Educação ambiental: como professores têm inovado para ensinar sobre as mudanças climáticas
Pesquisa mostra que quase a totalidade dos professores querem tratar tema em sala de aula, mas metade não consegue por falta de recursos ou de tempo
As enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas em diversas regiões do País são alguns dos exemplos mais recentes dos graves impactos das mudanças climáticas nas escolas e na vida dos estudantes. Nesse sentido, a educação ambiental é um tema visto como muito importante pelos professores, mas muitos não sabem como abordar esses assuntos em sala de aula.
Essa realidade é atestada por uma pesquisa feita pela Nova Escola, em que 98% dos mais de 13 mil docentes participantes, de todas as etapas da Educação Básica, disseram acreditar que a sociedade está vivendo fenômenos climáticos extremos com maior frequência e que é importante ensinar sobre o tema para os alunos. E 86% dos professores acreditam que suas casas ou escolas podem ser afetadas por fenômenos das mudanças climáticas em algum momento, como calor ou frio excessivo, enchentes ou queimadas, por exemplo.
Apesar disso, apenas 56% dos profissionais trabalham a temática das mudanças climáticas com frequência no dia a dia da sala de aula. Somente 25% deles receberam alguma formação sobre a temática, enquanto 23% se sentem pouco ou nada confiantes para trabalhar o conceito em sala de aula, segundo o levantamento.
O principal desafio apontado pelos profissionais está na falta de recursos e materiais para trabalhar o tema e na falta de tempo no currículo. Os educadores expressaram necessidade de materiais educativos atualizados, atividades práticas e formação profissional para melhor ensinar sobre as alterações climáticas.
"Este ano o Brasil presenciou uma situação extrema de crise climática no Rio Grande do Sul, mas esses desafios são vividos há décadas em todas as regiões do País com o aumento das secas, avanço do nível do mar, entre outros pontos. Para a construção de uma sociedade mais resiliente às mudanças climáticas, a educação desempenha um papel crucial", afirma Cristiano Ferraz, coordenador da área de Comunidades da Nova Escola, uma ONG que distribui materiais para profissionais da educação. Professores de escolas públicas e privadas podem acessar gratuitamente conteúdos sobre os mais variados assuntos na plataforma.
"É impossível trabalhar naquele modelo tradicional, de explicar o conteúdo, levar algum texto introdutório, complementar, e depois fazer uma atividade. Eles não se interessam nesse formato de aula. Então geralmente eu faço dinâmicas, apresento vídeos de notícias, não só vídeos conteudistas, e faço atividades que prendam a atenção deles", conta a professora, que busca sempre criar métodos para promover a participação dos estudantes.
Para isso, Daniele foca em trabalhar temas ambientais que se conectem com a realidade dos alunos, que vivem no sertão pernambucano. "É válido o meu aluno saber sobre a Amazônia, sobre o degelo nos polos, sobre o aumento da temperatura na Europa, mas primeiro ele precisa entender as mudanças climáticas que estão afetando onde nós vivemos, na Caatinga", afirma.
A partir da provocação de um de seus alunos, ela criou o projeto "Ser Sustentável", em que busca promover nas turmas uma nova mentalidade em relação ao meio ambiente, mais propositiva e ativa, de enfrentamento dos problemas climáticos e ambientais.
Na visão de Andrade, as demandas ambientais se apresentam como temáticas essenciais à formação escolar, mas ainda são tratadas de forma meramente discursiva e passiva nas escolas.
"Ficamos a maior parte do ano letivo imersos a calendários festivos em que, por exemplo, no Dia do Meio Ambiente, se faz cartazes com cartolinas, fitas, glitter e tintas que serão descartados na semana seguinte sem o menor constrangimento e reflexão", critica.
Para ela, o caminho é debater sobre a temática sob uma perspectiva interdisciplinar, contextualizando as questões climáticas em âmbito social, cultural e político.
Na prática, a profissional já promoveu atividades como o plantio em horta para vivência do cultivo orgânico e aprendizagem sobre fertilizantes naturais e a agricultura familiar sem agrotóxicos, além de outros exercícios "mão na massa" para combate da cultura do descarte, revitalização da área externa da escola e coleta e separação do lixo.
"A promoção destas transformações precisa ser provocada, instigada, criada", afirma a professora.
Em algumas das atividades, a professora busca articular inclusive as famílias, a comunidade e a gestão pública local.
Para a educadora, o maior desafio é conseguir sensibilizar e engajar crianças e adolescentes à práticas, hábitos e ações que não fazem parte da cultura cotidiana deles em suas comunidades.
"Em uma atividade de engajamento dos estudantes para separação dos recicláveis e resíduos orgânicos, ouvi de um estudante que falaram para ele parar com essa frescura e que era para a professora cuidar da lição e não do lixo da casa. Esse é um exemplo bem corriqueiro e ilustra bem o quanto necessitamos de uma nova mentalidade, uma nova ética que está para além de separar tampinhas e pets para reciclagem. E também, o quanto é importante trabalhar captando quais são as dificuldades e demandas da comunidade e das famílias", afirma Eveline.
Ela garante, porém, que embora os desafios sejam estruturais e extrapolem o ambiente escolar, esse trabalhos na escola são uma das principais formas para chegar próximo das mudanças esperadas na mentalidade dos estudantes - e da sociedade.
"A necessidade deste trabalho está diante dos desafios, cada vez mais nítidos, de que devemos pensar globalmente para agir localmente", conclui a professora.