Empreendedora tem ideia assistindo a um filme e cria empresa que já evitou 3 bilhões de descartáveis
A Menos 1 Lixo criou copo reutilizável e encabeçou campanhas sustentáveis com celebridades
Fê Cortez estava na sala de cinema quando teve um estalo que, ela não sabia, mas mudaria toda a sua vida a partir daquele instante. Ela assistia ao filme “Trashed - Para Onde Vai Nosso Lixo”, documentário que mostra os grandes volumes de lixo distribuídos pela natureza ao redor do mundo, e sentiu algo diferente.
O ano era 2012. Ao ver aquelas imagens, Fê se sentiu pessoalmente tocada por todas as informações trazidas pelo documentário, em especial pela ilha de plástico do Pacífico, cuja área é o dobro do tamanho do Texas, estado dos EUA. Enquanto o filme se desenrolava, ela teve a ideia de eliminar pelo menos um descartável de seu dia a dia. Ali, surgiu o embrião da Menos 1 Lixo, empresa que hoje atua no marketing de outras companhias ensinando-as a divulgar suas ações sustentáveis.
Fê saiu da sala de cinema com a ideia pronta. Ela abandonaria os copos descartáveis e criaria campanhas de conscientização sobre redução de plásticos em redes sociais. Especialista em branded content e advinda do mercado da moda, ela conseguiu vislumbrar a união de duas ações: a conscientização sobre a produção de lixo e a prospecção de negócios.
A Planeta, ela relembra como o filme mudou sua forma de ver o mundo e o que passou a fazer a partir de então: “Comecei a estudar sustentabilidade, fiz um curso sobre e comprei um copinho retrátil para abolir o copo descartável. Achei o copinho na internet, ele era produzido na China e exportado. Comprei 20 unidades e distribuí entre meus amigos. Percebi, então, que mesmo quem não era ligado em questões de meio-ambiente passou a se importar mais quando trocou o descartável pelo copinho reutilizável”, conta.
A revolução do copinho
Foram três anos se conscientizando e entendendo a importância das pequenas ações até Fê tirar a ideia da Menos 1 Lixo do papel e colocá-la em prática. Foi em 2015 que ela criou a empresa, que inicialmente tinha o intuito de documentar sua própria mudança no que diz respeito à sustentabilidade e atitudes ecológicas.
Ela passaria um ano sem usar copo descartável e, ao fim do período, mensuraria o impacto real disso. “Eu ouvia de muita gente ‘você acha que vai mudar alguma coisa com um copinho?’. Me dava raiva, mas também sentia uma vontade de responder a essa pergunta. E comecei a mensurar o impacto da simples aquisição de um copo reutilizável”.
Durante um ano, Fê desafiou celebridades – ela circulava com facilidade entre esse universo – a fazerem o mesmo: adquirirem um copo reutilizável e abolirem o uso de copo descartável. A atriz Nanda Costa foi a primeira a aderir e divulgar, e os resultados foram impressionantes: em uma semana, ela deixou de usar 99 copos de plástico.
O objetivo da empresa, que sequer tinha CNPJ, era divulgar a causa, falar sobre o problema do plástico e incentivar a redução do consumo. “Era uma página na rede social, e eu me sentia o Clark Kent, vivendo uma vida dupla. Trabalhava com algo em que eu não acreditava mais e, nas horas vagas, fazia o que amava. Foi quando decidi fechar a agência e recomecei minha vida”.
A empresária foi convidada para participar do Fantástico, da TV Globo, e contar sua história naquele início de 2016: havia quem começava o ano com promessas malucas de dietas; a utopia dela era mudar o mundo. Quando falou sobre a página nas redes sociais e a escolha de um descartável para evitar, começou uma procura grande pelo copinho reutilizável, e não havia nenhuma empresa brasileira que produzisse o item.
“Como eu tinha comprado o meu da China, não poderia garantir responsabilidade socioambiental, e aí ficou paradoxal. Ainda assim, era o que tinha, porque não tinha nada parecido no Brasil. Foi quando decidi desenvolver um copo. Comecei o projeto de criação do produto antes mesmo de ter uma empresa. Lançamos o copo em 5 de junho de 2016, no Dia Mundial do Meio Ambiente, e o negócio começou a tomar outra forma”, conta.
O copo, feito em silicone, é retrátil, tem tampa e é fácil de ser carregado para os lugares.Devido à alta demanda, Fê oficializou a criação da Menos 1 Lixo, como empresa, com CNPJ. Ela começou a vender copinhos aos montes, com divulgação de celebridades amigas da empresária. Além dos desafios propostos aos famosos, que viralizavam nas redes sociais, Fê começou a propor a grandes empresas o uso do copo como instrumento de marketing, podendo ter remessas estampadas com a logo de cada companhia.
Sempre quis deixar muito claro que a M1L não é uma ONG, é uma empresa. As pessoas acham que ajudar o planeta não dá dinheiro, e eu sempre disse que não precisa ser assim. Temos de dar o exemplo de pessoas bem-sucedidas que trabalham com impacto positivo, e é meu caso
A relação com a ecologia começou a se estreitar à medida que a empresa crescia. Fê, então, se tornou a primeira defensora da campanha “Mares Limpos”, da ONU, no Brasil. Se tornou embaixadora do Greenpeace, cargo que ocupou por quatro anos, e a empresa passou a ganhar cada vez mais relevância no meio. “A gente começou a produzir conteúdos muito legais, como séries documentais e criar novas ações de marketing junto a empresas sustentáveis”.
A M1L segue produzindo o copinho, apesar de não ser mais a única a vender o produto no Brasil. Segue sendo, entretanto, a única responsável pela produção totalmente brasileira do item. Mas o copo não é a única forma de trabalhar da empresa.
Em 2021, Fê lançou seu livro, “Homo Integralis: Uma nova história possível para a humanidade”, que alçou a empresa a novos patamares. A M1L começou, então, a ser procurada para desenvolver conteúdos para marcas, além de novas webseries sobre moda sustentável e outras temáticas dentro da ecologia.
“A gente começou a ser muito procurado por marcas para criar enredos, formas de contar suas histórias. Há muitas marcas que são sustentáveis, mas quem cuida da área de sustentabilidade não é da comunicação, e vice-versa. Então, a gente faz esse papel, de criar esse enredo sustentável, divulgar os projetos das companhias, com ações pequenas, como publis, e maiores, como webséries.”
Mudança geral
Fê conta que tudo em sua vida se transformou a partir desse novo olhar sobre o mundo: “Brinco que, na verdade, não sei o que não mudei: mudei de namorado, mudei a forma como compro, meu armário, como descarto, minha mobilidade, meu xampu; não pinto mais a unha, mudei a forma como pinto meu cabelo e como escolho produtos de limpeza para limpar a casa. Mudei minha visão de educação do meu filho. Não tem como olhar o mundo da mesma maneira quando a gente encontra a lente da realidade.”
Ela segue levando seu copinho reutilizável na bolsa, e não hesita em deixar de consumir algo quando o estabelecimento se nega a oferecer o alimento em seu copo, em vez de usar descartáveis: “Já aconteceu algumas vezes de eu sair para tomar um açaí e deixar de tomar porque se recusam a servir no meu copo”, conta.
Não posso colocar minha conveniência acima do ecossistema