'Gari Ecológico': paraibano enfrentou alcoolismo, virou empreendedor sustentável e, agora, exporta até para a Europa
Giorggio Abrantes vive no sertão da Paraíba e mudou a vida da família com a fabricação de vassouras feitas de garrafas PET
Quando estava internado em uma clínica de reabilitação para tratar o vício em álcool, o gari Giorggio Abrantes só pensava em uma coisa: reconstruir a família. Sua esposa, Cibele, tinha pedido a separação por não aguentar mais os episódios com bebidas, mas ainda havia esperança. Para passar o tempo, a organização do local estimulava os pacientes a produzirem vassouras com garrafas PET, ofício que fazia bem para a mente e para o planeta.
Assim que deixou a clínica, Giorggio decidiu: ia se dedicar ao sustento da família com produção com material reciclável. Desde então, foi aceito de volta pela esposa, nunca mais retornou ao alcoolismo e viu sua história virar exemplo de superação e viralizar nas redes sociais.
Hoje, com mais de 1 milhão de seguidores na internet, ele tem sua própria empresa de fabricação de vassouras, disponibiliza cursos on-line, publica tutoriais gratuitos em seus perfis e exporta suas máquinas até para a Europa.
Vindo de Aparecida, uma cidade com 7 mil habitantes no sertão da Paraíba, Giorggio é um verdadeiro “homem da esperança”, como seu conterrâneo Ariano Suassuna definiu a si próprio dois anos antes de falecer.
‘A necessidade é a mãe da invenção’
Giorggio Abrantes só tem 41 anos, mas parece ter vivido mil vidas em uma. Desde muito cedo, nunca se intimidou com trabalho. Quando mais novo, não pensou duas vezes em sair em direção à ‘selva de pedra’ paulistana para comercializar redes. “Consegui fazer meu casamento com esse dinheiro que ganhei em São Paulo”, lembra.
Na volta para o seu estado, foi servente de pedreiro, chegou a vender crediário, atuou como diarista e se encontrou em uma profissão até então pouco valorizada, a de gari. “Por aqui, a gente se esforça para ter nossas coisas”, faz questão de destacar. A função que Giorggio se dedicou por mais tempo na vida era na Prefeitura de Aparecida.
A bela história de esforço e trabalho poderia acabar bem por aí, se não fosse por um obstáculo: a bebida. Sem perceber, Giorggio se tornou alcoólatra e sua esposa resolveu pedir a separação diante da situação. Para ter a família de volta, o gari se internou em uma clínica de reabilitação.
“Minha esposa não aguentou. Eu era alcoólatra e ela resolveu se separar de mim, insatisfeita com aquilo. Triste com a situação, busquei ajuda com familiares que me internaram em uma clínica de reabilitação”, relembra o momento difícil.
Ele até imaginava que a decisão seria um divisor de águas em sua vida, mas não sabia o quanto. “Nessa clínica, uma das tarefas diárias era fazer essas vassouras. E foi lá onde eu tive o primeiro contato com o reaproveitamento de garrafas, com a fabricação de vassouras”, conta.
Para criar o utensílio, Giorggio usa cerca de 14 garrafas PET de 2 litros e uma de 1 litro. O paraibano transforma o plástico em fios finos que são enrolados no molde e aquecidos para tomarem a forma desejada. Quando descobriu esse ofício, decidiu que continuaria com a atividade sustentável assim que saísse da clínica.
“Quando terminou o tratamento, minha esposa me aceitou de volta e voltamos a morar juntos. Graças a Deus, não perdi meu emprego de gari aqui na cidade de Aparecida, já que eu sou concursado. Trabalho aqui há quase 15 anos, varrendo a rua”, explica.
Com a vida renovada e o casamento de volta, Giorggio decidiu ensinar o que aprendeu durante a internação para outras pessoas. “Comecei a produzir tutoriais em vídeo para a internet porque sabia que tinham pessoas que necessitavam daquelas informações”, diz.
“Eu também lia comentários dessas pessoas em vídeos de outros criadores que faziam essas vassouras, mas que não disponibilizavam tutoriais. Achei importante ensinar o pessoal a ter o seu próprio negócio e tirar essas garrafas do meio ambiente. Uma vassoura feita de garrafa pet dura cinco vezes mais do que uma convencional e é feita praticamente com o mesmo material”, completa.
Atualmente, seu canal no Youtube tem 1 milhão de inscritos e 352 milhões de visualizações nos mais de 500 vídeos com tutoriais. Só de seguidores, o paraibano preenche mais de 140 Aparecidas, já que a cidade conta com 8.416 habitantes.
Na descrição do perfil, Giorggio escolheu escrever um ditado popular que define bem sua história de vida: “A necessidade é a mãe da invenção”.
Gari ecológico
Em 2020, Giorggio já recebia boas visualizações em seus vídeos, mas viu a vida mudar da noite para o dia quando virou exemplo de superação em um perfil famoso na internet.
“Um vídeo meu chegou na página Razões para Acreditar. Eles conheceram a minha história e resolveram compartilhar”, relembra. Só no Instagram, a página tem mais de 6 milhões de seguidores e posta conteúdos de superação e inspiração todos os dias.
Além da visibilidade, a Razões para Acreditar também criou uma ‘vaquinha virtual’ para ajudar o paraibano. Com o dinheiro arrecadado, Giorggio montou sua oficina de reciclagem e virou, oficialmente, um empreendedor.
“Eu comprei máquina de solda, lixadeira, muitas ferramentas. Esse dinheiro também me proporcionou a gravar vídeos com uma qualidade melhor para entregar para os inscritos. Foi muito marcante na minha vida, ajudou muito”, conta com gratidão.
Se tornar um empreendedor não estava em seus planos, mas chegou na melhor hora. Giorggio Abrantes ganhou uma nova identidade e se tornou o ‘Gari Ecológico’ nas redes sociais com a sua empresa de reciclagem.
“O meu negócio consiste em ensinar pessoas a fazer suas vassouras gratuitamente a partir da compra das minhas máquinas. Para os que não têm condições de comprar as minhas máquinas, eu disponibilizo todos os tutoriais no meu canal no YouTube. Tudo usando o celular”, explica.
Os vídeos com passo a passo também estão no Instagram e no Tik Tok, e fazem o maior sucesso. O último a viralizar foi publicado no domingo, 13, e já conta com mais de 11 milhões de visualizações, além de comentários em inglês, espanhol e até italiano.
“Olha isso! 10 milhões de visualizações em 48 horas. É a virada de chave que preciso para alavancar o Instagram”, dizia a mensagem empolgada enviada pelo empreendedor para a reportagem após a entrevista.
Passar o propósito adiante
Os números não são só virtuais. O crescimento de Giorggio nas redes sociais impactou sua vida financeira e seu negócio. Além de um chamariz para investidores, seu perfil on-line também permitiu que pessoas de outros países conhecessem seu ofício.
“Esse mês eu mandei máquinas para Europa, para a Espanha. Para fora do Brasil, também já tinha vendido para os Estados Unidos, para Moçambique. A venda, a cada dia, graças a Deus, só aumenta”, comemora.
Para as redes sociais, seu próximo projeto é a criação de um livro virtual. “Eu penso em vender por uma quantia simbólica todo esse material em forma de e-book, para poder alcançar outras pessoas, inclusive em outras línguas”, afirma.
Assim como o ensinamento da reciclagem mudou sua vida em um momento crítico, Giorggio também pensa em passar esse propósito adiante em parceria com instituições.
“Quero propor aos governantes levar esse projeto para presídios, para clínicas de reabilitação, onde pessoas que queiram se ressocializar, mudar de vida, possam ter ali uma luz, se sentirem acolhidos. E, claro, consequentemente, ajudar a retirar essas garrafas PET que tanto poluem o meio ambiente, transformando em ótimos produtos.”
Além do sucesso profissional, o paraibano também está aproveitando um momento especial em família. A comemoração de 20 anos de casamento com Cibele veio acompanhada de um presente fofo e com ‘dobrinhas’: Tiago, o caçula do casal, que nasceu em janeiro.
“O nascimento do nosso terceiro filho tem me inspirado cada vez mais, para que eles cresçam e queiram dar continuidade a esse trabalho também. É uma bênção, eu estou muito apaixonado pelo neném poder reviver tudo isso de novo”, se declara.
Apesar de manter a cabeça no futuro, quando olha para trás, Giorggio tem orgulho da trajetória difícil, mas recompensadora. “Lembro que tudo começou numa casa alugada, nos fundos, num murinho, coberto com uma lona. Hoje, tenho uma oficina própria, com terreno próprio, usando 100% de energia solar, podendo fornecer máquinas até para outros países”, se orgulha.
“Vem um filme na cabeça. O quão fundo eu cheguei, do fundo do poço, e no momento em que eu resolvi mudar de vida e pedir ajuda a Deus, ele estendeu as mãos. Naquele momento de dor que eu passei, de separação, internado numa clínica, longe de meus filhos, foi ali que eu abri os olhos e vi uma ótima oportunidade para que eu pudesse mudar de vida, fazendo minha parte para o meio ambiente"
Mesmo com a ‘fama’, o gari ecológico faz questão de destacar o que considera de mais importante em sua vida: “Nunca devemos desistir do que amamos. Para mim, eu tinha perdido tudo que eu mais amava, que era a minha família. Hoje, mesmo com esse sucesso dos vídeos, de vendas, se tudo acabasse e eu tivesse a minha família, eu seria feliz do mesmo jeito.”
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