Script = https://s1.trrsf.com/update-1736170509/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Dia escurecendo mais cedo, falta de chuva e ardor nos olhos: por que a fumaça ainda recobre cidades da Amazônia?

Pesquisadores explicam o que pode estar acontecendo na região e cobram ações de autoridades, que tentam atribuir a 'culpa' a outros

8 nov 2023 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Fumaça em Santarém
Fumaça em Santarém
Foto: Arquivo pessoal

A fumaça que encobre cidades do bioma amazônico persiste mesmo com as ações e repasses do governo federal para combate às queimadas. Cidades do Amazonas e do Pará estão há semanas encobertas pela poluição. Pesquisadores pedem ações contundentes de monitoramento, fiscalização e multas maiores para conter o desmatamento na região.

O prolongamento do período de seca em virtude do El Niño é um dos fatores principais, segundo a doutora em Ciências Ambientais e professora da Universidade do Estado do Pará (UEPA) Eliane Coutinho. Esse fenômeno retarda as chuvas que deveriam ser mais frequentes desde outubro. O clima seco favorece as queimadas clandestinas que, no caso do Pará, estão situadas principalmente no chamado Arco do Desmatamento, região fronteiriça com o Mato Grosso e o Amazonas.

Até novembro deste ano, foram registrados mais de 59 mil focos de incêndio apenas no Pará, com Altamira (3.362) e São Félix do Xingu (2.749) no topo da lista anual. Mensalmente, são nove municípios liderando os maiores focos de incêndio apenas no Estado, totalizando 484 focos até a última sexta-feira, 3, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Portel, Pacajá, Placas, Uruará, Prainha, Moju, Anapu, Porto de Moz e Santarém foram os municípios registrados.

Fumaça encobre rua em Santarém
Fumaça encobre rua em Santarém
Foto: Arquivo pessoal

"Nuvem que não some"

Morador da cidade de Santarém, o professor Hiandro Bastos, de 28 anos, convive com a mudança climática e com as altas temperaturas. “A chuva está demorando para vir. Eu nem lembro a última vez que houve chuva”. Ele conta que a situação da fumaça é insuportável, está presente em todas as zonas da cidade e os problemas de saúde têm sido frequentes, como ardor nos olhos e nas vias aéreas.

A situação das queimadas preocupa também o universitário George Lucas, de 23 anos, que há alguns meses convive com o ar poluído e sente o impacto na saúde. A paisagem santarena, uma cidade cercada por serras, está encoberta por uma nuvem branca que não some. “Essa última semana foi muito pesada, porque não era uma neblina, mas não dava para ver o horizonte, tinha muita poluição”. Ele relata que, na última quarta-feira, o dia chegou a escurecer às 15h por conta da camada de poluição: “Parecia que eram seis da tarde”.

De quem é a 'culpa'?

Eliane explica que as cidades paraenses que registram a maior quantidade de queimadas, em sua maioria, com o tempo seco ficam propensas às queimadas por conta da quantidade de terrenos já desmatados e, consequentemente, onde não há cobertura vegetal. "Por não ter essa quantidade de vegetação como tem no Amazonas, ele torna-se mais seco e mais vulnerável às queimadas quando a temperatura do ar está alta. Mas dizer que a culpa é daqui ou dali. Não é verdade", reforça a professora.

Na sexta-feira, o governador do Amazonas, Wilson Lima (UB), e o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Eduardo Taveira, culparam as queimadas no Pará pela densidade da fumaça que encobria a cidade de Manaus. Naquele dia, a capital amazonense chegou a registrar novamente uma das piores qualidades do ar, perdendo apenas para cidades da Índia e do Paquistão, conforme o monitoramento do World Air Pollution. 

O biólogo e pesquisador Lucas Ferrante refuta a justificativa das autoridades. Com base nas análises do fluxo de ventos da região e da emissão de material particulado, ele afirma que, embora o Pará registre uma quantidade expressiva de queimadas, há uma coluna de estabilidade dos ventos no Amazonas. Por conta disso, não seria possível culpar o Estado vizinho pela nuvem de poluição.

O pesquisador contabilizou três grandes focos de material particulado, sendo dois no Pará e outro no próprio Amazonas. A fumaça produzida no Pará, no entanto, conforme Ferrante, vem sendo dissipada ao longo do caminho. As do Amazonas, porém, estão localizadas em municípios da região metropolitana, especialmente Autazes e Careiro Castanho, nas proximidades da BR-319.

O que fazer?

Ferrante argumenta que é necessário uma revisão do governo federal sobre os grandes empreendimentos na Amazônia, em especial a BR-319, que ao longo dos últimos anos multiplicou a quantidade de ramais ao longo da rodovia. Ele cobra o plano de combate aos incêndios florestais, fiscalização e multas e investigação das ações dos órgãos como o Ministério Público. 

"Estamos construindo uma hidra com mil braços que ninguém vai conseguir cortar a cabeça. Precisamos de uma intervenção federal imediatamente com a Força Nacional atuando junto com o Ibama e o Ibama que lavre multas grandes para essas áreas para quem está grilando terras”, declara o pesquisador.

Professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e coordenador do projeto Selva/EducAir, Rodrigo de Souza diz que a poluição não tem fronteira e a fumaça do Pará, sem dúvida, entra no Estado do Amazonas. No entanto, segundo ele, “não podemos dizer que a qualidade do ar em Manaus é apenas das queimadas do Pará. A região metropolitana de Manaus tem queimado diariamente”.

O projeto coordenado por Rodrigo mede a qualidade do ar de cidades no Amazonas e disponibiliza as informações por meio de aplicativo (Selva/EducAir). Souza explica que as queimadas próximas da cidade de Manaus impactam mais na qualidade do ar em superfície e conclui que a solução mais simples para resolver o problema é não realizar queimadas no período de estiagem.

Doutor em meteorologia e professor do curso de ciências atmosféricas da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Lucas Vaz acompanhou a movimentação da fumaça nas últimas semanas. Ele destaca a necessidade de salas de situação para monitoramento contínuo da atmosfera. Com isso, seria possível prever níveis de fumaça e identificar antecipadamente padrões de comportamento. 

“Essa é a grande lição que fica. A partir de agora, com essa questão ambiental em evidência, cada município tem que ter a sua sala da situação e análise da atmosfera e a contratação de meteorologistas e cientistas da atmosfera, principalmente no interior da Amazônia”, reforça o meteorologista. 

Fumaça encobre rua em Santarém
Fumaça encobre rua em Santarém
Foto: Arquivo pessoal

O que dizem as autoridades

Em nota, o governo do Pará confirmou que parte da fumaça que permeia o Amazonas é proveniente das queimadas no Estado e justificou que os incêndios florestais foram agravados pelo acúmulo de áreas desmatadas ilegalmente nos últimos anos e por eventos climáticos como o El Niño mais forte desde 1997, intensificado por mudanças climáticas, que causaram a pior estiagem em mais de 100 anos na região Norte.

O governo paraense afirma que o Ibama e ICMBio atuam desde julho com toda sua equipe de brigadistas para combater incêndios nas áreas federais, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas e que reforços de brigadistas e aeronaves serão enviados para intensificar as ações de combate. No Pará, incêndios já foram extintos em mais de 50 regiões. 

Além disso, a gestão estadual lembra que, desde o início do ano até o fim do mês de outubro, houve 31.119 focos de incêndio no Pará, 12,2% a menos que no mesmo período de 2022 e que o Fundo Amazônia, retomado em janeiro após quatro anos de paralisação com R$ 3,9 bilhões em caixa, já financiou uma série de projetos para apoiar o combate ao desmatamento, à degradação florestal e aos incêndios no Pará:

“O programa Pará Combatendo os Incêndios Florestais e Queimadas Não Autorizadas recebeu R$ 16,8 milhões da iniciativa para a estruturação de unidades do Corpo de Bombeiros Militar em 14 municípios no Estado. O Programa Municípios Verdes, que fortalece a gestão ambiental municipal, recebeu R$ 45,6 milhões, por exemplo, e o Projeto SEMAS Pará, para melhorar o processo de emissão do Cadastro Ambiental Rural e descentralizar as atividades da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado, R$ 15,9 milhões”.

Fumaça em Santarém
Fumaça em Santarém
Foto: Arquivo pessoal
Fonte: Redação Terra
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade