanece para aqueles que precisam cruzar áreas alagadas, sejam moradores ou equipes de brigadistas que atuam no resgate das vítimas. O médico infectologista Marcos Caseiro explicam que as enchentes guardam perigos ocultos em enfermidades como hepatite do tipo A, salmonela e, principalmente, a leptospirose.
A última, por exemplo, é uma doença infecciosa provocada pela bactéria do gênero Leptospira, que pode ser contraída por meio do contato com água ou solo contaminados pela urina de animais infectados, principalmente os ratos, explica Caseiro.
"Os ratos são como reservatórios, eles carregam a doença, mas não ficam doentes. Um rato urina 3 ml e, em cada mililitro, tem cerca de 10 mil bactérias Leptospira. Basta uma única bactéria conseguir penetrar a pele humana para que a pessoa contraia a doença", afirma o infectologista.
Segundo Caseiro, o risco é ainda maior para aqueles que permanecem regularmente em áreas alagadas, como os brigadistas e equipes de resgate. "A pele macerada, que fica muito tempo em contato com a água e ganha aquele aspecto enrugado, facilita a penetração de microorganismo, incluindo as bactérias".
O médico ressalta, ainda, a necessidade de cuidados no manejo de lama, quando o nível da água baixa. "A Leptospira sobrevive na lama. Nesses casos, é imprescindível o uso de equipamento de proteção individual, como botas e luvas, para os trabalhos de limpeza das regiões de enchente".
Prevenção e planejamento
Também médico infectologista, Ricardo Hayden explica que as autoridades devem estruturar ações de prevenção e atendimento a casos de pacientes com doenças de transmissão hídricas, como as que são trazidas por pragas em enchentes, durante o período de crise.
"Além do risco de afogamentos, soterramentos, há também o risco biológico. A Leptospira talvez seja a maior ameaça à população, junto da hepatite A, salmoneloses e doenças gastro-intestinais. Acompanhamos o esforço coletivo, mas é difícil englobar todas as necessidades, por isso é preciso planejamento", explica Hayden.
Segundo o médico, o tratamento às enfermidades exige estrutura própria para atendimento especializado, com unidades de terapia intensiva (UTIs), semi-intensivas, áreas de observação em quarentena, além da mão de obra de médicos, enfermeiros e auxiliares. "É como um hospital de campanha próprio, dada a gravidade dos casos".
Hayden e Caseiro citam medidas já discutidas por órgãos de saúde, como a nota técnica com recomendações de profilaxia, que define tratamentos médicos preventivos, contra a leptospirose, emitida em conjunto pela Sociedade Brasileira de Infectologia, Sociedade Gaúcha de Infectologia e pela Secretaria de Saúde do RS.
O documento prevê o tratamento para socorristas e voluntários, assim como moradores, com longos períodos de exposição a enchentes, mediante avaliação. A medida recomenda o tratamento preventivo com medicamentos antibióticos.
O Terra questionou o governo do Rio Grande do Sul sobre medidas de combate às pragas em meio ao desastre climático, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.